Foi pelo rádio que o produtor rural, Esmalte Barbosa Chaves, 74 anos, ficou sabendo da invasão em sua propriedade, na cidade de Dourados (MS). Era fevereiro de 2004 quando os indígenas acampados à beira da estrada, chegados de ônibus àquela região, vindos de aldeias das cidades de Amambai, Aral Moreira e Caarapó, entraram no espaço privado. “Eu estava fora e recebi uma ligação do Sindicato Rural me perguntando sobre o que acontecia naquela região. Não imaginei que fosse na minha terra, pois sempre ajudei os índios enquanto estavam à beira da estrada”, lamenta Chaves.

Junto com sua família, Chaves partiu em direção à Fazenda Campo Belo, registrada em seu nome há cerca de 30 anos. “Naquela madrugada chuvosa eles formaram um leque. Colocaram crianças com pedaços de pau e mulheres na frente e vieram na direção da minha terra”, relembra o produtor. Quarenta hectares foram tomados por barracas de lona que passaram a abrigar o grupo indígena, das etnias Kaiowá e Guarani. A partir daí a rotina da família Chaves foi conviver com insegurança e debilitações físicas e emocionais. A mesma condição se estendeu aos produtores rurais vizinhos.

A idade avançada e as ameaças não impediram que o produtor reivindicasse uma terra que já era dele. “Não quero nada que não seja meu e espero que o trabalho realizado até hoje possa trazer algum benefício para meus cinco filhos, seis netos e cinco bisnetos”, afirmou. O produtor já cultivou soja, milho, aveia, feijão, trigo e sorgo em sua propriedade, dedicada atualmente ao cultivo de cana e criação de gado.

Na busca por garantir uma terra que legalmente é sua, localizada no Porto Cambira, Esmalte Chaves ganhou o reconhecimento de propriedade por parte da Justiça na primeira e segunda instância em oito anos de tramitação do processo. “Minha terra é documentada e sempre paguei meus impostos, inclusive durante os oito anos de invasão”, ressalta Chaves.

Seu advogado de defesa, Cícero Alves da Costa, demonstra confiança no processo que já passou pela Justiça Federal de Dourados, Tribunal Regional Federal e hoje segue no Superior Tribunal de Justiça (STF). Os juízes declararam que o espaço invadido não é indígena e deferiram a reintegração em favor do proprietário, reconhecendo inclusive ser desnecessário laudo antropológico, por não existir nenhum processo administrativo que indique a possibilidade de que um dia aquela terra tenha sido considerada indígena. Apoiada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a ação dos indígenas foi considerada pelos juízes como “esbulho possessório”, ou seja, invasão violenta ou com ameaças a uma propriedade privada.

“A omissão do Governo em solucionar os problemas sociais que afetam as comunidades indígenas, não pode ser utilizado como justificativa para o descumprimento da lei, da ordem e dos direitos individuais. A invasão é uma violência e não pode ser tolerada como forma de reinvindicação”, enfatizou o assessor jurídico da Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul), Carlo Coldibelli.

Nos oito anos de invasão, a maior ajuda veio dos vizinhos, que no auge da tensão estacionavam carros em pontos estratégicos para iluminar a casa da fazenda e evitar que ela fosse invadida também. “Era uma tortura psicológica violenta. Diariamente chegavam recados de que nos atacariam e colocariam fogo na propriedade”. A violência foi registrada pelo filho em boletim de ocorrência relatando as ameaças dos indígenas e as ações contra o rebanho. “Deixavam as porteiras abertas, cortavam nossas cercas, cortavam com foice alguns animais e matavam outros”.

Nádia Chaves, filha do produtor, diz que os prejuízos são incalculáveis. “Não envolve apenas o tempo que meu pai deixou de produzir”. Ela conta que cresceu vendo o pai cuidar da lavoura, mas depois da invasão o nervosismo e as ameaças trouxeram danos irreversíveis, que resultaram em dois Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), assepsemia e um mês na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Ele ainda ganhou de presente um infarto e um marca-passo no peito, tudo isso nos últimos oito anos”.

Nádia lamenta o desfecho da invasão. “A atitude do líder indígena nos espanta. Enquanto estavam à beira da estrada chamava meu pai de compadre e tomavam tereré juntos. Levávamos carne, remédios e roupas para o grupo, uma assistência que o Governo deveria, mas nunca deu”, lembrou. A filha de produtor não acredita que os indígenas bancaram os gastos com a invasão. “Essa ação com certeza foi financiada por alguma ONG, porque os índios não tem dinheiro para o aluguel de cinco ônibus e nem para os equipamentos de cozinha que utilizam”, afirma.

Apoiado na bengala e com chapéu cor de terra, ao falar de expectativas Chaves afirma ter apenas um desejo. “Quero apenas um ponto final nessa história”.