Um especialista da Universidade de Oxford chamou a atenção para as chances de ocorrência de surtos de dengue durante a Copa do Mundo e colocou três cidades do Nordeste sob alerta: Fortaleza, Salvador e Natal.

Em uma coluna na revista científica Nature, o pesquisador britânico Simon Hay defende que o Brasil deveria fazer campanhas de alerta aos turistas sobre os riscos da doença e aumentar as medidas de controle.

O alerta foi publicado na mesma semana em que novos dados divulgados pelo governo revelaram que o número de mortes por dengue no Brasil praticamente dobrou — de 292 em 2012, para 573 entre janeiro e outubro deste ano (96% a mais). Os casos graves também tiveram elevação, de 3.957 para 6.566 (um aumento de 65% em relação ao ano passado). Em 2010 foram registradas 638 mortes e 16.758 casos graves.

De 1.315 cidades avaliadas, 682 (51%) não estão em nível satisfatório de contenção do mosquito Aedes aegypti (transmissor do vírus da dengue). Do total, 157 estão em situação de risco e 525 em alerta.

Em resposta ao artigo da Nature, o Ministério da Saúde disse à BBC Brasil que “em junho e julho, meses em que serão realizados os jogos da Copa do Mundo 2014, as taxas de incidência da doença mostram baixa transmissão na região Nordeste, não havendo evidências de que, durante a realização dos jogos, possam ocorrer epidemias de dengue nas cidades-sede”.

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, disse durante a semana que o país “nunca teve epidemia em junho e julho” e que as medidas de combate à dengue são permanentes. Ele também chegou a afirmar que o “pesquisador não deve conhecer bem dengue e no Reino Unido pode não haver muita gente com a experiência que adquirimos no Brasil”.

Polêmica

É justamente esta informação que o artigo destaca, que enquanto no Sul e no Sudeste os meses de junho e julho são épocas de seca, no Nordeste o clima é outro, tratando-se de um período de chuvas, o que poderia favorecer a proliferação do mosquito.

“O professor Simon Hay é um nome muito respeitado em todo o mundo no estudo da dengue. De fato, a curva de chuvas no Nordeste é diferente do resto do país, e os jogos da Copa do Mundo vão coincidir com esse período. Acho que serve como alerta e cabe agora a essas três cidades intensificar as ações de prevenção”, diz Rafael Freitas, pesquisador especialista em dengue da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.

Freitas acredita que além de comunicar turistas, tanto brasileiros quanto estrangeiros, o governo deveria investir tempo e recursos para conscientizar a população local, com antecedência, já que a eliminação de pontos de água parada ainda é a forma mais eficaz de combate à transmissão do vírus.

“Poderíamos investir mais mesmo no controle do mosquito. Mesmo que ele (Simon Hay, autor do artigo publicado na Nature) estivesse errado, não perderíamos nada. Precaução não faz mal a ninguém”.

Oliver Brady, do Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford, que participou, juntamente com Simon Hay, de um estudo — também publicado na Nature — sobre riscos da dengue no mundo a partir de um mapeamento dos casos da doença em 2010, disse à BBC Brasil que o nível de transmissão no Sul e Sudeste será baixo, mas que em Fortaleza, Natal e Salvador estará no pico.

“Mas nós também precisamos destacar que trabalhamos com médias anuais. Prever a situação real da dengue em junho e julho é como prever o tempo, e mudanças sutis em padrões sazonais meteorológicos podem colocar algumas cidades sob risco maior ou menor”, explica.

Perspectiva e medidas

Embora seja um assunto familiar no Brasil e em quase cem outros países onde há incidência da doença (em outros climas tropicais na América Latina, África e Sudeste Asiático), a dengue é pouco conhecida entre turistas estrangeiros, principalmente europeus e norte-americanos.

“Isto significa que a Fifa, as autoridades brasileiras e os patrocinadores da Copa do Mundo precisam usar sua influência e experiência para informar sobre os riscos e as medidas de proteção que os torcedores deveriam tomar”, diz Simon Hay no artigo da Nature.

