Detran não pune e fica sob suspeita de conivência com adulteração de documentos
Casos de automóveis aprovados mesmo com sinais de adulteração, sumiço de documentos no arquivo do Detran-MS e até testemunhas desaparecidas envolvem suspeitas de que ‘máfia dos motores’ age para proteger esquentamentos antigos
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Casos de automóveis aprovados mesmo com sinais de adulteração, sumiço de documentos no arquivo do Detran-MS e até testemunhas desaparecidas envolvem suspeitas de que ‘máfia dos motores’ age para proteger esquentamentos antigos
Os problemas com registro de veículos junto ao Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito) não se restringem a !*Campo Grande*! e já são alvo de denúncias a anos. Em Jaraguari, a 50 quilômetros da capital, contribuintes reclamam de casos nos quais carros documentados pelo próprio órgão foram pouco depois considerados suspeitos de adulteração.
Além disso, um suposto esquema de acobertamento mútuo estaria sendo utilizado para proteger vistoriadores que se envolveram na aprovação de veículos com sinais de adulteração e consequente legalização dos automóveis.
Com o esquema, veículos ‘esquentados’ em vistorias anteriores continuariam sendo documentados sem problemas no Detran de !*Mato Grosso do Sul*!.
O empresário Vagner Jonatas Ferreira diz que é uma das vítimas. Ele comprou uma caminhonete para usar nas entregas do depósito de materiais de construção que possui há mais de uma década em Jaraguari, mas não pode usar o automóvel porque, quando tentou transferir a documentação, foi informado de que havia sinais de adulteração na numeração do chassi.
“O estranho é que há uns três anos o mesmo carro, com o mesmo chassi, foi documentado sem nenhum problema. Agora, acharam uma suspeita e levaram o carro para a !*Defurv*!. Deu a maior complicação. Acabei como fiel depositário de um bem que é meu. Hoje não posso fazer nada com o carro, pois tenho medo do que possa acontecer”, relata Vagner.
A caminhonete antiga é mantida encostada no pátio da microempresa. Segundo Ferreira, a última informação que teve foi de que seria feita uma consulta à fábrica, pois não houve laudo conclusivo em Mato Grosso do Sul.
“É tudo muito estranho. Primeiro, foi feita a transferência sem problemas, e depois acharam o sinal de adulteração? É um carro velho, e não houve nenhuma mudança. Acho que deviam profissionalizar de vez, ou terceirizar tudo na vistoria, para gente poder cobrar a responsabilidade”, reclama o empresário.
“Eu passei muito constrangimento. Se há alguma coisa errada, a culpa é do Detran, pois eles fizeram a documentação. Quando eu comprei, a D-10 estava documentada. E aqui em !*Jaraguari*!, o Detran não tem estrutura nenhuma para dar esse tipo de segurança para gente”, denuncia Vagner.
A mesma falta de segurança da qual fala o empresário causa problemas para Marsal Raimundo da Silveira, de 65 anos de idade. Assim como Ferreira, o contribuinte está envolvido em um inquérito policial desde que documentou um carro também na agência do Detran-MS de Jaraguari. Segundo ele, após adquirir o Ford Pampa de placas HQS-9355, realizou a transferência do veículo sem problemas.
“A vistoria foi feita na minha cidade e não tive nenhum problema. Eu sou nascido e criado em Jaraguari, e comprei esse carro por volta de 2005 em uma garagem na avenida Bandeirantes de Campo Grande. Trouxe e ele passou na vistoria com tudo certinho. Desde então, o carro sempre foi meu e nunca fiz nenhuma alteração na mecânica, principalmente no motor e no câmbio”, relata Marsal.
Acontece que, quando Marsal vendeu o automóvel, apesar de ser novamente feita a inspeção pelos vistoriadores no pátio do órgão estadual responsável pelo registro dos veículos automotores e a transferência ter sido concretizada sem problemas, o novo dono desconfiou do motor e o levou até uma empresa especializada, onde a suspeita de adulteração foi identificada.
Preocupado, o novo dono levou o carro de volta ao Detran-MS e recorreu à !*Corregedoria de Trânsito*! do órgão. Encaminhado para nova inspeção, desta vez solicitada pelo próprio contribuinte, o vistoriador disse que “verificou suspeita de adulteração com vestígios de lixamento e remarcação do motor”.
Apesar de alegar que “por equívoco preencheu no auto de vistoria o resultado aprovado”, o servidor Antônio Luciano Martins de Andrade declarou nos autos do Processo Administrativo Disciplinar 4/2010-CT que o resultado é reprovado.
Trapalhadas comuns
As trapalhadas são comuns e continuam causando transtornos, segundo o responsável pela empresa especializada em comércio de motores que identificou a possível adulteração no veículo do idoso.
O empresário Vaderlei Scuira se tornou um tipo de auditor ou ombudsman independente e voluntário do Detran-MS. “De tanto ver pessoas humildes chegando aqui desesperadas para trocar motores por causa de erros grosseiros, comecei a orientar os contribuintes e denunciar as irregularidades”, conta.
O próprio diretor-presidente do Detran-MS, Carlos Henrique dos Santos Pereira, em entrevista à reportagem, citou Scuira quando falava sobre problemas no serviço de vistoria do órgão estadual. “O Vaderlei fez muitas denúncias procedentes, mas tornou a questão uma espécie de missão quixotesca”, afirmou.
A ‘missão quixotesca’, segundo Vaderlei, começou quando, após denunciar casos isolados de supostos erros e equívocos cometidos pelos funcionários do Detran-MS que realizam as vistorias, percebeu um padrão.
