Santos Pereira paga com cheque pessoal por reparos em carro furtado no Detran-MS

Diretor-presidente do Departamento de Trânsito diz que fez acordo ‘por fora’ dos trâmites burocráticos convencionais para ajudar dono de veículo que sumiu do pátio do órgão.

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Diretor-presidente do Departamento de Trânsito diz que fez acordo ‘por fora’ dos trâmites burocráticos convencionais para ajudar dono de veículo que sumiu do pátio do órgão.

O diretor-presidente do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito), Carlos Henrique dos Santos Pereira, pagou com dinheiro da conta pessoal dele pelo ressarcimento de um contribuinte que teve o carro furtado no pátio do órgão. O acerto foi feito com um cheque de R$ 5.184,00 emitido por Santos Pereira em 14 de dezembro de 2009.

Segundo ele, a intenção foi ajudar o dono do automóvel com o pagamento ‘por fora’ dos trâmites burocráticos convencionais.

Os problemas de Gerson Luiz de Souza Almeida começaram em fevereiro de 2007, quando o carro dele, um Ford Ka, foi apreendido por ter débitos de licenciamento e multas em atraso e acabou recolhido ao pátio do Detran-MS em Campo Grande.

“Eu tinha feito o parcelamento de umas multas de fotossensor, mas na época começaram a falar que elas seriam todas canceladas, e eu parei de pagar. Caí numa blitz e o carro foi guinchado”, relata.

Após longo período tentando a liberação do automóvel com recursos administrativos, Gerson conta que no começo de 2009 tentou localizar o Ford Ka no pátio do órgão estadual e percebeu que o carro havia desaparecido.

“Disseram que o carro poderia ter sido leiloado, mas eu não fui avisado de nada, então fui até a diretoria reclamar. Pediram um prazo e me enrolaram vários meses até que em abril confirmaram o sumiço”, conta.

O contribuinte conta que, após pressionar a diretoria do Detran-MS, foi chamado à Corregedoria de Trânsito do órgão para relatar a situação. Foi feito um Termo de Declarações em 15 de abril de 2009 e somente em 24 de abril foi registrado o Boletim de Ocorrência 369/2009, comunicando oficialmente o furto e indicando como local do fato o pátio do Detran-MS de Campo Grande.

“Durante todo esse tempo, eu passei os dias nos corredores do Detran para tentar alguma informação e conversar sobre como ter meu carro de volta ou ser indenizado”, conta Almeida. “Um dia, consegui ser recebido pelo diretor Santos Pereira e tive de contar toda a estória de novo pra ele, que prometeu me ajudar”, relata.

Na sequência, Gerson diz que a imprensa começou a noticiar sobre investigações dos sumiços que estariam ocorrendo no pátio do órgão estadual. “Fiquei sabendo que não era só o meu caso. Um dia, um amigo meu leu no Campograndenews que haviam localizado um Ford Ka igual ao meu em Sidrolândia. Como ninguém me falou nada, fui atrás e descobri que era o meu mesmo”, conta.

Quando viu o automóvel, o dono conta que percebeu a extensão dos danos. “Meu carro estava destruído. Sem condições de rodar. Eu levei três mecânicos para fazerem orçamento do conserto, e, através do Coronel Libório, fiquei sabendo que iam dar um jeito para me ressarcir”, explica Gerson.

‘Assina ou assina’

“No final das contas, para tirar meu carro de lá, tive que assinar um acordo que o advogado do Detran-MS colocou na minha frente. Eles me falaram que iam utilizar o orçamento da Oficina Mantovani, que acho até que era de um amigo do Santos Pereira. Estipularam o custo do conserto em R$ 9.600 reais, descontaram os débitos do documento do carro e o Santos Pereira me deu um cheque com a diferença”, relata.

Ainda de acordo com Gerson Luiz, uma pessoa que ele identifica como advogado do órgão, teria apresentado um documento para ele assinar e dito, na presença de dois diretores do Detran-MS, que não havia opções.

“Ele me falou desse jeito: ou você assina, ou você assina! Se for pelos trâmites normais, isso aqui vai demorar uma eternidade e ainda no final, se eu tiver que te pagar, vou pagar em precatórios. Ou assina, ou assina”, conta.

Acordo com o Diretor

O documento ao qual Gerson se refere é um acordo extrajudicial. No entanto, o Detran-MS não figura como parte, mas sim Carlos Henrique dos Santos Pereira, qualificado como “brasileiro, casado, servidor público estadual”. Não há referência alguma ao fato de que Santos Pereira é o diretor-presidente do Departamento de Trânsito de Mato Grosso do Sul.

Carlos Henrique confirma parte do relato de Gerson, mas nega que tenha havido qualquer tipo de constrangimento para assinatura do acordo e assegura que tudo foi feito “dentro da lei”.

Gerson diz que, mesmo estranhando o acordo ter sido feito diretamente com o diretor-presidente como pessoa física, sem interveniência alguma do órgão público onde tudo aconteceu, não teria tido a opção de questionar o procedimento.

Quadrilha no Detran-MS

Segundo o diretor, na época o órgão realizou uma contagem geral no pátio e identificou que havia veículos constando como apreendidos que não estavam mais no Detran-MS. “O sistema de controle era ineficiente, por isso modernizamos e agora tudo é informatizado”, relata.

