“STF está dando efetividade às leis penais”, diz procurador

Após 21 dias de julgamento do mensalão, oito réus condenados e dois absolvidos, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, avaliou que o Supremo Tribunal Federal (STF) faz algo inédito ao “se reencontrar com a lei penal” depois de décadas de construção de uma “jurisprudência inteiramente voltada ao criminoso e […]

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Após 21 dias de julgamento do mensalão, oito réus condenados e dois absolvidos, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, avaliou que o Supremo Tribunal Federal (STF) faz algo inédito ao “se reencontrar com a lei penal” depois de décadas de construção de uma “jurisprudência inteiramente voltada ao criminoso e contra a sociedade”. “Numa atitude de reconciliação com a própria lei, o Supremo está dando efetividade à lei penal, fazendo uma leitura que permite que os crimes cometidos sejam punidos com base na cristalina dicção da lei”, disse ao Terra nesta segunda-feira.

Na semana passada, depois de ver seu cliente José Roberto Salgado, ex-vice-presidente do Banco Rural, condenado por gestão fraudulenta, o advogado Márcio Thomaz Bastos afirmou que o STF cometeu flexibilizações perigosas em regras garantistas, corrente do direito que zela pelas garantias do réu. Na opinião dele, a mudança de interpretação dos ministros em algumas questões – como na condenação por corrupção – pode ter uma “preocupante” influência em juízes de primeira instância e no Ministério Público.

Ao discordar do ex-ministro, o presidente da ANPR argumentou que os magistrados da Corte Suprema estão cumprindo inteiramente o objetivo de aplicar a lei penal. Segundo ele, o garantismo exacerbado e cego foi inventado pelo Judiciário brasileiro. “Os tribunais criaram jurisprudências com base em minúcias, em requintes e em tolices. Esse garantismo exacerbado e cego, favorável ao acusado em detrimento à sociedade, é um produto típico do Brasil”. No mundo civilizado, acrescentou, “essa corrente garante apenas as balizas de defesa ao criminoso”.

Em seu voto pela condenação de três réus ligados ao Banco Rural, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, fez uma espécie de prestação de contas do julgamento, negando que o tribunal tenha se desprendido de seu caráter garantista. Ministros do Supremo concordaram que não houve mudança de interpretação sobre o ato de ofício para a condenação por corrupção passiva, embora os advogados afirmem que deveria ser provada uma atitude do réu que ocupa função pública para que exista o crime. Além disso, o relator Joaquim Barbosa, que discordou da necessidade de se prestar contas, disse ter sido generoso com a defesa, apesar de só ter votado pela absolvição de um réu até agora.

Revolucionando a jurisprudência

Apesar de concordar com a tese do ex-ministro da Justiça, Pedro Paulo de Souza Pinto, advogado e professor da Uniplan (Centro Universitário Planalto do Distrito Federal) acredita que o julgamento da ação penal 470 trata-se de um paradigma que está revolucionando a jurisprudência. “O STF está deixando de ser garantista. Até então, a maioria dos juízes inocentavam os acusados sempre que tinham alguma dúvida. A condenação de João Paulo Cunha (deputado federal pelo PT-SP), por exemplo, mostra que os parlamentares também são passíveis de uma condenação”.

Para o analista, a Corte está deixando as garantias do cidadão comum para mostrar à sociedade que o Judiciário ainda existe e que o Brasil não é um país da impunidade. “Toda a sociedade brasileira está esperando uma resposta. O julgamento vai servir de base para futuras condenações de outros juízes, inclusive de tribunais do exterior”, explicou.

O mensalão do PT

Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex- presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

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