A arquiteta e urbanista Maria Lúcia Torrecilha aponta que a Capital poderia aproveitar melhor sua geografia e ocupar melhor áreas próximas ao centro

A professora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Maria Lucia Torrecilha, mestre em Arquitetura e Uurbanismo pela USP (Universidade de São Paulo) e doutoranda em Geografia Urbana em Cidades de Fronteiras, falou sobre as dificuldades no crescimento e expansão que Campo Grande enfrenta nestes 113 anos de existência.

Em entrevista ao Midiamax, a arquiteta analisa que, apesar de contar com ruas amplas e uma bela estrutura, do ponto de vista territorial, a cidade é um lugar onde as políticas públicas deveriam ser discutidas com muito cuidado trabalhando sempre os aspectos sociais, ambientais e urbanísticos.

Como a senhora observa as atuais construções e o desenvolvimento de Campo Grande?

Infelizmente nossa Capital é vista sobre um aspecto de mercado e isso gera segregações na cidade. A região central é extremamente valorizada, porém basta andar alguns quilômetros e enxergar a periferia, que você vê como a cidade esconde a pobreza. Esses vazios urbanos que as regiões mais próximas ao centro possuem, não foram devidamente ocupados por uma série de políticas públicas mal elaboradas.

A Capital cresce voltada para necessidade do mercado imobiliário e não da real necessidade de seus habitantes. É como se os mais pobres não pudessem morar próximos às pessoas de poder aquisitivo maior.

Os conjuntos habitacionais construídos para acabar com as favelas acabam por valorizar regiões muito longes do centro, provocando a negociação das habitações e perdendo o real objetivo de sua construção. O morador que sai de uma favela e é realocado em um desses condomínios, vê uma boa oportunidade de negócio e acaba vendendo seu imóvel para retornar a um local mais próximo ao centro. Isso faz com que o planejamento de extinção de favelas perca sua característica.

Campo Grande ainda possui grandes espaços vazios próximos à região central. O que pode ser feito para o melhor aproveitamento dessas áreas?

Sobre o ponto de vista estrutural, os quartéis, localizados em áreas urbanas poderiam ser remanejados. Esses locais podem abrigar parques, pois não existe necessidade de serem tão próximos ao centro.

Hoje, o planejamento da cidade é um planejamento setorial. A política habitacional, política da saúde, da educação é feita de forma distinta. Ela não se junta de forma a permitir um grande planejamento… De pensar a cidade como um todo. A cidade está sendo vista de forma parcial pelos governantes.

Os atuais planos de crescimento da cidade acabam jogando a população para longe… Jardim Centenário, Dom Antonio Barbosa, a população da região do Nova Lima que está sendo retirada do local pela especulação imobiliária e sendo empurrada para regiões mais distantes, são um exemplo destas políticas mal formuladas.

O centro da cidade concentra as principais empresas, gerando a lotação de ônibus. As grandes distâncias inviabilizam o uso de bicicletas. Consequentemente, ao fugir do transporte público, aumenta o número de motocicletas e, consequentemente, de acidentes.

Canalizando tudo para o centro cria uma situação inviável até para o próprio centro. A criação de alguns subcentros pode proporcionar o descongestionamento do próprio centro. Gerar minicentros de bairros ou regiões e estimular a construção de pequenas praças para que o centro não seja sufocado seria uma maneira interessante de não obrigar o morador de uma região distante a procurar o centro da cidade para a resolução de qualquer problema de fácil resolução.

A senhora se referiu à cidade ser pensada de uma forma comercial. Isto influência diretamente na mobilidade urbana?

O planejamento urbano devia pensar todos os problemas que existem, como o trânsito por exemplo. Atualmente o planejamento prioriza o automóvel em detrimento do transporte coletivo. Isto em futuro próximo torna a cidade inviável, não é uma cidade para o cidadão é uma cidade para os veículos.

O transporte é uma situação grave. A Via Morena poderia aproveitar um transporte leve sobre trilhos, por exemplo. A Prefeitura poderia buscar investimentos internacionais que propiciem trens de superfície. Isso proporciona a valorização da região e a mobilidade urbana sem a necessidade do transporte individual.

A cobertura dos córregos como foi feita na avenida Fernando Correa da Costa, por exemplo, não seria uma boa opção para o aumento no fluxo das vias?

Aumenta o fluxo, porém gera um novo problema. O desmatamento da mata ciliar nas margens dos córregos foi um dos principais motivos para as enchentes que ocorrem nos bairros. Se você olhar na época em que a cidade foi construída, muitos córregos abasteciam a cidade e eles foram suprimidos em detrimento das construções no centro da cidade. O serve apenas para uma base, pois não vem sendo cumprido.

Campo Grande estaria então sendo impermeabilizada?

A população é pouco ouvida e fica alheia às decisões tomadas pela prefeitura. É preciso que os governantes saiam um pouco de seus gabinetes e percebam os reais problemas, não apenas visitas de passeio, mas que realmente ouçam a população. Esse diálogo propicia um conhecimento melhor dos técnicos que irão desenvolver os projetos.

Em frente ao shopping tem aqueles edifícios, é uma área que está do lado de uma área de córrego e não possui a distância mínima de 30 metros para não prejudicar o solo. Justamente este planejamento urbano que tem compatibilizar todas as ações em plano diretor. Não adianta ações mitigatórias se você não ataca o real problema.

A grande questão é conciliar a compreensão destes problemas: muita construção com poucas áreas permeáveis. Apesar da lei que obriga área permeável em 12% da construção, essa lógica de cidade capitalista é uma agressão ao nosso ecossistema.

Se não enxergar a cidade como um todo dentro em breve, Campo Grande estará passando pelos mesmos problemas das grandes cidades, mesmo possuindo menos de um milhão de habitantes.