A Trama Virtual, primeira comunidade de bandas no País – e uma das primeiras do mundo – encerrará suas atividades neste domingo (31). O anúncio foi discreto. “Finalizamos o serviço por acharmos que cumprimos nossa missão. A repercussão nos mostra que encerramos no momento certo; pior seria terminar e ninguém perceber”, explica João Marcello Bôscoli, dono da Trama, gravadora que concebeu e incubou a rede musical.

É o fim da história de um site que antecipou no Brasil o modelo que seria consagrado pelo MySpace e por dezenas de outros serviços que facilitaram o processo de publicação de músicas na internet.

A saída à francesa lembra o início da história. A Trama Virtual foi inaugurada em maio de 2004 sem nenhum barulho. “Colocamos no ar secretamente e avisamos poucas pessoas. Em três meses tínhamos 600 artistas”, conta o produtor musical Carlos Eduardo Miranda, que atormentava Bôscoli e seu sócio, André Szajman, para criarem o projeto.

A Trama Virtual era mais do que uma interface de publicação online para as bandas, define Miranda, o primeiro diretor do projeto. “Nosso diferencial era ser uma coisa muito humana, viva. Tinha festival, a gente estava lá cobrindo. Estávamos no olho do furacão, ligados no que estava acontecendo, até um emo a gente tinha na equipe.” Dagoberto Donato, editor-chefe do site por oito anos, via o “corpo a corpo com as bandas” como uma das chaves do sucesso. “Com a diminuição da equipe, o site talvez tenha diminuído esse trabalho”, diz.

Com sua cara de rede social de bandas, foi ali que surgiram fenômenos como o Cansei de Ser Sexy e a cena emo/ hardcore, impulsionada do site direto para as grandes gravadoras. “Na época, eu usava o Mp3.com, que era muito ruim, pago e lento. Aí me falaram da Trama. Postei lá, três semanas depois falaram que tinha uma parada e a gente estava em primeiro lugar”, lembra Adriano Cintra, ex-integrante do Cansei.

Mundo real. Em 2005, a banda foi parte da investida da Trama Virtual no universo dos discos físicos com a criação de um selo. Em sua primeira tiragem, o álbum do Cansei de Ser Sexy vinha acompanhado de um CD-r para que as pessoas gravassem o disco para um amigo. A Trama Virtual também se transformou em um programa de televisão e inovou com a criação do download remunerado, em que patrocinadores bancavam o que era baixado de graça pelos usuários.

Apesar da importância, os sinais do fim já eram claros. O site estava parado desde o fim de 2012 e já não mostrava o mesmo crescimento. Atualmente, são 78 mil bandas cadastradas – quase o mesmo de 2008, quando o site tinha 70 mil artistas.

O conteúdo sairá do ar, explica Bôscoli. “O acervo é de propriedade dos artistas – somos apenas seu veículo. O que temos no site são cópias digitais das suas masters, publicadas pelos próprios artistas”, diz. “Não dá para calcular o prejuízo com o fim da Trama Virtual. É como se deletassem quase dez anos da história da música independente brasileira do dia para a noite”, reclama Livio Vilela, um dos fundadores do Fita Bruta, que criou com outros blogs uma lista de músicas que precisam ser baixadas antes do fim.

Muitos artistas têm raridades disponíveis só no site e ainda não sabem o que fazer. “Temos algumas demos e arquivos ao vivo em nosso perfil. Vamos ter de repensar isso”, diz Nevilton, um dos artistas que viu no site uma motivação para começar a gravar o seu material.

Miranda imagina que um fim ideal seria o acervo migrar para alguma instituição, como o Ministério da Cultura, por exemplo. “Isso deve ser muito complexo legalmente, meio inviável. Temos de deixar rolar”, diz ele, que completa: “temos que agradecer à Trama pela iniciativa, pelo que fizeram. É coisa de quem acredita na nossa música”.