Falhas nas apresentações dos ginastas brasileiros, que tiraram a equipe feminina e o ginasta Diego Hypólito dos Jogos de Londres, evidenciam a precariedade na preparação dos atletas no país, segundo a visão de especialistas ouvidos pela BBC Brasil. A seleção brasileira de ginástica artística é a única que chegou a Londres contando com três ginastas que criaram, recentemente, novos movimentos incorporados ao código de pontuação da modalidade, façanha que é considerada prova de habilidade e vista como uma grande honra para os atletas. No entanto, após uma série de erros e acidentes nas apresentações, a equipe feminina de ginástica artística foi eliminada das competições individuais e da competição por equipes, no último domingo.

Entre os homens, que não haviam conseguido a classificação por equipes, Sergio Sasaki e Arthur Zanetti estão em finais individuais, mas uma queda eliminou Diego Hypólito. A diretora da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), Maria Luciene Cacho Resende, atribuiu a eliminação dos brasileiros a “fatalidades” na hora das competições. “Nosso esporte não é como o futebol, em que você pode perder um jogo hoje e ganhar outro amanhã. Para nós, segundos podem mudar tudo. Um desequilíbrio no pé pode custar uma prova”, disse, por telefone, à BBC Brasil.

“Os atletas fizeram todo o possível. Temos cerca de 40 campeonatos em nosso calendário no ciclo olímpico e tivemos muito bons resultados em todos eles.” Nas Olimpíadas de Pequim 2008 e Atenas 2004, erros nas apresentações dos ginastas brasileiros também acabaram com suas chances de medalhas e foram atribuídos ao nervosismo dos atletas. No entanto, o pesquisador da Unicamp Marco Antonio Bortoleto, especialista em ginástica artística, acredita que as falhas que tiraram o Brasil da competição de Londres tem menos relação com instabilidade emocional do que com as dificuldades que o esporte enfrenta no país. “Ninguém chega em uma Olimpíada por acaso.

Nenhum deles é criança, todos conhecem bem o ambiente da competição”, afirmou à BBC Brasil. “Mas os ginastas brasileiros, muitos dos quais já tem uma idade mais avançada, estão chegando na competição já machucados, desgastados e com menos suporte do que os atletas de outros países. O fator psicológico é mais forte quando já existem outros problemas, quando já chegam com medo de se machucarem.” ‘

‘Dependência” De acordo com Bortoleto, as falhas de Diego e Daniele Hypólito em suas provas foram maximizadas pelo fato de que as equipes brasileiras são pequenas e dependem da performance de poucos atletas para conseguirem boas notas de classificação. “Os outros países passaram em todo os aparelhos com quatro ginastas com nível de competitividade muito alto. Imagine que nós chegássemos com quatro Diegos no solo, quatro Sasakis no salto. As falhas seriam minimizadas, porque os outros atletas também fariam boas apresentações”, afirma. “A China falhou bastante, o campeão mundial japonês falhou. Mas como as equipes deles são muito fortes, eles conseguem colocar outros no lugar.” O especialista diz que esforços da Confederação nos últimos dez anos viram grandes avanços na ginástica brasileira, mas afirma que falta muito para que o país se torne uma potência no esporte. Em especial, na opinião dele, falta suporte aos clubes para a formação de novos atletas e infraestrutura para o preparo dos ginastas de alto rendimento.

“Diego, Zanetti e Sasaki são exceções e devem ser tratados como tal. São talentos acima da média e é por isso que chegaram onde chegaram, mesmo não tendo as condições necessárias. Mas uma medalha de ouro não é uma exceção, é fruto de um trabalho organizado.” Bortoleto diz ainda que é “cético” em relação ao desempenho brasileiro nos Jogos do Rio, em 2016, por causa da existência de poucos centros de treinamento de qualidade no país. “Acho que esse investimento já deveria ser feito e talvez não dê tempo para o Rio. Os centros de treinamento já deveriam estar prontos para que nossas categorias infantil e de base, que estarão competindo no Rio, possam treinar. Isso já deveria estar acontecendo e não está”, diz.

Renovação Ainda com Jade Barbosa e Laís Souza, que foram cortadas da equipe, as ginastas brasileiras classificaram o Brasil em último lugar para a Olimpíada de Londres, em janeiro. Jade, que deixou o time após um desentendimento sobre patrocínio, e Laís, que foi cortada uma semana antes da competição por uma fratura na mão, foram substituídas por Bruna Leal e Ethienne Franco, que já treinavam com a seleção, pouco antes das competições.

Dias antes das primeiras provas em Londres, Adrian Gomes também deixou o time brasileiro por conta de uma lesão na coluna, e foi substituída por Harumi de Freitas. As ginastas chegaram com o objetivo de levar a equipe feminina para o 10º lugar no ranking e chegar a pelo menos a uma final individual – metas “realistas”, segundo a ex-ginasta Luísa Parente.

“Elas sabem que a condição de ir pra uma final é muito difícil. Com muito sacrifício e concentração elas conseguiram classificar em 12º, que era a última posição”, disse à BBC Brasil, dias antes do início das provas. Segundo Parente, que foi para as Olimpíadas de Seul 1988 e Barcelona 1992 e hoje é comentarista no portal R7, o COB e a CBG estão fazendo um “esforço para conter a queda dessa curva ascendente em que vem o Brasil” na modalidade. Em 2008, a CBG decidiu acabar com a seleção permanente de ginástica artística, então treinada pelo ucraniano Oleg Ostapenko, e mandar as ginastas de volta para seus clubes, na tentativa de estimular formação de novos atletas.

A decisão dividiu opiniões entre os próprios ginastas, mas é defendida pela ex-ginasta, que assumiu a secretaria geral da Academia Brasileira de Treinadores, criada pelo COB. “É preciso ter um plano estratégico que ajude os clubes, porque quem faz os atletas são os clubes. Ele (Oleg Ostapenko) veio, tem um nível altíssimo, treinou a seleção. Mas a longo prazo, não aconteceu muita coisa”, diz. “Agora estamos colhendo os frutos daquele esforço, que foi focado naquele ciclo olímpico e não contribuiu para o desenvolvimento a longo prazo da ginástica.” Para Bortoleto, o caso da equipe feminina é “ainda mais grave” do que o da masculina, por causa da dificuldade em renovar a seleção.

“Um sintoma disso é perceber que as ginastas repetem muito a participação em Olimpíadas. Isso é sinônimo de países incipientes. Se você observar países que são potências, as ginastas nem sempre repetem o ciclo, porque as novas vão chegando com mais força”, afirma.