“Eu denunciei, confiando que alguma coisa seria feita para resolver. Mas, ao contrário disso, ninguém foi punido e acabei me tornando alvo de perseguição. Passaram a rejeitar as notas fiscais de minha empresa para documentar até os motores novos que vendo”, relata.
Sobre o caso de Marsal, especificamente, Scuira afirmou em depoimento à Corregedoria de Trânsito que desde 2001 havia denunciado o caso. Ele diz que da denúncia resultou uma reunião com o então diretor-presidente do Detran-MS, Dagoberto Nogueira, e assessores. Desde então, onze anos depois, a Ford Pampa do idoso continua envolvida no imbróglio administrativo.
Rede de acobertamento
“O procedimento dos vistoriadores envolvidos nas irregularidades é que, ao verificarem um motor adulterado no ato da vistoria, primeiro verificam se o veículo já havia passado por uma vistoria no Detran e, caso aprovado em vistoria anterior, nem registravam a adulteração no laudo de vistoria. Assim, permitiriam a transferência ilegal para não comprometer os vistoriadores”, denuncia Vaderlei.
O caso da Pampa do idoso virou inquérito policial e uma Sindicancia Administrativa Disciplinar foi aberta na Corregedoria do Detra-MS. Em abril de 2009, o então corregedor, delegado André Luiz da Costa Pacheco, pediu a prorrogação do prazo em mais 60 dias, concedida pelo direto-presidente Santos Pereira.
Já em maio do mesmo ano, o delegado pediu ao arquivo geral do Detran-MS todos os arquivos do veículo de placas HQS-9355. Com esses arquivos, que incluem o CGV (Cadastro Geral do Veículo), seria possível identificar cada transferência realizada no órgão estadual e inclusive quem realizou as vistorias.
Porém, em 13 de maio de 2009, o setor de Arquivo Geral e Microfilmagem do Detran-MS respondeu à Corregedoria informando que somente encontrou um dos processos de transferência do automóvel, realizado em junho de 2006. “Quanto aos demais, não foram encontrados”, informa a Circular Interna 20/2009, assinada pela servidora Joana Ubalda Pereira Santana.
Testemunha desapareceu
Na página 79 do PAD 4/2010-CT, uma fotocópia do CGV 173852 mostra sinais aparentes de rasura na numeração do motor informado e no nome do proprietário anterior, onde consta Algemiro Martins França.
O delegado resolveu então intimar este proprietário, mas, segundo informações do investigador de polícia responsável pela intimação, no endereço indicado Algemiro não foi encontrado.
Os policiais chegaram a localizar a esposa de Algemiro, com quem descobriram que o homem estava desaparecido já havia cinco anos. O desaparecimento foi registrado em Boletim de Ocorrência de 2004.
Na Defurv (Delegacia Especializada de Roubos e Furtos de Veículos), o inquérito policial 348/08 inclui o Laudo Pericial 75.109, realizado pelo próprio Instituto de Criminalística da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), comprovou que “o sequencial identificaro do motor do veículo examinado encontrava-se adulterado por supressão e posterior remarcação, não se logrando êxito na revelação dos caracteres primitivos”.
O número do motor, UD136002, já constava inclusive no CRLV (Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo), documento do veículo de porte obrigatório, emitido pelo Detran-MS em 21 de maio de 2008.
No relatório final do inquérito, assinado em 7 de outubro de 2008, apesar de afirmar que “esta demonstrada de forma alva que houve a prática do crime capitulado no artigo 311 do Código Penal”, o delegado Cláudio Martins diz que não foi possível identificar a autoria dos crimes de adulteração nem de receptação.
“Com o licenciamento em nome do atual proprietário é indicativo de que o veículo estava em ordem quando da transferência no ano de 2005”, conclui. Não há no relatório final indicação de indiciamentos.
Na esfera administrativa, a Sindicância Administrativa 37/2008, conduzida pelo então corregedor André Pacheco, os vistoriadores Wilson Serafim de Oliveira, Joacir Pamiago de Macedo, Marcelo V. dos Santos e Gerson Ferreira foram responsabilizados pelo delito tipificado no artigo 311, parágrafo segundo do Código Penal. Este artigo trata da adulteração de sinais identificadores de veículos.
Como, no entanto, quando o procedimento foi concluído, Gerson, Joacir e Marcelo já não faziam mais parte dos quadros do Detran, o corregedor considerou “incabível a instauração de procedimento administrativo disciplinar em desfavor de tais pessoas”.
A impunidade se completa com relação à prática de regularização irregular do automóvel: “Diante da notícia da não localização do processo CGV por meio do qual foi formalizada a transferência de propriedade veicular a Algemiro Martins Franco não há meios de se materializar a infração. De outro lado, conforme relatório das folhas 93, a principal testemunha dos fatos encontra-se desaparecida. Diante disso, impraticável qualquer investigação/apuração de tais faltas disciplinares, até mesmo porque não há como identificar os servidores responsáveis pela legalização do veículo adulterado à época”, conclui o relatório da Corregedoria.
O direto-presidente do Detran-MS, !*Carlos Henrique dos Santos Pereira*!, afirma que o órgão não acoberta possíveis irregularidades, mas defende que muitos casos já prescreveram. “Tem muita coisa antiga aí, coisa que até já prescreveu, então temos que cuidar de agora. E, desde que assumi, tomei providências para resolver os problemas onde quer que houvesse problemas”, assegura.
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