Para ele, entre elas estão: optar por acomodação com mosquiteiros, telas e ar-condicionado; aplicar inseticidas nos quartos; usar calças e camisas de manga comprida (sobretudo de manhã cedo e no fim da tarde, quando a chance de ser picado pelo mosquito é maior); e aplicar repelente sobre as roupas e a pele.

Já nas cidades, o britânico defende o combate agressivo ao mosquito nos meses e semanas anteriores ao Mundial, por meio da eliminação de pontos de água parada e aplicação de inseticidas específicos das áreas em torno dos estádios, conhecidos no Brasil como “fumacê”.

O Ministério da Saúde informou que não só manterá o programa permanente de combate à doença como, a exemplo do que já ocorreu durante a Copa das Confederações, implementará ações específicas nas cidades-sede.

Segundo o governo, a estratégia visará “à eliminação de criadouros do vetor [mosquito] com ênfase nos estádios/arenas, Fan Fests (os telões em áreas abertas com exibição ao vivo dos jogos), exibições públicas, centros de treinamento, rede hoteleira, aeroportos e seus entornos. Em locais de grande circulação de viajantes nacionais e internacionais (hotéis, rodoviárias, portos, aeroportos), haverá intensificação de ações de comunicação e prevenção, bem como referências para atendimento médico. Além disso, há processos contínuos de capacitação para garantir um atendimento de qualidade aos pacientes com dengue”.

Verbas, Rio e ‘alarmismo’

Tal qual o número de mortes, os investimentos do Ministério da Saúde no combate à dengue também dobraram em relação ao ano passado. O órgão anunciou a liberação de R$ 363,3 milhões (contra R$ 173,3 milhões em 2012).

Deste montante, seis Estados em situação mais preocupante receberão as maiores verbas: São Paulo (R$ 49,1 milhões), Minas Gerais (R$ 40,9 milhões), Rio de Janeiro (R$ 32,2 milhões), Bahia (R$ 29,3 milhões), Pará (R$ 24,8 milhões) e Maranhão (R$ 20,4 milhões).

Apesar de apresentar a menor infestação do mosquito da dengue dos últimos oito anos, a cidade do Rio de Janeiro ainda está sob “alto risco”, ao lado de outros dez municípios do Estado.

Para Alexandre Chieppe, superintendente de Vigilância Epidemiológica e Ambiental da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, é “óbvio que o Brasil tem problemas com a dengue, e o Rio também tem características climáticas que favorecem a proliferação da doença”. Mas ele ressalta que “não há motivos para preocupação no ano que vem”, e argumenta que a capital fluminense está habituada a receber turistas e se preparar para isso.

“Não é a primeira vez que o Rio recebe eventos de grande porte. Temos o réveillon, carnaval, tivemos a Jornada Mundial da Juventude, com quase 2 milhões de pessoas. Estamos em reuniões com o COL [Comitê Organizador Local] há três anos. Temos aqui um protocolo de notificação imediata, assim que um paciente abre quadro de febre, monitora-se e informa-se toda a rede para casos de malária, dengue, febre amarela”, diz.

“Vamos distribuir panfletos e há um plano específico, operativo de Copa, quanto a estoques de insumos e controle do vetor. Esse alarmismo não leva a nada. Temos programas bem estruturados”, afirma, em relação ao artigo publicado na revista Nature.

Os organizadores do estudo dizem que não querem convencer ninguém a deixar de ir à Copa, e admitem que o sistema de saúde brasileiro tem uma “forte capacidade de vigilância de doenças”.

“O Brasil está numa posição forte de liderança internacional da ação contra a dengue. Trazer este assunto à tona, no contexto da Copa do Mundo, apresenta uma boa oportunidade de fazer um chamado para uma resposta mais internacional a esta doença tropical global em ascensão”, diz Oliver Brady, da Universidade de Oxford.