Expectativa de protestos no Rio reedita tensão da Jornada de Madri

A 28ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro será realizada sob uma forte ameaça de protestos, segundo avaliou esta semana a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A perspectiva causa receio de que manifestantes e peregrinos se enfrentem, repetindo os acontecimentos da última edição do evento, em Madri. Em 2011, a capital espanhola sediou […]

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A 28ª Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro será realizada sob uma forte ameaça de protestos, segundo avaliou esta semana a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A perspectiva causa receio de que manifestantes e peregrinos se enfrentem, repetindo os acontecimentos da última edição do evento, em Madri.

Em 2011, a capital espanhola sediou a Jornada em meio a passeatas contra as políticas econômicas da Espanha, e houve confrontos violentos entre manifestantes do movimento Indignados e peregrinos.

Yago de la Cierva, diretor-executivo da JMJ de Madri, disse se preocupar que “pessoas violentas se infiltrem para provocar os peregrinos e a polícia, aproveitando a presença massiva dos meios de comunicação internacionais”.

No entanto, De la Cierva afirmou que está seguro de que a população em geral “receberá ao papa e aos jovens de todo o mundo de maneira cordial e afetuosa”.

Pelo menos sete protestos foram convocados para os dias em que o papa estará no país. Quatro capitais brasileiras ─ Rio São Paulo, Belo Horizonte e Recife ─ podem ter manifestações contra o uso de dinheiro público em eventos religiosos.

Assim como em Madri, o movimento LGBT deverá organizar uma manifestação a favor das uniões homossexuais, um “beijaço”, no Rio. Passeatas contra a corrupção e uma “marcha das vadias”, organizada por grupos feministas contra o estupro, também estão programadas.

“As manifestações no Brasil visam a defender um modo de governo transparente, ético, representativo e solidário, e contra a corrupção. São mensagens totalmente em sintonia com a Igreja católica. Acho que o papa Francisco será um grande aliado de qualquer movimento que defenda uma visão ética da vida política e social”, disse.

Participantes do evento na Espanha dizem que as manifestações realizadas em Madri e os protestos programados para o Rio têm em comum o fato de que não são uma rejeição à Igreja, mas à realização de um megaevento que gera gastos públicos e que não é para todos os jovens do mundo.

Saúl Pérez Martínez, de 29 anos, que era presidente da Juventude Trabalhista Cristã na época da JMJ de Madri, acredita que é “muito possível” que durante o evento no Rio haja protestos, mas não exatamente contra a Jornada. “Tal como na Espanha, as manifestações não eram contra a jornada, mas contra a situação em que os jovens estão vivendo. O evento se tornou bastante elitista”, diz.

Mas espanhóis que participarão da JMJ do Rio dizem não ter medo de possíveis manifestações. Segundo Bruno Bércha, padre que acompanha os peregrinos da diocese de Barcelona, o risco de confrontos entre manifestantes e peregrinos é menor no Rio, porque “na Espanha há um sentimento anticlerical mais forte que no Brasil”.

Recepção de chefe de EstadoO teólogo espanhol Evaristo Villar é um dos fundadores das Redes Cristãs e se uniu a movimentos laicos e ateus contra o que chamou de “ostentação” da visita do papa Bento 16 a Madri, em 2011.

Segundo o teólogo, as críticas não se limitaram aos gastos públicos com a visita em um momento de crise econômica, mas também ao caráter político da vinda do papa.

“Não éramos contra o papa, mas contra a maneira como ele veio, como uma visita de chefe de Estado. Em uma sociedade constitucionalmente laica, como a espanhola, isso não tinha sentido e por isso organizamos manifestações contra a visita”, relembra Villar.

Na terça-feira passada, o ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota disse que o Brasil encara a visita do papa Francisco também como a vinda de um chefe de Estado, justificando os gastos públicos com a ocasião. Na prática, o papa acumula as funções de líder da Igreja católica e de chefe de Estado do Vaticano.

Saúl Perez Martínez criticou a realização do megaevento católico “em uma época que os jovens espanhóis vivem extrema precariedade trabalhista e desemprego”.

“Simpatizamos com muitas das reivindicações dos Indignados. Na Espanha, a JMJ estava financiada por multinacionais, e pensamos que a igreja tinha de reger-se por valores mais austeros e simples”, diz.

Os espanhois também acreditam que as manifestações no Rio, caso aconteçam, não devem ser contra o papa Francisco, conhecido por rejeitar luxos.

“O papa Francisco é muito diferente dos dois anteriores, é mais livre. Acho que do Brasil sairão resultados muito distintos, que pode ser um ressurgir da nova igreja, como já está nascendo em Roma”, diz o teólogo Evaristo Villar.

Confronto com Indignados

Celebrada entre 16 e 21 de agosto de 2011, a JMJ de Madri foi realizada em meio a um dos piores momentos da crise econômica na Espanha, estopim para o movimento dos Indignados.

No dia anterior à chegada do ex-pontífice Bento 16 ao país, uma passeata liderada por laicos, católicos críticos com o Vaticano, homossexuais e jovens do movimento Indignados percorreu as ruas do centro de Madri em protesto contra a visita.

A manifestação terminou com conflitos entre laicos e jovens católicos que decidiram tentar impedir o protesto. Oito pessoas foram presas e outras 11 ficaram feridas.

Os governo brasileiro gastará R$ 62 milhões com a visita do papa Francisco ao Rio de Janeiro. A soma dos gastos do governo federal, estadual e da prefeitura do Rio chega a R$ 118 milhões. A maior parte dos gastos se concentra nas áreas de segurança e defesa.

O ex-diretor-executivo da jornada de Madri, Yago de la Cierva, afirmou que os gastos públicos com a visita do papa Bento 16 foram as próprias de um chefe de Estado. “Mas não houve financiamento por parte de nenhuma administração pública, apenas cessões gratuitas de instalações”, ressaltou.

Para ele, “os Indignados aproveitaram para se manifestar onde estavam os peregrinos como maneira de ter mais visibilidade diante da mídia internacional”.

Segundo o diretor, os Indignados declararam publicamente que apoiavam que os jovens da JMJ ocupassem as ruas. “O único que pediam era que não tivéssemos financiamento público, o que estávamos de acordo.”

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