O ministro Joaquim Barbosa, relator no julgamento do mensalão, votou pela condenação dos réus Kátia Rabello, Ayanna Tenório, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane, todos funcionários do alto escalão do Banco Rural na época do mensalão, por gestão fraudulenta de instituição financeira. Barbosa concluiu seu voto sobre os quatro réus, que estão no item 5 da denúncia, nesta segunda-feira (3), em sessão no STF (Supremo Tribunal Federal).

O relator iniciou seu voto sobre os quatro réus na quinta-feira (29), quando já havia afirmado que os empréstimos do Banco Rural às agências de Marcos Valério e ao Partido dos Trabalhadores (PT) foram fraudulentos. Agora, o revisor Ricardo Lewandowski começará a ler se voto sobre os mesmos. réus.

Kátia Rabello era presidente do banco; Ayanna Tenório, ex-vice-presidente; José Roberto Salgado, ex-vice-presidente operacional; e Vinícius Samarane, ex-diretor estatutário e atual vice-presidente. Os quatro são acusados de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição financeira e evasão de divisas –exceto Ayanna Tenório, que é acusada apenas dos três primeiros delitos.

Segundo a Procuradoria Geral da República, autora da denúncia, o Banco Rural disponibilizou R$ 3 milhões para o PT e outros R$ 29 milhões para agências do empresário Marcos Valério, por meio de empréstimos fraudulentos, para finaciar o “valerioduto” –que teria sido usado para comprar o apoio de parlamentares aliados no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Fraudes
Nesta segunda (3), o ministro citou relatórios de peritos que apontaram que transações bancárias não foram comunicadas ao Banco Central e houve discrepância nos valores declarados das operações para omitir o real risco delas. “As operações da SMP&B e da Grafitti (ambas agências de Valério) com o Banco Rural começaram em 2003, com valores de R$ 19 milhões e R$ 10 milhões”, disse.

Barbosa afirmou que os empréstimos foram concedidos pelo Banco Rural sem que houvesse qualquer tipo de garantia, além de não serem compatíveis com a situação financeira das agências. Na operação concedida ao PT, foi demonstrado que o Banco Rural não adotou nenhuma medida de análise de crédito para saber a capacidade de pagar o empréstimo, segundo o relator.

O ministro disse que o Banco Central frisou que a alta administração do Banco Rural aprovou os empréstimos sabendo que eram de alto risco e com grande probabilidade de não serem pagos. Barbosa afirmou ainda que “as operações [de empréstimos] foram simuladas”, referindo-se às operações de crédito entre o banco, as agências e o PT.

Segundo Barbosa, diante de tão robusto acervo de provas, não se sustenta a defesa dos réus de que os empréstimos em questão não seriam simulados. Os réus “utilizaram dolosamente de instrumentos fraudulentos”, disse o ministro-relator.

O relator afirmou, citando laudos periciais, que as mudanças feitas nos livros contábeis das agências de Marcos Valério possibilitaram ocultar a identificação dos beneficiários dos recursos repassados.

“As falhas de registro e retificações existentes são resultantes de vontade inequívoca do contador e dos sócios, o que caracterizam fraude contábil”, diz trecho de laudo citado pelo ministro.

Assim como na sessão anterior do julgamento, o ministro Barbosa afirmou que os peritos cobraram do Banco Rural que apresentasse documentos. O ministro afirma que, no entanto, o banco não apresentou os livros contábeis de 2004 e sumiu com diversas microfichas, incluindo todos os documentos referentes ao segundo semestre de 2005.

“Grupo criminoso organizado”
Segundo o ministro, os crimes no Banco Rural foram praticados numa atuação orquestrada com divisão de tarefas, típica de um grupo criminoso organizado.

De acordo com análise técnica do próprio banco, os empréstimos envolviam “risco banqueiro” e, portanto, precisavam ser autorizados por instàncias superiores do Banco Rural. Para Barbosa, isso desmonta a tese das defesas de José Roberto e Kátia Rabello.

O ministro afirmou que Kátia Rabello admitiu que, pelo seu cargo, tinha poder de vetar esses empréstimos, mas que não tinha conhecimento técnico para tal. Ao invés de vetar uma operação de elevadíssimo risco de crédito, Barbosa disse que Kátia Rabello autorizou o empréstimo mesmo sem ter conhecimento técnico.

