Vespas podem substituir agrotóxicos no combate às pragas nas lavouras

Uma vespa pode mudar o panorama das lavouras. Apontada pela revista Fast Company como uma das 50 empresas mais inovadoras do mundo, a Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba, em São Paulo, oferece uma alternativa sustentável para o combate às pragas. Com a técnica, uma cartela pequena de papelão contendo ovinhos de vespas pode proteger 1 […]

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Uma vespa pode mudar o panorama das lavouras. Apontada pela revista Fast Company como uma das 50 empresas mais inovadoras do mundo, a Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba, em São Paulo, oferece uma alternativa sustentável para o combate às pragas. Com a técnica, uma cartela pequena de papelão contendo ovinhos de vespas pode proteger 1 hectare de uma plantação.

Mas essa não é a única solução para o problema: no Brasil, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) realiza diversos estudos para a substituição dos agrotóxicos – envolvendo até a utilização de feromônios sexuais de percevejos marrons como forma de atração de inimigos naturais.

A ideia não é nova. “O Brasil tem o maior programa de controle biológico do mundo”, afirma o agrônomo Diogo Rodrigues Carvalho, sócio-diretor da Bug. A inovação da empresa foi transformar um conceito consagrado em pesquisas em um produto comercial. “A microvespa que utilizamos é do gênero Trichogramma, o parasitóide mais estudado no mundo”, explica.

Além do Brasil, a Europa também tem tradição nesse tipo de controle de pragas. De acordo com Carvalho, a diferença é que lá as áreas são pequenas, e os cultivos, em estufa. O inverno rigoroso ajuda a quebrar o ciclo de pragas. “No Brasil, nós temos pragas o ano todo, e as áreas são extensas”, esclarece.

O ataque das vespas

Tamanho não é documento. Os insetos produzidos pela Bug – que muitas vezes não atingem um milímetro – justificam o jargão e têm se mostrado um método eficaz nas lavouras. Conforme Carvalho, as vespas atacam as principais pragas das grandes culturas, como a cana-de-açúcar e a soja.

As microvespas depositam seus ovos dentros dos ovos da praga, alimentando-se do seu conteúdo interno e impedindo o nascimento da lagarta, responsável pelos principais danos na cultura. Dessa forma, nasce uma outra microvespa que vai controlar outros ovos e se multiplicar na cultura.

Para chegar a esse resultado, a Bug realiza a coleta das vespas, a maioria delas do gênero Trichogramma sp, em diversas culturas. “Sempre coletamos nas regiões em que vamos liberar, ou seja, coletamos o nativo e multiplicamos para o produtor”, explica Carvalho. Os produtores recebem a cartela pronta para a liberação das vespas na sua forma de pupa ou crisálida, antes do nascimento do adulto.

Raúl Alberto Laumann, pesquisador do Laboratório de Semioquímicos na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, explica a importância das vespas e o processo desenvolvido pelo parasita: “Os parasitóides são insetos que vivem como parasitas de artrópodes, geralmente insetos, durante a etapa de desenvolvimento larval ocasionando a morte de seus hospedeiros. São importantes componentes dos ecossistemas terrestres e cumprem uma função fundamental como inimigos naturais de insetos herbívoros.Durante seu ciclo vital os parasitoides passam por uma etapa crucial, que é o momento no qual as fêmeas precisam procurar um novo hospedeiro para parasitar (busca) e, uma vez localizado, decidir se realizam a oviposição ou não (seleção). Este processo é fundamental sob o ponto de vista do controle biológico já que o parasitismo bem sucedido culmina com a morte do hospedeiro e consequentemente tem impacto nos níveis populacionais do inseto alvo do controle”.

Os parasitóides utilizados pela Bug têm, como objetivo, substituir os inseticidas e trazer benefícios para o produtor e para o meio ambiente. O bolso do agricultor também sente o peso da mudança. O custo de implantação da técnica varia conforme a praga e a cultura, mas é geralmente menor. “Na maioria das vezes, ele fica de 30 a 40% mais barato do que o químico”, esclarece Carvalho.

Mas as vespas não podem ser empregadas em qualquer caso. De acordo com Carvalho, ainda não se pode controlar as pragas de solo, por exemplo. “Nesses casos, portanto, é necessária a intervenção química, que atrapalha os insetos benéficos que foram liberados”, argumenta.

Com foco no mercado nacional, a empresa possui cerca de 50 grandes clientes, entre Usinas de cana-de-açúcar, cooperativas e produtores de soja, além de 200 clientes menores, como os produtores de hortifrúti.

Visando a uma agricultura mais saudável, a Embrapa também realiza pesquisas e desenvolve tecnologias de controle biológico. Localizada em Brasília, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, uma das 47 unidades, investe em trabalhos com semioquímicos, biopesticidas, inseticidas biológicos, entre outros.

As pesquisas na área de ecologia química e comportamento de insetos, realizada pelo Laboratório de Semioquímicos da Embrapa, foram iniciadas no final da década de 80. Conforme Laumann, o trabalho desenvolvido pelo tem o intuito de estudar a comunicação química entre organismos vivos, intermediada por estímulos (moléculas) químicos conhecidos como semioquímicos. “Estamos particularmente interessados nas interações químicas entre os insetos e entre os insetos e o meio, para aplicação destes estudos no manejo de pragas agrícolas”, esclarece.