“Mas, de 2008 para 2009, realmente identificamos que havia uma quadrilha agindo aqui dentro. Pessoas foram presas e as falhas foram resolvidas”, conta Santos Pereira.

O diretor-presidente confirma ainda que conversou diretamente com Gerson. “Ele veio aqui muito alterado, cobrando o carro dele, e acabei me condoendo da situação. Ele chegou a chorar, explicando que precisava do veículo, e eu tentei ajudar. Me sensibilizei com a situação e tentei resolver”, afirma Santos Pereira.

“O jeito mais rápido e prático de resolver o problema desse senhor era eu fazer o acordo com ele e pagar com dinheiro meu. Ele trouxe mesmo os orçamentos, e eu até indiquei uma oficina, mas tudo com ele concordando. Foi descontado o débito a pedido dele, e eu paguei com um cheque meu mesmo, porque foi tudo feito às claras. Não há nada para esconder”, diz Santos Pereira.

Sem reembolso

Questionado sobre como teria sido reembolsado pelos R$ 5.184,00, o diretor-presidente do Detran assegura que nunca houve reembolso. “Dei dinheiro meu, que saiu da minha conta pessoal, e nunca fui reembolsado. Não recebi como diária, nem nada”, afirma.

Santos Pereira conta que ganha cerca de R$ 19 mil reais mensais como diretor-presidente e diz que o valor do acordo, embora represente quase um terço do salário dele, não foi considerado alto. “Eu não vivo do Detran. Eu tenho outras atividades fora do Detran”, explica.

Sobre o fato de um acordo extrajudicial originado de fato ocorrido na relação de um cidadão com um órgão público ser firmado entre o servidor público responsável pelo órgão, sem anuência oficial do Detran-MS, Carlos Henrique afirma que foi apenas uma forma de diminuir formalidades. “Não quero acobertar nada. Fiz tudo às claras”, pondera.

“Posso assegurar que não houve nenhum dano ao erário público. Usei meu dinheiro, sem reembolso, e fiz tudo dentro da lei, inclusive com tudo registrado. Paguei com meu próprio cheque justamente porque não tenho nada a esconder”, conclui.

Multas prescritas

No entanto, com relação aos débitos no valor de R$ 6.144,11 que o veículo possuía junto aos cofres públicos de Mato Grosso do Sul à época em que foi devolvido ao dono após o furto, Gerson e Santos Pereira têm versões diferentes.

“Eles descontaram tudo de mim, inclusive as multas que eram parceladas. Então, eu paguei tudo isso, porque tive que consertar meu carro apenas com a diferença que o diretor me pagou. Está no próprio acordo que tive de assinar para pegar o carro e o cheque”, conta Gerson.

No acordo assinado entre o contribuinte e o diretor do Detran-MS, consta que foi descontado do valor para consertar o automóvel um total de R$ 4.471,19.

Porém, Santos Pereira afirma que, de 26 multas, teriam sido desconsideradas 19 que já se encontrariam prescritas na data do acordo. Ele ainda afirma que o procedimento é comum e que o próprio sistema do Detran-MS faz a baixa das multas prescritas, ou seja, com mais de cinco anos, quando o contribuinte emite a guia de pagamento.

“Posso afirmar que não houve baixa irregular de nenhum valor. O próprio sistema extingue multas quando estavam em parcelamento, e elas devem ter ido para a Projur”, garante o diretor.

Questionado sobre como seria possível verificar junto à Projur (Procuradoria Jurídica) sobre a situação dos débitos, no entanto, ele diz que seria necessário tempo para pesquisar. “Também não sei se já está lá, porque nós não somos assim tão ágeis. Tem muita coisa antiga que ainda não chegou lá”, justifica.

Não consta no Acordo Extrajudicial e nem nos autos de investigação 32/2009-CT, realizados pela Corregedoria de Trânsito do Detran-MS, a guia com quitação das multas restantes. “Se essas multas foram canceladas, eles estão me devendo, pois descontaram todas quando me fizeram assinar o acordo”, reclama Almeida.

Motor adulterado

Outra reclamação do dono do carro que foi furtado dentro do pátio do Detran-MS envolve uma suposta adulteração que teria sido feita na numeração do motor do automóvel, que ele comprou zero quilômetro de uma concessionária na qual trabalhava.

“No exame metalográfico feito antes de me devolverem o carro, ficou registrado que tinham acrescentado um número na marcação do motor. Mas tenho certeza de que o motor é o mesmo, e ninguém fez nada para regularizar a situação. Quando eu for transferir o carro, certamente terei mais essa dor-de-cabeça”, relata Gerson.

Segundo Santos Pereira, o carro somente foi entregue para Gerson após laudo pericial completo.

No Relatório Final da investigação realizada pela Corregedoria de Trânsito consta que não foi apurada a autoria dos fatos, mas é registrado que Sidney Coelho Santos, Reinaldo Flores de Almeida, Lucas dos Santos Ferreira e Itamar dos Santos Pereira teriam retirado ilegalmente diversos veículos do pátio de apreensões durante os anos de 2008 e 2009.

Os autos foram encaminhados pela Corregedoria para a Defurv (Delegacia Especializada de Furtos e Roubos de Veículos). Gerson continua com o automóvel, que utiliza para trabalhar na construção civil, e garante que a suposta irregularidade no motor continua inalterada.

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