Gripe aviária pode se tornar pandemia, diz pesquisa
Quando um periódico científico do porte da Science, uma das mais prestigiosas do mundo, faz uma teleconferência com seis cientistas espalhados pelo mundo pode-se presumir que o trabalho a ser apresentado é de impacto. Agora ao ouvir o editor-chefe da revista, Bruce Alberts, um bioquímico de respeito mundial, abrir a conferência dizendo que a revista […]
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Quando um periódico científico do porte da Science, uma das mais prestigiosas do mundo, faz uma teleconferência com seis cientistas espalhados pelo mundo pode-se presumir que o trabalho a ser apresentado é de impacto. Agora ao ouvir o editor-chefe da revista, Bruce Alberts, um bioquímico de respeito mundial, abrir a conferência dizendo que a revista irá publicar dois artigos científicos de forma aberta – (qualquer pessoa pode acessar os textos livremente via internet, o que é extremamente incomum no caso dela) – é bom prestar atenção.
De acordo com Alberts, os artigos mostram que há um “potencial real para o vírus H5N1 (o vírus da gripe aviária) evoluir para uma forma que possa causar uma pandemia”. É importante, porém, escutar os detalhes para não cair na tentação de achar que é apenas uma frase de efeito – para o lado catastrófico ou para o sensacionalista.
O que dizem os artigos
O primeiro artigo científico, liderado por Ron Foulchier, do Centro Médico Erasmus, na Holanda, buscou entender como o H5N1 pode se tornar transmissível pelo ar em mamíferos. “Nossa principal conclusão é que o vírus da gripe aviária H5N1 pode adquirir a habilidade de ser transmitido via aerossol entre mamíferos; mostramos que um mínimo de 5 mutações e certamente menos de 10 delas são suficientes para torna-lo transmissível por via aérea”, explicou Foulchier durante a teleconferência.
Para chegar a esta conclusão a equipe liderada por ele primeiro identificou as mutações que levaram à emergência das pandemias de 1918, 1957 e 1968. Em seguida, modificou geneticamente uma cepa de H5N1 para que ele contivesse essas três mutações para verificar se isto tornava o virus transmissível pelo ar via pequenas gotas (aerosol) em doninhas – um pequeno mamífero largamente utilizado como modelo para transmissão de gripe.
O resultado foi negativo e os cientistas testaram então quantas vezes era necessário infectar e reinfectar uma doninha com o vírus modificado para que ele evoluísse e se tornasse transmissivel pelo ar. “Quando pegamos o virus após 10 passagens (dele) pelo nariz da doninha verificamos que tinha desenvolvido a habilidade de se transmitir via aerosol entre elas”, afirmou Foulcheir. E completou: “Ele não matou as doninhas que foram infectadas via aerossol.” Com este dado em mãos a equipe analisou quais mutações – além das três introduzidas por eles – haviam ocorrido no H5N1 para torna-lo transmissível via ar. O resultado foram que outras duas 2 mutações realizavam o serviço.
A descoberta não significa, porém, que as mesmas dez passagens são necessárias em humanos. “É difícil fazer uma relação direta entre as dez passagens em doninhas e o número de passagens em humanos… Uma cadeia limitada de transmissão em doninhas é suficiente para fazer o vírus se adaptar. Assumimos que este número também seria relativamente pequeno em humanos”, pontuou Foulchier. E continuou: “Devemos assumir que o que vimos nas doninhas é mais ou menos similar em humanos, mas não é uma correspondência direta. Há uma correspondência, mas há exceções à regra e sempre precisamos ser cuidadosos ao interpretar trabalhos com doninhas no contexto dos humanos.“
No segundo artigo, os cientistas tentaram descobrir as possibilidades de que um H5N1 desenvolvesse as cinco mutações necessárias à transmissão via aerossol entre mamíferos. A primeira constatação foi que diversas cepas do H5N1 já possuem duas das mutações. Ou seja: seriam necessárias apenas mais três delas – obviamente três específicas – para torná-lo transmissível por ar entre mamíferos. “Estudamos matematicamente e computacionalmente a evolução do vírus em um hospedeiro e em uma cadeia de transmissão entre hospedeiros. Descobrimos que é possível para um vírus fazer três mutações dentro de um hospedeiro. Fazer quatro ou cinco é mais difícil. E realizar as cinco parece realmente difícil. Não sabemos, porem, ainda o quão difícil é”, afirmou Derek Smith, principal autor do texto, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, na teleconferência.
Preparação para a pandemia
A constatação de que essas mutações podem, em teoria, ocorrer naturalmente no H5N1, e torna-lo transmissível entre mamíferos – possivelmente entre humanos também – levanta ainda uma outra questão importante relacionada à primeira frase de Alberts sobre disponibilizar os estudos para toda e qualquer pessoa com acesso à internet: uma pessoa tecnicamente habilitada e má intencionada não poderia pegar os dados e tentar fazer as mutações em laboratório? “Ao fazer pesquisa, você continuamente analisa o risco-benefício dela. Eu acredito que os benefícios são maiores do que o risco. Isto significa que não há risco? Claro que não. Não posso dizer de jeito nenhum isso, mas, para mim, os benefícios são maiores”, afirmou Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, dos Estados Unidos, que também participou da teleconferência e fez um artigo na revista analisando as lições aprendidas com as pandemias passadas.
O pensamento de Fauci vai na mesma direção do que acredita Alberts. “Esperamos que a publicação ajude a tornar o mundo mais seguro, em especial ao estimular mais cientistas e formuladores de políticas públicas em focar para preparar as defesas. Isto irá requerer grandes inovações e tornar estes dados disponíveis aumenta grandemente as chances de que estas inovações ocorram”, afirmou ele.
Se uma pandemia vier, o mundo teria atualmente como se defender, segundo Rino Rappuoli, chefe global de pesquisas em vacinas da Novartis Vacinas e Diagnósticos. “Podemos em teoria estar prontos rapidamente para fazer uma vacina. Isto é possivel hoje do ponto de vista tecnológico. A questão seria apenas mudar o processo regulatório para garantir que ele pudesse ser utilizado para fabricar as vacinas que possam ser então distribuídas”, afirmou ele que também esteve presente à conferência e foi autor de um artigo na mesma edição sobre estratégias de curto e longo prazo para preparação para uma pandemia.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a mortalidade de seres humanos por gripe aviária está em 60%.
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