Especialistas criticam internação compulsória para usuários de crack

A maior dificuldade no enfrentamento ao uso de crack e outras drogas é a inexistência de uma rede de assistência forte e a falta de investimento dos governos nos últimos anos, analisa o psiquiatra Paulo Amarante, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidente da Associação Brasileira de Saúde […]

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A maior dificuldade no enfrentamento ao uso de crack e outras drogas é a inexistência de uma rede de assistência forte e a falta de investimento dos governos nos últimos anos, analisa o psiquiatra Paulo Amarante, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).

“Desde 2002 existe uma legislação no Brasil que criava os centros de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (CAPs), que hoje são raríssimos. O governo federal, os estados e municípios não investiram”, afirma o pesquisador.

Para ele, o serviço oferecido pelos CAPs é eficiente por não trabalhar com a exclusão nem com a internação compulsória.

“Ele não interna no sentido clássico, mas tem que ter leitos 24 horas, leitos de assistência, onde as pessoas sentem que são atendidas sem perder os seus direitos. A grande questão da internação compulsória, de todo tratamento feito sem vontade, é que ele tem baixa eficácia.” Segundo Amarante, de 95% a 97% das pessoas internadas contra a vontade, seja de forma involuntária ou compulsória, retornam ao uso da droga.

“Porque a pessoa não vai para a droga só pela droga, ela vai para a droga por alguma necessidade interna, alguma coisa social, alguma questão da sua estrutura familiar ou social que não dá conta do seu sofrimento, do seu vazio, não dá conta de algo que ela precise, então ela busca a droga”, relata. Além da ampliação dos serviços ambulatoriais, Amarante defende a política de redução de danos, já implantada em diversos países.

“Em vez de a pessoa usar o crack lá na rua, onde pode se cortar com a lata, ela tem um local onde é assistido. Pode parecer polêmico, mas é um certo preconceito, da nossa ideia de tratamento, de que tem que ser com uma abstinência completa”, diz.

“Se a pessoa está com uma carência, está com uma necessidade, é difícil de administrar. Você pode fazer drogas substitutivas, administradas. Quando chegam os redutores de risco, primeiro o usuário vê com desconfiança, depois vê que eles estão ajudando, e chega uma hora que a pessoa pergunta como ela faz para se tratar e sair daquilo”, completa

. O psiquiatra lembra da importância dos consultórios de rua, para fazer a abordagem e criar vínculos com os usuários. “Os redutores de risco se apegam àquilo que existe dentro de todo mundo, que é a vontade de melhorar, a vontade de se cuidar. Muitas vezes, o usuário está desesperado, sem domínio desse controle, aí se entregam às drogas”.

Amarante cita também a inclusão pela arte como uma solução que tem obtido sucesso em vários lugares. Especialista em psiquiatria forense e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, o médico Talvane de Moraes afirma que o investimento em saúde mental no Brasil caiu muito de 1993 para 2011, com a redução de 120 mil leitos para cerca de 32 mil.

Ele defende que a internação só deva ser usada como último recurso e a partir de uma relação médico-paciente, nunca por ordem judicial. “A internação psiquiátrica é um ato médico. A Constituição de 1988 preconiza a prevalência da vida e da liberdade, então qualquer modalidade de internação só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. A internação deve ser usada sempre como exceção.”

 A psicóloga Luana Ruff, pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ), lembra que o crack é uma droga de ação e dependência muito rápidas. “O crack é uma droga que causa devastação, muitos usuários se encontram em situação de rua e as pessoas têm dificuldade de procurar tratamento.”

Como caminhos para minimizar o problema, Luana aponta o trabalho em rede. “A abordagem clínica individualizada, com consulta médica, consulta psicológica, tratamento prioritariamente ambulatorial, equipe multidisciplinar e consultório na rua, para a criação de vínculo para, a partir daí, o usuário procurar a assistência”.

O professor da Escola de Serviço Social da UFRJ Eduardo Mourão Vasconcelos destaca que o crack chamou a atenção da sociedade porque, pela primeira vez, o uso da droga está chegando aos locais públicos no Rio de Janeiro. “A cidade reterritorializa a pobreza, mas houve mudanças nessa dinâmica.

A partir da década de 70, a territorialização muda, com formas mais humanizadas de tratamento. Mas é comum que as cidades turísticas e que recebem mega eventos esportivos ou culturais adotem a limpeza urbana e políticas higienizantes”, relata.

De acordo com ele, com a rápida chegada do crack na cidade nos últimos cinco anos, houve uma tendência de se “apelar para a limpeza urbana” – com ações como a retirada, pela Polícia Militar, de usuários das ruas e o encaminhamento para centros de reabilitação compulsórios.

Para Vasconcelos, entretanto, “o vazio assistencial não justifica a internação compulsória em massa”. O médico Luiz Carvalho Netto, coordenador de enfermaria da Unidade Docente-Assistencial de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), lembra que, apesar de o álcool ser a droga que causa mais danos à sociedade, o crack causa mais problemas ao indivíduo.

De acordo com ele, o Brasil é o maior consumidor de crack e o segundo de cocaína, atrás apenas dos Estados Unidos. “Como perfil, nós temos como usuários homens adultos jovens, de baixa escolaridade e baixa faixa de renda, com família desestruturada e envolvimento em atividades ilegais. Cerca de 45% das pessoas experimentam a cocaína antes dos 18 anos e os usuários começam com drogas lícitas, como cigarro e álcool, até chegar ao crack.”

Para o tratamento, Netto aponta que o acesso a consultas precisa ser mais rápido, já que há uma tendência de o usuário desistir do tratamento na medida em que aumenta a espera pela primeira consulta.

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