Uma falha no sistema de divulgação do Supremo Tribunal Federal (STF) revelou a dosimetria das penas propostas pelo ministro Joaquim Barbosa aos réus condenados por lavagem de dinheiro na ação penal do mensalão. O voto foi divulgado na última sexta-feira e rapidamente tirado do ar. No entanto, o cachê – uma cópia – ficou disponível para consulta pelo Google.

O empresário Marcos Valério, que já havia sido condenado pelos crimes de corrupção ativa e peculato, recebeu uma proposta de pena por lavagem de dinheiro de 12 anos e sete meses de prisão, em regime fechado (em estabelecimento de segurança máxima ou média), mais o pagamento de multa no valor de R$ 2,1 milhões.

“O motivo do crime, em última análise, foi o objetivo de viabilizar, com o inestimável apoio da estrutura empresarial da qual Marcos Valério fazia parte, o esquema criminoso de compra de apoio político, pagamento de dívidas eleitorais passadas e financiamento de futuras campanhas daqueles que integravam o esquema”, justificou Barbosa em seu voto.

Os sócios de Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino receberam, cada um, a pena de dez anos, mais o pagamento de R$ 1,5 milhão. As condenações foram aumentadas em razão de processos aos quais os três respondem na Justiça. “Por essa razão, considero que os réus ostentam maus antecedentes”, lê-se no documento. Devido ao tempo elevado, todas as penas deverão ser cumpridas em regime fechado.

Responsável, na opinião dos ministros do Supremo, pela distribuição do dinheiro dos empréstimos fraudulentos obtidos junto ao Banco Rural, Simone Vasconcelos foi condenada a sete anos e sete meses de prisão, em regime semiaberto, mais o pagamento de multa no valor de quase R$ 600 mil.

“Simone executava materialmente as operações de lavagem de dinheiro realizadas pelo denominado núcleo publicitário ou operacional, liderado por Marcos Valério, chegando a, por exemplo, comparecer inúmeras vezes em agências do Banco Rural para realizar repasses de valores lavados em conluio com a instituição financeira”, afirmou o relator.

A ex-gerente financeira da SMP&B Geiza Dias, que foi absolvida pela maioria dos ministros, chega a constar na dosimetria proposta por Joaquim Barbosa. Na opinião do relator, ela teria de cumprir seis anos e 11 meses de prisão.

Banco Rural

A ex-presidente e acionista do Banco Rural, Kátia Rabello, e o ex-vice-presidente José Roberto Salgado foram condenados na semana passada, por unanimidade, pelo crime de lavagem de dinheiro. Barbosa propôs dez anos de prisão a ambos. No caso de Kátia, haveria ainda o pagamento de R$ 2,3 milhões em multa. Já para Salgado, seria R$ 1,5 milhão.

A precipitação na divulgação do voto do ministro pode ser verificada no item referente a Vinícius Samarane, ex-diretor e atual vice-presidente do Rural. Em vez de descrever o crime cometido e a pena que seria aplicada ao executivo, Barbosa “colou” as mesmas justificativas aplicadas a Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Dessa forma, não é possível, ainda, saber qual será a proposta de punição a Samarane.

Dosimetria

Antes do início do julgamento, Joaquim Barbosa propôs, em plenário, que as dosimetrias fossem discutidas apenas ao final do julgamento. O único a adiantar o tamanho das penas foi o ministro Cezar Peluso, que se aposentou no início do mês. A dosimetria, então, foi proferida apenas em relação ao primeiro capítulo analisado, sobre desvios no Banco do Brasil e na Câmara dos Deputados.

Peluso pediu a condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) a seis anos de prisão, além da perda do mandato, por corrupção passiva e peculato. Para Marcos Valério, em razão de desvios tanto na Câmara quanto no BB, Peluso sugeriu 16 anos de reclusão em regime fechado. Aos sócios dele – Cristiano Paz e Ramon Hollerbach -, o ministro propôs dez anos de prisão, para cada, também em regime fechado.

Em relação ao ex-diretor do BB Henrique Pizolatto, Peluso pediu a condenação a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, além do pagamento de multa no valor de R$ 121 mil.

O mensalão do PT

Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.