Nas investigações de erros e trapalhadas, contribuintes e servidores públicos dizem que faltam capacitação e estrutura no . Em agências do interior, vistorias são feitas no meio da rua e funcionários dizem que ‘aprendem na raça'.

Resultados diferentes em inspeções realizadas pelo !*Detran-MS*! (Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul), documentação de veículos com chassi trocado, suspeitas sobre motores identificados como originais, além da aprovação de outros, depois considerados adulterados, e ainda a dificuldade para punir envolvidos, colocam em debate a confiabilidade do setor de vistorias do órgão.

Nas investigações, servidores e vítimas dos erros e trapalhadas falam da falta de capacitação e estrutura. É o caso do automóvel de Marsal Raimundo da Silveira, de 65 anos, que foi documentado pelo Detran-MS no interior do estado e depois reprovado em vistoria do próprio órgão com suspeita de adulteração.

Apenas um !*servidor público*! respondeu administrativamente pelo caso do automóvel de Marsal Raimundo da Silveira, de 65 anos, que foi documentado pelo Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de !*Mato Grosso do Sul*!) no interior do estado e depois reprovado em vistoria do próprio órgão com suspeita de adulteração.

O servidor Wilson Serafin de Oliveira, assistente de atividades de trânsito, atua na agência de Jaraguari, a 50 quilômetros de Campo Grande. Ele foi o único a ter que dar explicações no caso porque, segundo a Corregedoria do Detran-MS, embora mais três vistoriadores estejam, em tese, envolvidos, todos eram contratados e deixaram de ter vínculo com o órgão público.

“Muito embora caracterizado a infração acima descrita, cabe salientar que Gerson Ferreira, Joacir Pamiago de Madeco e Marcelo V. dos Santos não mais fazem parte dos quadros funcionais deste Detran”, diz o relatório final da Corregedoria.

Segundo documentos da Divisão de Recursos Humanos do Detran-MS, Gerson e Joacir são ex-funcionários contratados diretamente pelo Departamento e Marcelo era funcionário da empresa Itel Informática, que prestava serviços terceirizados para o órgão público.

Sem ‘interesse de agir'

Na decisão da Sindicância, assinada pelo atual diretor-presidente do Detran-MS, Carlos Henrique dos Santos Pereira em fevereiro de 2010, a explicação para que alguns ‘escapem' da cobrança pela falta na esfera administrativa foi a perda de objeto.

“Não obstante a configuração da falta antes exposta, destaca-se que os funcionários responsáveis pela , Joacir Pamiago de Macedo, Marcelo V. dos Santos e Gerson Ferreira, não fazem mais parte dos quadros funcionais desta Autarquia, o que acarreta perda do objeto desta sindicância, faltando, assim, interesse de agir por falta de utilidade do provimento administrativo”, afirma Santos Pereira no documento.

Entre as decisões, está ainda o envio de cópias ao Ministério Público Estadual para apuração dos atos de improbidade administrativa, já que, segundo Santos Pereira, os quatro implicados exerciam cargos de chefia quando os fatos aconteceram.

Vistoria na rua

Acusado de “contribuir para o licenciamento do veículo de placas HQS-9355 em 2005, apesar de o automóvel apresentar motor com numeração adulterada”, Wilson Serafim alegou na defesa que faltam estrutura e treinamento para os vistoriadores do Detran de Mato Grosso do Sul.

A reportagem esteve na agência do órgão em Jaraguari. Instalado em uma casa com estrutura residencial, o Detran-MS da cidade não possui nem uma rampa para que veículos possam ser vistoriados. Apesar de alegarem que não poderiam falar pelo órgão, os funcionários que estavam no local admitem que as condições são precárias.

“A gente não pode falar com vocês aqui não. A ordem é que o Midiamax procure direto o pessoal lá de Campo Grande. Mas a nossa estrutura aqui é essa aqui que vocês podem ver. Qualquer informação adicional, procurem a diretoria do Detran-MS”, explicou um funcionário que ainda pediu para não ter o nome divulgado. “Dá problema”, justificou.

Além do aspecto causado pelos problemas na construção, a agência do Detran-MS em Jaraguari  não oferece condições de acessibilidade, tem instalações elétricas precárias e não possui um pátio coberto para o trabalho dos vistoriadores.

As vistorias são feitas na rua. Quando precisa ver um veículo por baixo, o vistoriador se deita no asfalto e, em alguns casos, chega a elevar improvisadamente os carros subindo um dos lados das rodas no meio-fio.