Entre as pesquisas realizadas, Laumann destaca: Identificação de feromônios de insetos, interações químicas entre insetos e plantas e entre insetos herbivórios e seus inimigos naturais (insetos predadores ou parasitóides). Tudo isso para entender como os insetos se comunicam ou como funcionam processos vitais como migrações, reprodução, procura de alimento, de presas, no caso de insetos predadores, e hospedeiros, para os parasitoides.

Dessa forma, Laumann explica que são realizadas diversas etapas até que a técnica possa ser utilizada para o manejo de pragas. Primeiro, é preciso isolar e identificar as substâncias químicas, analisar quais comportamentos elas modulam e por quais mecanismos elas atuam, para então produzir, de forma artificial, essa subtância (síntese química), avaliar sua eficiência e finalmente viabilizá-la.

Armadilhas com feromônio

De acordo com Laumann, uma técnica que já está em uma etapa bem avançada das pesquisas, e que teve comprovada a sua eficiência, foi o uso de armadilhas iscadas com feromônios sexuais para o monitoramento do percevejo marrom Euschistus heros. Por meio dessa técnica, cuja pesquisa inicial ocorreu na década de 1980, o produtor pode decidir o momento certo de realizar uma medida de controle, diminuindo o custo de produção, além de auxiliar na redução das aplicações de inseticidas.

“Essas pesquisas têm resultado na descrição dos feromônios da maior parte dos percevejos, que são pragas de soja e outros grãos (feijão, milho, girassol, arroz) de grande importância para a agricultura brasileira”, justifica Laumann.

Além do monitoramento das pragas, por meio de armadilhas, o uso de feromônios e outros semioquímicos em campo pode ser usado ainda para manipular o comportamento de seus inimigos naturais. Segundo Laumann, dessa forma os inimigos naturais são atraídos para determinados locais, onde matam os insetos praga, diminuindo suas populações e, consequentemente, o dano que eles causam nas áreas cultivadas.

Para o pesquisador Miguel Borges, que trabalha na mesma unidade, o mercado de semioquímicos está crescendo e ocupa hoje em torno de 30% do mercado de biopesticidas no mundo, perdendo apenas para os inseticidas bacterianos e botânicos.

Biopesticidas

Outro trabalho realizado pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia na área de controle biológico de pragas é conhecido como controle microbiano. De acordo com o pesquisador Rogério Biaggioni Lopes, as pesquisas datam do início da década de 1980 e consistem no desenvolvimento de produtos à base de microrganismos patogênicos a insetos que já existem na natureza, chamados biopesticidas.

Dessa forma, o controle microbiano busca reduzir a população de uma praga em determinado cultivo, de maneira a não causar prejuízos ao agricultor. Comparado com o agrotóxico, o biopesticida é específico, pois combate uma ou apenas algumas poucas pragas, o que resulta, segundo Lopes, em um baixíssimo impacto na população de outros organismos no campo, além de não causar desequilíbrios no sistema produtivo.

Lopes apresenta ainda outra vantagem do produto: “Biopesticidas registrados e usados da forma correta são também bem mais seguros para quem manipula o insumo e não deixam resíduos nos produtos agrícolas por degradarem-se rapidamente, além de não serem tóxicos para outros animais e o homem”. Se por um lado a técnica apresenta vantagens, por outro há uma limitação da gama de alvos que um biopesticida pode atingir, dependendo da espécie do microrganismo.

Para Lopes, no entanto, qualquer inseto pode ser combatido com o uso de biopesticidas desde que eles sejam desenvolvidos para o alvo desejado. “A natureza é rica em diversidade de espécies e raças de microrganismos que podem ser explorados. Basta identificar quais dessas tem potencial para cada alvo”, argumenta. E esse é o trabalho que a Embrapa vem realizando. De acordo com o pesquisador, o desenvolvimento de biopesticida passa por várias etapas, que vão desde o isolamento e manutenção desses microrganismos em bancos de germoplasma até etapas industriais de produção massal e formulação.

Já a aplicação depende das características da formulação e dos hábitos da praga-alvo. Entretanto, Lopes esclarece que, na maioria dos casos, a aplicação é feita por meio de pulverização ou polvilhamento, utilizando os mesmos tipos de equipamentos de outros produtos fitossanitários, tornando o custo operacional semelhante ao dos demais produtos.

O mercado de biopesticidas é muito dinâmico e ainda está em fase de crescimento, o que inviabiliza dados concretos sobre a útilização da técnica por parte dos produtores. “Apesar de a produção em agricultura orgânica de alimentos ser pequena se comparada aos cultivos convencionais, boa parte dos agricultores orgânicos empregam biopesticidas em suas culturas. Mas certamente o maior volume de biopesticidas é comercializado para cultivos convencionais”, justifica.

Segundo o pesquisador, levantamentos feitos recentemente mostram que cerca de 600 mil hectares de cana-de-açúcar são tratados anualmente com um fungo para o controle de uma praga da cultura. Além disso, em milhares de hectares, são também utilizados bactérias e vírus para o controle de lagartas em certas culturas. “Muito do que se faz pelos pesquisadores que trabalham nessa área em todo o país é novo. Ainda faltam pesquisas em diversas etapas do desenvolvimento de biopesticidas”, finaliza Lopes.

Há muito estudo pela frente para disseminar ainda mais o controle biológico. Mas iniciativas como a da Bug podem acelerar um processo louvável: reduzir o uso de agrotóxicos nas lavouras do Brasil em busca de uma agricultura mais saudável.

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