O político chinês responsável por uma das maiores ofensivas contra o crime organizado em seu país está sendo acusado de tortura e outras violações. As acusações são o último episódio em uma série de escândalos envolvendo Bo Xilai, que chegou a ser um dos nomes mais cotados para ser o próximo líder da China, mas acabou afastado de suas funções políticas por violação de disciplina partidária.

Entre as violações está o suposto envolvimento na morte do empresário britânico Neil Heywood, encontrado morto em um quarto de em Chongqing em novembro passado. A ofensiva lançada por Bo contra o crime organizado a partir de 2009 resultou na de milhares de pessoas, incluindo funcionários do governo, policiais e empresários.

Um dos alvos foi Li Jun, cuja empresa, a Chongqing Junfeng Industrial Development Group estava envolvida no ramo imobiliário. Li, que vive escondido fora da China, disse à BBC que ouviu que as autoridades estavam atrás dele no início de 2009. “Na época eu os ignorei, já que sou um empresário honesto e legítimo.”

No entanto, em agosto daquele ano Li descobriu que o chefe de de Chongqing, Wang Lijun, havia ordenado uma investigação conjunta com o Exército de Libertação Popular da China sobre suas atividades empresariais. Li diz que na época estava comprando um grande lote de terra do Exército de Libertação Popular. O empresário afirma que se divorciou da mulher para protegê-la, passou o controle de seus negócios para parentes e fugiu de Chongqing.

”Eles me torturaram”

Em dezembro daquele ano, porém, ele retornou, secretamente, para ver a mulher e os dois filhos. As autoridades estavam à sua espera e o prenderam. “Eles me torturaram por mais de 40 horas para me forçar a confessar. Eu não podia ir ao banheiro ou comer. Eles me apunhalavam com uma caneta se eu discordasse”, disse Li à BBC. Ele diz que foi forçado a admitir que era membro de uma quadrilha de crime organizado e que estava envolvido em suborno, fraude e apoio ilegal a uma organização religiosa.

“Eles me bateram, chutaram e golpearam com um cinzeiro.” Li afirma que foi solto alguns meses depois, após pagar uma “multa”. Ele então conseguiu fugir de Chongqing e desde então vive escondido, temendo por sua segurança. “Bo Xilai e Wang Lijun fizeram o mal”, diz.

Escândalo político

Wang Lijun fugiu para o Consuldado dos EUA em Chengdu, a poucas horas de carro de Chongqing, em fevereiro deste ano, aparentemente após um desentendimento com Bo. Ele foi posteriormente persuadido a deixar o consulado e imediatamente desapareceu dos olhos do público. No momento, está sob investigação.

Acredita-se que Wang tenha dado às autoridades chinesas informações sobre Bo e sua ligação com a morte de Heywood. Como resultado, Bo, que era membro da direção do partido, foi afastado, e sua mulher, Gu Kailai, presa. Ela é acusada de envolvimento na morte do empresário britânico.

Enquanto as atenções se voltam principalmente para o episódio da morte de Heywood e para a queda de um dos principais políticos da China, muitos começam a olhar mais de perto a maneira como Bo Xilai comandou Chongqing depois de se tornar o secretário do partido na região, em 2007.

Um dos que confirmam as alegações de tortura é Li Zhuang, advogado de Pequim que foi a Chongqing para defender um dos acusados durante as operações contra a máfia. Li Zhuang acabou ele próprio acusado de tentar persuadir seu cliente a alegar que havia sido torturado. O advogado foi detido e passou um ano e meio na prisão. Ele diz que também foi torturado.

“Eles me fizeram sentar no que chamam de ‘cadeira do tigre’. A cadeira é presa ao chão, e você é amarrado na cintura”, diz Li Zhuang. “Sentei ali por três dias e três noites. Eles não deixam você dormir e restringem o que você pode comer ou beber”, afirma.

Segundo Li Zhuang, outros presos ficaram na cadeira por mais tempo. Li Jun também disse que sua mulher foi submetida a interrogatórios na ”cadeira do tigre”.

Sistema legal

Li Zhuang diz que a ofensiva de Bo contra a máfia em Chongqing teve um efeito enorme no sistema legal da China. “Eles sacrificaram a lei para adotar práticas cruéis”, afirma. Alegações de que a ofensiva lançada por Bo não seguia as leis que ela própria tinha o objetivo de aplicar circulam na China já há algum tempo.

Mas isso não impediu que os principais líderes chineses – entre eles Xi Jinping, o homem que deve se tornar o próximo líder da China, e outros membros do alto escalão do partido – visitassem Chongqing e elogiassem Bo.

Wang Yang, secretário do Comitê do Partido Comunista em Guangdong, foi talvez o último líder de projeção nacional a congratular Bo – que o sucedeu como secretário do partido em Chongqing. “Houve grandes mudanças em Chongqing nos últimos anos. Como alguém que trabalhou aqui, me sinto feliz com essas mudanças”, disse Wang Yang, na visita recente. Outros, como Li Jun e Li Zhuang, não compartilham da mesma opinião.