Revista Veja: Cariocas que vivem como o Tufão de ‘Avenida Brasil’

Cariocas que vivem como o Tufão de ‘Avenida Brasil’ Reportagem de VEJA desta semana mostra pessoas que enriqueceram, mas como o personagem da novela não cogitam sair da periferia onde cresceram Nascer no subúrbio, dar duro, escalar o alfabeto das classes sociais, enriquecer, cercar-se de luxos… e continuar no subúrbio. Parece coisa de ficção, de […]

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Cariocas que vivem como o Tufão de ‘Avenida Brasil’ Reportagem de VEJA desta semana mostra pessoas que enriqueceram, mas como o personagem da novela não cogitam sair da periferia onde cresceram

Nascer no subúrbio, dar duro, escalar o alfabeto das classes sociais, enriquecer, cercar-se de luxos… e continuar no subúrbio. Parece coisa de ficção, de gente de novela como Tufão, o ex-jogador de futebol de Avenida Brasil que não arreda pé do fictício bairro do Divino, mas a opção pela periferia é mais comum do que se pensa entre aqueles que ascenderam ao topo.

Na vida real dos subúrbios e das cidades da Baixada Fluminense, com suas casas inacabadas, ruas malcuidadas e comércio popular, são frequentes os casos de bem-sucedidos empreendedores que preferem permanecer onde sempre estiveram, só que com muito mais conforto e certo gosto pela ostentação.

Ao contrário do jogador da novela que ficou milionário em pouco tempo, os Tufões de verdade foram criados em famílias pobres, não fizeram faculdade, montaram um negócio próprio, prosperaram de forma extraordinária e agora querem usufruir, com a avidez típica dos recém-chegados ao andar de cima, casarões, carros importados, joias e roupas de grife – claro, sem abdicar das conversas no botequim da esquina ou do churrasquinho com pagode nos fins de semana.

No seu pedaço, são tratados como membros da realeza. “Não tem lugar nessas bandas da cidade em que não encontre algum amigo. Aqui sou mais conhecido do que nota de 2 reais”, brinca o empresário Genilton Guerra, que por nada neste mundo larga Queimados, na região metropolitana do Rio.

Nascido e criado ali, Guerra, de 51 anos, sempre morou no mesmo ponto – só que, antes, numa casinha em terreno de 200 metros quadrados; hoje, numa casona que, só ela, ocupa 740 metros quadrados de um terreno quatro vezes maior.

“Para Queimados ser o paraíso, só falta mesmo uma praia”, exagera, com o mesmo ufanismo em relação às raízes que permeia o discurso das outras pessoas que ilustram estas páginas.

Filho de militar e dona de casa, Guerra conta que, quando era criança, protegia os sapatos com sacolas de supermercado para ir à escola, de tanta lama que havia na rua (e ainda há). Graças ao pendor para consertar tudo em casa e a um curso de eletrônica feito depois de terminar o ensino médio, ele inventou e patenteou um sistema antifurto de energia elétrica que foi adotado por diversas fornecedoras.

A invenção fez dele um homem rico. A primeira providência foi ampliar seus domínios: a tufaniana mansão atual conta com sala de cinema e academia, entre outros luxos.

Embora não tire do pescoço o pesado cordão de ouro com medalha de São Jorge, exiba uma coleção de braceletes que lhe tomam o braço inteiro e se locomova em um BMW, Guerra não dispensa o ritual dos tempos em que contava cada centavo. Aos domingos, põe bermuda e chinelos e se demora na cerveja com os amigos.

Às vezes, muda de ares – tem um apartamento na Barra da Tijuca e uma casa de praia no condomínio Portogalo, em Angra dos Reis, com lancha de 32 pés (“para pescar”) atracada.

Para quem ficou rico na periferia, é complicado o momento de pesar os prós e os contras de permanecer na vizinhança que conhece e onde é conhecido (ainda que ela seja um lugar abafado e sem beleza) ou de se mudar para um condomínio de frente para o mar onde não está entrosado nem com as pessoas nem com as regras sociais.

O empresário Cecio Paixão, 63 anos, bem que tentou. Há cinco anos, Cecio trocou Nova Iguaçu pela Barra da Tijuca, destino natural do carioca ou fluminense que subiu na vida. Aguentou um ano.

