Ele foi condenado a 16 anos de reclusão pelo latrocínio da ex-mulher, sendo que tempos depois um policial civil foi descoberto como o verdadeiro autor do crime.

Em sua peregrinação por justiça, o ‘injustiçado’ Cícero Leite da Silva, 57 anos, já lutou muito. Depois de ser condenado a 16 anos de reclusão pelo latrocínio da ex-mulher, Maria Ramalho de Oliveira, crime que ocorreu em agosto de 1986, ele cumpriu parte da pena e, já solto, decidiu provar a qualquer custo a sua inocência.

E pode parecer brincadeira, mas até carta para o Papa João Paulo II e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ele mandou. Não contente, Sr. Cícero ainda pediu recursos na igreja Perpétuo Socorro e foi pessoalmente a Brasília.

Na ocasião, ele conta ao Midiamax que foi recebido pelo ex-ministro da Justiça, Renan Calheiros, sendo que com ele conseguiu o direito de revisão no seu inquérito policial.

Muita dúvida pairava sobre os autos. Por que mataria a ex-mulher para roubar o dinheiro de sua casa, se continuava sendo vendedor ambulante? Qual a explicação de ele ter contratado um inimigo para executar a vítima? Por que sumiram do processo as fitas de um ex-policial civil que confessou matar Maria e outras cinco vítimas anteriormente?

Ameaças e calúnias

É neste momento em que entra o policial civil Ramão Roberto da Silva, homem, que segundo ele, é o responsável pela sua ‘desgraça’. “Trabalhava como ambulante na antiga rodoviária e lá ele me ameaçava, obrigando-me a cumprir ordens. Um dia queria que eu o acompanhasse em um carregamento de droga e, como me neguei, ele inventou mentiras a minha ex-mulher”, comenta ao Midiamax Sr. Cícero.

A mentira dita a ex-mulher, segundo ele, foi que o policial o flagrou com duas mulheres. “A Maria acreditou nele e me largou, tendo um caso depois com esse Ramão. Nós morávamos no Jardim dos Perdizes, mas ele sabia de uma casa que ela tinha em Eldorado (cidade distante a 441 quilômetros da Capital) e então começou a convencê-la de vender o imóvel”, fala Sr. Cícero.

Dito e feito. Maria vendeu a casa e infelizmente foi morta logo em seguida. “Nessa época nem tinha mais contato com ela. E o dinheiro da casa também tinha sumido. Mas, mesmo sem saber de nada, fui preso e torturado para confessar um crime que não tinha cometido. Foram os piores dias da minha vida”, relembra a vítima.

Tortura e suspeitas

Daquele triste momento, ele detalha que foi levado para o mato por policiais, sendo que eles o amarraram com um saco na cabeça e o bateram inúmeras vezes. Mas não confessou nada. As investigações ‘andaram’ para outro lado e suspeitas começaram a ‘cair’ sobre o policial civil Ramão Roberto da Silva.

”Fiquei sete meses preso. Logo depois, um amigo do policial chegou a ir no cartório, no dia 21 de dezembro de 1993, para registrar um texto em que ele me acusa do crime. Já solto, testemunhas que sabiam do meu casamento foram a polícia para prestar depoimento”, comenta o ‘injustiçado’.

Um deles foi Alencar Ferreira do Nascimento, que de acordo com Cícero, nem recebido pela polícia foi. Teve também o farmacêutico da antiga rodoviária, Valderlei Ciqueira do Nasimento. Já Eliza Teles de Figueiredo conseguiu prestar depoimento em favor de Cícero, por meio de carta. O destinatário foi o promotor João da Mata de Oliveira, no dia 11 de outubro de 1989.

Na Comarca de Várzea Grande (MT), onde os restos mortais de Maria Ramalho foram encontrados, Elias Soares da Silva também enviou carta ao promotor. Mesmo assim, 13 anos depois, o Tribunal de Justiça manteve a condenação de Cícero. Foi neste dia que, indignado, ele conta que em outra sala estava o policial confessando ao delegado que ele na verdade seria o autor do crime. “E até hoje não sei onde estão as fitas gravadas com a confissão do policial”, fala a vítima.

Depois de toda a luta, ele entrou com uma ação indenizatória no Estado, sendo que o andamento do processo, que determina o pagamento, ocorreu no dia 6 de novembro deste ano. O valor não será divulgado por uma questão de segurança. “Tinha de cobrar essa dívida. Hoje, quase com 60 anos, digo que não foi fácil ser agredido de diversas maneiras e agora só penso em me divertir, ajudar asilos e instituições de caridades”, conclui Sr. Cícero.