João Botelho: acredito que o poder público demorou muito para fazer um diagnóstico da Santa Casa

Com mais de vinte anos atuando como pediatra no Hospital Santa Casa e diretor do Sinmed/MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul) desde 1998, João Botelho de Medeiros, recebeu o Midiamax para um pape-papo sobre saúde, falta da especialidade nas UPA´s (Unidades de Pronto Atendimento), auditoria e atribuições do sistema público. Confira a […]

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Com mais de vinte anos atuando como pediatra no Hospital Santa Casa e diretor do Sinmed/MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul) desde 1998, João Botelho de Medeiros, recebeu o Midiamax para um pape-papo sobre saúde, falta da especialidade nas UPA´s (Unidades de Pronto Atendimento), auditoria e atribuições do sistema público.

Confira a entrevista.

Midiamax – Como pediatra, o Senhor sabe que a sua especialidade médica é essencial. Porque em todo final de ano os hospitais da Capital deixam de se organizar e a falta de médicos se acentua ainda mais?

João Botelho -Talvez não seja uma falta propriamente dita e sim uma acomodação do mercado por parte dos profissionais, que se deslocam para outros lugares, por conta de melhores condições de trabalho e remuneração. E os serviços públicos, que não tem uma organização rápida e sobra de mão-de-obra encontram dificuldade para alocar estes profissionais.

Midiamax – E o que deve ser feito para resolver este problema em Campo Grande e no interior do Estado, onde sempre ficamos sabendo de casos de mães que têm filhos sozinhas ou demoram horas para serem atendidas?

João Botelho – Na questão do interior, o profissional se preocupa mais com a sua qualidade de vida e remuneração de trabalho. Na questão profissional, ele pensa na instabilidade, precariedade de estrutura, suporte e garantias, principalmente nas pequenas cidades onde a descentralização e a municipalização da saúde, associado a Lei de Responsabilidade Fiscal tornaram as prefeituras sem condições de pagar um salário condizente com o que o profissional quer receber. Então é feito um contrato de trabalho e pagam o excedente por fora ao médico. Porém, às vezes muda a prefeitura e já deixa de pagar, então muitos profissionais de deslocam para outros locais e ocorre a atual instabilidade.

Midiamax – As UPA´s (Unidade de Pronto Atendimento) 24h também continuam com atendimento precário. A escala de pediatras é escassa e muitas crianças são atendidas por clínicos gerais, que muitas vezes não realizam o diagnóstico correto de uma possível doença. Há alguma sugestão para melhorar o atendimento?

João Botelho – Teria de ser feito uma organização, porque tem época que tem mais pediatras e época que tem menos. Aumentaram o número de médicos em cada unidade, mas eles deveriam se concentrar em áreas mais críticas de atendimento, além de acontecer mais concursos públicos e não acomodação do sistema público, que deveriam remunerar melhor os profissionais para que eles não percam para a rede particular. Temos vários exemplos na própria Santa Casa, que após melhorar a remuneração dos médicos e estabilizar a contratação dos profissionais, a escala ficou completa e eles conseguiram abrir mais leitos no CTI (Centro de Terapia Intensiva) adulto.

Midiamax – É possível obter um diagnóstico de quantos pediatras passam pela cidade?

João Botelho – É a volta da questão da falta dos profissionais. A contabilização do número de pediatras também é difícil de ser feita na cidade, já que muitos saem da cidade para fazer a especialização, após a residência. Eles saem e voltam depois de cerca de quatro anos ou acabam ficando em outros locais. Outro problema é que muitos pediatras também se deslocam para outras áreas médicas, como Centrais de Regulação Ambulatorial, Auditoria, atribuições dentro do sistema público, que às vezes pagam a mesma coisa, porém o trabalho mais burocrático.

Midiamax –  Com relação a salário, é muito grande a diferença paga na rede particular e pública?

João Botelho – Em Campo Grande, na rede privada, paga-se mais por produção, por atendimento. Na Santa Casa e no Hospital Regional, a remuneração é 30% maior do que a prefeitura. Com experiência de 30 anos na casa, posso dizer que a Santa Casa seria a “rede particular” de pagamento. Na pediatria, temos dois hospitais na rede particular, em que os profissionais devem ganhar 40% a mais do que na rede pública.

Midiamax –  Recentemente o Sinmed/MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul), no qual o Senhor é diretor desde 1998, promoveu um manifesto na UPA Coronel Antonino, com médicos voluntários, para mostrar como seria o atendimento ideal. A população aprovou, mas a reivindicação dos médicos, como melhores salários e regulamentação da emenda 29, foi atendida?

João Botelho – O movimento era de cunho nacional e até agora não mudou nada na questão da remuneração, foi mais para chamar a atenção e seria até impossível mudar alguma coisa, com apenas um dia de manifesto como fizemos. Com relação à emenda 29, ela teve uma evolução, teve alguns cortes e a vinda de recursos que queríamos, não só para os médicos como para a saúde em um todo. Por outro lado, vimos que a área médica tem um vício no setor público, em que o atendimento ambulatorial é feito de maneira muito rápida. O médico resolve momentaneamente o problema.

Midiamax –  Há 20 anos na Santa Casa como profissional, o Senhor sabe por que ainda persiste a imagem negativa deste hospital?

João Botelho – Porque a forma de atendimento persistiu mesmo depois da Junta Interventora. São problemas financeiros, de ambiência e a estrutura do hospital que continua precária. Ainda existem muitos pacientes nos corredores, falta de leitos, tempo de espera no centro cirúrgico e até pacientes crônicos e idosos que ficam muito tempo na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), ocupando vagas e sendo cuidados até com respiradores manuais, por conta da falta de equipamentos. Acredito que o poder público demorou muito para fazer um diagnóstico da Santa Casa, resolver problemas de dívidas e interferências políticas dentro da organização também foram e são muito fortes.

 

Matéria editada às 20h50 do sábado (14) para correção de dados.

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