No dia que a reportagem esteve no local, uma chuva tornava inviável qualquer atendimento aos contribuintes com a enxurrada alagando a ‘pista de vistorias' improvisada.

O dono do veículo, Marsal, confirmou a denúncia do servidor público em depoimento à Corregedoria de Trânsito do Detran-MS em 25 de novembro de 2010 sobre a forma como foi feita a vistoria em Jaraguari. Ele afirmou aos delegados que a vistoria foi realizada em via pública, na frente da agência de trânsito do município.

“Só tinha um extintor vencido, mas eu fui lá, troquei e deu tudo certo”, contou o idoso, que até agora reclama por estar ‘enrolado' com o problema administrativo no veículo.

Cursos fracos

Na defesa de Wilson Serafim, o servidor afirma que os funcionários do Detran-MS não teriam capacitação para a apuração de suspeitas de adulteração nos sequenciais identificadores de componentes de veículos. “O processado igualmente esclareceu que não foi capacitado possuindo conhecimentos superficiais”, diz a defesa.

“A gente tem um monte de dúvidas, mas é difícil conseguir respostas”, afirmou o servidor público. Segundo a defesa dele, Wilson não teve intenção de cometer irregularidade, e a diretoria do órgão é que deveria ser responsabilizada.

A “Administração do Detran-MS assumiu o risco de existência de eventuais falhas e erros quando da realização das vistorias veiculares na agência de trânsito de Jaraguari ao proceder suas instalações em local sem as condições mínimas de ser executadas tais atribuições e ainda não capacitar seus servidores”.

O Detran-MS, no entanto, garante que o serviço de Vistoria e Identificação Veicular é realizado de acordo com as Resoluções 5/98 e 282/2008 e que os funcionários recebem treinamento e atualização.

Carreira específica

Ainda nos autos do processo conduzido pela Corregedoria, o Diretor de Segurança no Trânsito e Controle de Veículos do Detran-MS, Nelson Gonçalves Lemes, informou que a atual administração realizou um curso de “Técnicas em Identificação Veicular e Documental” em novembro de 2008.

Na listagem anexada, dos 101 participantes, apenas 59 têm situação funcional informada como “Agente de Atividade de Trânsito” ou “Assistente de Atividade de Trânsito”, que indicam os servidores aprovados em concurso público específico para o órgão.

No restante da listagem, muitos funcionários indicados como “Cedido Segov”, que são os servidores lotados na Secretaria de Governo, ligada diretamente à governadoria, e cedidos para o Detran-MS. Há ainda funcionários apontados com a situação “Nomeado”, “Estável” e “Cedido da Prefeitura”.

Em nota oficial, porém, o Detran-MS afirma que “os servidores que realizam a atividade, tanto na capital quanto nas Agências do interior do Estado, são funcionários de carreira no serviço público, pertencentes à carreira específica da Autarquia e são admitidos somente por concurso público”.

De fato, em 2011, foi realizado concurso público com vagas específicas criadas para a função, segundo o próprio Detran-MS. No entanto, desse concurso apenas 12 servidores foram chamados e estão em exercício da função.

“Aprendendo na raça”

“Os novos servidores foram treinados, por uma semana, por servidores da Diretoria do Detran-MS. A última atualização para os servidores desse setor foi realizada no fim do ano de 2010. Desde 2007, não há funcionários terceirizados na Vistoria e Identificação”, assegura o órgão.

Durante as investigações do caso de Jaraguari, porém, até mesmo o supervisor do Setor de Vistorias do Detran-MS, Cidimar José da Silva Júnior, colocou em dúvida a eficiência do treinamento.

Em depoimento, Cidimar, com mais de dez anos no órgão, disse que “durante todo o tempo que esteve lotado no setor de vistoria, apenas no ano de 2008 foi realizado curso de capacitação de servidores”.

Cursos fracos

“Na verdade foram mais palestras e não era técnico. Vieram uns palestrantes de Santa Catarina”, admitiu. “Os cursos foram fracos, na verdade. Como se fala no palavreado, a gente aprende mais é na raça mesmo”, arrematou o chefe de vistorias do Detran-MS.

Sobre os constantes problemas com registro de veículos junto ao órgão estadual, o departamento apresenta a comparação estatística. O Detran-MS afirma que realiza uma média de 16.800 vistorias por mês em todo o estado. “Desse total, por mês, em média, 20 casos são encaminhados para a Corregedoria, por suspeita de adulteração de chassi ou motor”, conclui.