A apenas três dias das eleições, o Partido dos Trabalhadores (PT) chega às urnas sob a sombra depois que três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) condenaram a antiga cúpula do partido pelo esquema de compra de apoio político durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula. Após a sessão desta quinta-feira, José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino estão mais próximos de verem seus destinos selados como corruptores.

Os votos de Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Luiz Fux contrastaram com o do revisor da ação penal do mensalão, Ricardo Lewandowski. Enquanto o ministro fez uma defesa veemente de Dirceu, chegando a se contradizer ao afirmar que não afasta a possibilidade de que ele tenha participado dos fatos ou até mesmo ter sido o mentor do esquema, outros quatro ministros sinalizaram que devem acompanhar a até então maioria pela condenação do ex-chefe da Casa Civil.

O primeiro a mostrar discordância em relação aos argumentos de Lewandowski foi o ministro Gilmar Mendes. Enquanto Lewandowski absolvia Dirceu, Mendes indagou se não haveria contradição no voto do revisor, que condenou parte dos deputados acusados de corrupção passiva e, da mesma forma, considerou Delúbio Soares culpado por ter corrompido parlamentares.

“Eu disse que estava seguindo a orientação do plenário no sentido de dizer que basta a oferta ou a recepção da vantagem indevida por alguém que ocupe cargo público para que fique configurada a corrupção passiva”, respondeu Lewandowski. Gilmar Mendes então afirmou que o plenário viu o ato de ofício: o apoio político dos réus que receberam o dinheiro. “Não há nenhuma contradição no meu voto. Só que eu não identifico o ato de ofício, porque não acho que haja necessidade”, defendeu-se Lewandowski.

O revisor sequer teve tempo para respirar quando o ministro Celso de Melo também pediu a palavra. O decano da Corte questionou Lewandowski quando disse ter encontrado outra contradição, desta vez na tese de que houve compra de apoio político no Congresso: “Compra-se a Câmara,mas não se compra o Senado?”, perguntou Lewandowski. Celso de Mello retrucou: “Talvez porque não houvesse prova de que houve compra no Senado”, disse, lembrando que o que está nos autos pode ser apenas parte de um esquema maior.

O momento mais constrangedor, no entanto, ficou a cargo da intervenção do ministro Marco Aurélio Mello. Ele questionou se o revisor acreditava que o ex-tesoureiro do PT teria autonomia para corromper parlamentares sem ordens superiores, dentro ou fora do então governo. “Contrariamente ao que foi afirmado, eu não acredito em Papai Noel. É possível que eles tenham operado a mando de alguém”, respondeu Lewandowski. Marco Aurélio questionou se esse “alguém” não estaria na denúncia.

“Se Vossa Excelência tiver provas, ótimo. Eu não estou encontrando provas. Espero que Vossa Excelência encontre para que esse país fique saneado como todos nós queremos que fique”, respondeu Lewandowski. A frase foi finalizada com uma risada contida de um dos ministros.

O presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, também interveio em alguns momentos do voto de Lewandowski. O mais incisivo foi quando afirmou que leu novamente o depoimento de Roberto Jefferson e não chegou à mesma conclusão que o revisor, de que o testemunho estaria contaminado pelo rancor a Dirceu.

Na próxima terça-feira, quando o julgamento for retomado, os petistas terão de ouvir os votos de outros seis ministros. Serão necessários mais três deles para condenar definitivamente Dirceu e Genoino e apenas dois para Delúbio.

O mensalão do PT

Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.