Assim como Rabello, Ayanna Tenório também afirmou em depoimento não possuir conhecimentos técnicos, mas aprovou empréstimos de risco elevado, segundo Barbosa.

O magistrado afirmou que as ressalvas apresentadas pelos analistas de crédito do próprio Banco Rural sobre a possibilidade de dar empréstimo para as empresas de Valério foram “todas ignoradas pelos réus.”

Barbosa procurou desconstruir a argumentação da defesa de José Roberto Salgado –feita pelo advogado Márcio Thomaz Bastos–, que sustentou que o réu não tinha poder para aprovar empréstimos.

O ministro, no entanto, afirmou que, apesar de ser diretor de câmbio, Salgado atuou também como diretor executivo entre 2000 e 2004, o que permitia que seu cargo também incluísse o poder de definir a quem, quando e como fazer empréstimos.

Segundo Barbosa, também Ayanna e Samarane eram responsáveis por acompanhar se as transações estavam em conformidade com o Banco Central.

Barbosa afirmou que os réus utilizaram mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter simulado dos empréstimos por meio de renovações dos empréstimos, para que o pagamentos não ficassem atrasados, e pela incorreta classificação do risco das transações, além de desconsiderar o crédito dos mutuários e não observar normas e análises técnicas e jurídicas do próprio banco.

Outra tese da defesa de Kátia Rabello e de José Roberto Salgado é que eles não poderiam ser responsabilizados pelo crime de gestão fraudulenta porque não teriam participado da renovação dos empréstimos fraudulentos. Segundo Barbosa, isso contraria o que foi atestado pelos laudos dos peritos.

O ministro disse que os réus, que tinham autonomia para vetar a renovação dos empréstimos, mudaram a classificação dada por peritos para o devedor e a operação. Barbosa citou relatório do Banco Central que a reclassificação não condiz com a própria definição dada pelo próprio Banco Rural ao devedor.

Outro lado
Em nota, o Banco Rural afirmou que os empréstimos “foram periciados pela Polícia Federal e considerados verdadeiros”. Na defesa apresentada à Suprema Corte, o banco alegava que não ter encontrado indícios de lavagem de dinheiro nos saques efetuados pelas empresas do publicitário Marcos Valério.

Próximos votos
Pela ordem regimental, após o revisor, proferirão os votos sobre estes réus os ministros: Rosa Weber; Luiz Fux; Dias Toffoli; Cármen Lúcia; Gilmar Mendes; Marco Aurélio; Celso de Mello e Carlos Ayres Britto, como presidente da Suprema Corte, é sempre último a votar.

O ministro Celso Peluzo, que hoje completou 70 anos, se aposentou do STF e não julgará os próximos réus do processo.

Réus já condenados
Até o momento, a Suprema Corte já condenou o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e peculato (uso de cargo público para prática de desvios).

Além de Cunha, foram condenados os publicitários Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz (ambos ex-sócios de Valério) e Henrique Pizzolato (ex-diretor do Banco do Brasil) por peculato e corrupção (passiva para Pizzolato e ativa para os publicitários).

As condenações estão relacionadas com os contratos das empresas de Valério com o Banco do Brasil e com a Câmara dos Deputados.

A única absolvição, até o momento, foi a do ex-Secretário de Comunicações do governo Lula, Luiz Gushiken, por falta de provas.

A pedido do relator, o julgamento vem sendo realizado em partes ou “fatias” para facilitar, na visão de Barbosa, o entendimento dos cenários em que cada um dos réus está inserido nos núcleos e delitos que compuseram o complexo esquema de corrupção que ganhou a denominação de mensalão.

Pela ordem divulgada por Barbosa, depois do item 5 (sobre gestão fraudulenta) –analisado agora–, serão apreciados os itens 4 (sobre lavagem de dinheiro); 6 (referente a corrupção envolvendo partidos da base aliada do governo Lula); 7 (lavagem de dinheiro por parte do PT); 8 (evasão de divisas); e 2 (formação de quadrilha).

Apenas ao final do julgamento dos itens do processo os ministros irão discutir e definir as penas que deverão ser aplicadas aos réus condenados referentes aos crimes cometidos.