“Nova Iguaçu ganha em tudo. Tem bar com música ao vivo, feijoada a preço bom, botequins de primeira”, diz o popular Cecinho. Dono de uma fábrica de alumínio, ele costuma ser parado na rua para posar para fotos e dar e receber beijos – isso quando não está dirigindo seu Camaro novinho de 200 000 reais.

Tirando a breve passagem pela Barra da Tijuca, o empresário completou 40 anos com a família na mesma casa de dois andares, que foi se tornando cada vez mais confortável e equipada, no melhor bairro de Nova Iguaçu, o K11.

Se quer variar o cenário, parte para a casa de praia em Ibicuí, distrito de Mangaratiba, da qual muito se orgulha: “É em estilo medieval, feita de pedra, com torre e tudo”.

Tanto Guerra quanto Cecinho despontaram para os negócios na década de 90, antes da virada social que, nos últimos anos, alçou milhões de brasileiros à classe C. Ambos concordam que a mudança fez do subúrbio um lugar melhor – “ainda melhor”. “Os moradores agora pagam as contas direitinho.

Não querem mais instalar gatos para roubar eletricidade. Com isso, as companhias de luz investem mais em equipamentos, o que é bom para o meu negócio”, festeja Guerra. Dados recentes do IBGE mostram que a região metropolitana do Rio de Janeiro concentra a maior renda média e o maior poder de compra de trabalhadores em todo o país, ambos indicadores em trajetória ascendente.

“Essa região tem apresentado avanço na renda e um intenso movimento de formalização de empregos, principalmente em con-sequência dos investimentos ligados à exploração de petróleo e gás”, observa o economista Mauro Osório, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Dono de uma empresa de transporte, logística e armazenamento instalada bem ao lado da Rodovia Presidente Dutra, o empresário Marcelo Marques, 40 anos, acompanhou passo a passo a transformação econômica da área onde mora.

“É uma alegria ver as casinhas pequenas e precárias, às vezes de um cômodo só, sendo arrumadas e ampliadas”, diz ele, que jamais cogitou deixar o imóvel que divide com a mãe em Nilópolis. “Preciso de pouco para ser feliz: a vista da minha varanda, um copo de uísque e o meu charuto”, enumera o empresário.

E um microfone, pois ele adora frequentar karaokês, tem o seu próprio em casa e já gravou um CD para presentear os amigos. Marques deu duro para chegar aonde está e agora usufrui tudo o que conquistou. Vaidosíssimo, tem queda assumida por relógios caros e roupas Armani (que a loja manda à sua casa para ele experimentar). “Eu me espelho muito no Eike Batista. Compro e leio tudo o que sai sobre ele”, conta.

O time dos filhos pródigos que hoje vivem no subúrbio tem até, é claro, ex-jogadores de futebol. Emerson Moisés Costa, 40 anos, ficou conhecido no Flamengo no início dos anos 1990, vestiu a camisa de vários times europeus e, na hora da aposentadoria, em 2008, voltou para a Baixada Fluminense, onde nasceu e se criou. “Para mim, não tem sentido viver em outro lugar. Minha família inteira está aqui”, justifica-se.

Adaptar-se à Europa (jogou em Portugal, Inglaterra, Espanha, Escócia e Grécia), admite, foi difícil. A cada mudança, contratava um professor para ajudar a família a aprender o idioma e conhecer um pouco da cultura local.

“O país que mais nos marcou foi a Grécia. A minha mulher é evangélica e sonhava em conhecer os lugares que o apóstolo Paulo cita na Bíblia”, lembra. Emerson se sente mais feliz agora, morando com a mulher, Andrea Valéria, os dois filhos e a sogra em um apartamento de 300 metros quadrados no centro de Nova Iguaçu.

O único problema é a picape de 180 000 reais que não cabe na garagem e fica estacionada na rua. Também ele, vencido pela insistência de amigos como os ex-jogadores Edmundo e Djalminha, comprou recentemente um apartamento de três quartos no Recreio dos Bandeirantes para passar os fins de semana à beira-mar.

Vai com um pé atrás. “Já ouvi dizer que os moradores de lá são metidos. Mas comigo não tiram onda. Até porque sei que a maioria de lá veio mesmo foi da Baixada.” Oi, oi, oi.

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