O documento polêmico entra em vigor no próximo dia 24 de setembro. Enquanto os indígenas protestam, os fazendeiros comemoram a decisão do Governo Dilma.

Os índios prometem novas ‘retomadas’ de fazendas que funcionam nas áreas já consideradas terras indígenas em Mato Grosso do Sul e dizem que os protestos pela revogação da !*Portaria 303/2012*! da AGU (Advocacia-Geral da União) devem se intensificar nos próximos dias.

O documento polêmico entra em vigor no próximo dia 24 de setembro. Enquanto os !*indígenas*! protestam, os !*fazendeiros*! comemoram a decisão do Governo Dilma. Eles consideram as ocupações das fazendas pelos índios como atos criminosos de invasão.

Segundo a !*Famasul*! (Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul), caso a portaria seja respeitada, mais de 90% das demarcações em andamento em MS podem ser questionadas.

Com a normatização proposta pela AGU, o Governo Federal passa a seguir o entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol como modelo para atuação dos advogados públicos e procuradores em processos judiciais envolvendo a demarcação de !*terras indígenas*! em todo o país.

Golpe nas demarcações

Para as lideranças indígenas sul-mato-grossenses, a Portaria 303 seria a prova de que o Governo Dilma teria ‘pactuado com a bancada ruralista’. Segundo Lísio Lili, membro do povo terena, “se a Portaria não for revogada, o Estado Brasileiro está declarando guerra aos povos indígenas”.

Segundo a Advogacia-Geral da União, no entanto, a Portaria 303 é uma tentativa de assegurar a estabilidade jurídica em ações sobre o tema e evitar que as demarcações sejam questionadas na justiça, enrolando o processo durante anos.

Dois pontos básicos definidos na decisão específica do Supremo no caso Raposa Serra do Sol interessam aos representantes do agronegócio.

Com a Portaria, há uma brecha para proibição de novas demarcações, além de permitir a revisão de processos administrativos sobre terras indígenas consideradas inadequadas à decisão do STF relativa à demarcação da terra indígena no estado de Roraima.

Os índios reclamam que não foram ouvidos pelo Governo Federal antes da elaboração do documento, e acusam a AGU de ‘ceder aos interesses do agronegócio predatório’. Para eles, a Portaria é um ‘golpe nas demarcações’.

A Famasul admite que, para o setor ruralista, a Portaria 303 é uma conquista. “Estão fomentando as invasões para derrubar a portaria. Estão contra o arcabouço jurídico da nação. Se seguirem o que está na Portaria 303, mais de 90% das demarcações em Mato Grosso do Sul são totalmente ilegais”, explica o presidente da entidade, Eduardo Riedel.

‘Guerra à enrolação’

No contra-ataque, os índios prometem novas ‘retomadas’, ou ‘invasões’, na visão dos fazendeiros, que possuem títulos das fazendas emitidos pelo próprio Governo Federal.

Os !*Guarani-Kaiowá*! decidiram retomar as ‘tekohá’, como chamam, no idioma nativo, o “espaço onde se vive”, durante o último Aty Guasu, espécie de conselho formado por representantes de diversos povos indígenas. A reunião aconteceu em julho, e outros aty guasu estão sendo realizados em áreas próximas às tekohás que devem ser retomadas.

“Vamos continuar retomando nosso espaço. Os índios cansaram de esperar pelas autoridades, que só enrolaram. Vamos entrar na nossa terra agora porque aqui em Mato Grosso do Sul faz muitos anos que aguardamos sempre confiando no Governo”, avisa Eliseu Lopes, membro do Aty Guasu dos Guarani-Kaiowa e dos Guarani-Nhandevá.

A primeira retomada após o Aty Guasu declarar “guerra à enrolação do Governo Federal” aconteceu em Paranhos, a 477 quilômetros de Campo Grande, e acabou em mais um episódio de ataque aos índios.

No último dia 10 de agosto, um grupo de aproximadamente 200 índios entrou na área de fazendas que ficam sobre a tekohá Arroyo Corá.

Os índios contam que foram recebidos à bala por pistoleiros. Embora os fazendeiros da área retomada neguem qualquer tipo de reação, não afastam a possibilidade de que outros proprietários rurais possam ter contratado paraguaios para realizar a segurança armada de algumas fazendas.

“Os índios vieram na quinta-feira (9) e me avisaram que iam entrar. Eu falei que não podia deixar a fazenda, porque sou só um peão, mas não atirei em ninguém não. No outro dia eles voltaram, e eu escutei uns tiros, mas não vi nada. É difícil da gente saber, porque é muita terra e o portão fica aberto. Pode ter entrando qualquer um”, relata Manoel Pereira, capataz da fazenda Campina, onde os índios dizem que aconteceu o confronto.

Na confusão em Arroyo Corá, os guarani contam que um homem de aproximadamente 50 anos de idade, identificado como Eduardo Pires, desapareceu. Eles também consideram a morte de um bebê com nove meses de vida como saldo do confronto.

A Funai (Fundação Nacional do Índio) confirmou o ataque e disse que homens da Força Nacional e da Polícia Federal estiveram no local logo após o episódio. Eles recolheram cartuchos de munição deflagrada. Dias após o confronto, várias capsulas de tiros de borracha de calibre 12 ainda estavam espalhadas no campo.

O Ministério Público Federal pediu a abertura de um inquérito para apurar o ataque e o desaparecimento denunciado pelos índios. A Polícia Federal já está no caso, e abriu um segundo inquérito que apura a postura dos fazendeiros após o início do movimento de retomadas anunciado pelos índios.

Em vídeo divulgado pelo jornal Midiamax, um homem que herdou terras na região de Paranhos e tinha gado na área retomada disse que estava ‘conversando’ com outros fazendeiros para organizar uma reação.

“Eu tenho medo de índio? De índio não pode ter medo. Se eles querem guerra, vamos partir pra guerra! E arma, é só querer. Eu armo tudo esses fazendeiros ai. O Paraguai fica logo ali”, dispara Luis Carlos da Silva Vieira, mais conhecido como ‘Lenço Preto’.

Guerra jurídica

Segundo a Famasul (Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul), que representa os ruralistas, a entidade mantém atualmente mais de cinquenta ações judiciais contra os processos administrativos de demarcação em MS.

Na última semana, os desembargadores do TRF3 (Tribunal Regional Federal) consideraram válida uma demarcação de 1999 questionada na justiça pelos fazendeiros e deu a posse definitiva da Terra Indígena Sucuri´y, no município de Maracaju, para os índios.

Eles já haviam ‘retomado’ parte da área para apressar a demarcação, e acabaram ganhando o direito de esperar o fim do processo na terra, ao invés dos fazendeiros.