Com ajuda de patrão, paciente diz que exames foram pagos em função da demora no atendimento do SUS

Até que o instalador de ar condicionado R.R e sua mulher caíssem no giro das clínicas particulares que ficam no entorno da Santa Casa, e no vácuo do HR, ele e a mulher passaram por uma verdadeira prova de resistência na vida real, bem mais dura que os “realits shows”  da televisão.

Ao contrário da TV, aqui a família teme que a sua imagem e nomes sejam divulgados porque o tratamento médico não se encerrou.

A sina começou no último dia 16, quando o instalador sofreu um grave acidente de trabalho, ao se desequilibrar de uma altura de três metros, e cair cima de uma escada.
Na queda, bateu a fronte do lado direito no cimento duro e teve imediato traumatismo craniano. Ele não conseguiu se proteger com as mãos.

Depois do forte impacto, o trabalhador ficou inconsciente até pouco antes que o Samu o atendesse, cerca de vinte minutos depois da queda. R.R teve um forte temor em uma das pernas, como se tivesse uma convulsão. E estava sem enxergar, ao lado do sangue e plasma que escorriam piso abaixo.

Atendido em estado de choque e em semiconsciência, foi levado para a Santa Casa, o hospital referência do MS em casos de traumatismos neurológicos, segundo informa a central de regulação do SAMU. Apesar de toda a modernização anunciada pelo governo estadual, o HR está fora deste circuito.

Ao chegar ao hospital ao mesmo tempo em que o Samu, a mulher do acidentado, S.R., encontrou o instalador vomitando e ainda sem enxergar.

E dos dois olhos, porque em 1998 o instalador sofreu um primeiro e grave acidente de trabalho, perdendo tragicamente o a visão esquerda, quando um prego penetrou o seu o olho.

Esposa relata alta inesperada

Sem poder entrar na emergência, a esposa foi informada que o neurocirurgião havia marcado uma avaliação por volta das 21horas do mesmo dia, para depois decidir-se pela alta, ou não – a chamada observação, comum em traumatismos cranianos semelhantes.

Mas, repentinamente , segunda a mulher, uma enfermeira lhe disse que a alta fora antecipada para 18 horas. Nervosa com a decisão, ao tentar saber o motivo, S.R. conta que não obteve resposta. E o marido ainda não enxergava dos dois olhos.

A mulher explicou o que aconteceu: “Quando ia dar umas 05.40h da tarde, uma enfermeira veio e falou bem assim para mim “cadê a roupa dele, pra levar ele embora?”  e  eu falei como? se a alta só ia ser só a partir das 21 horas, mas aí ela falou que o neuro tinha liberado ele e que era pra eu levar ele embora. Nós receamos porque ela já enxerga só de um lado”.   

O médico não chegou a conversar com a esposa do trabalhador,  pessoalmente.

Na manhã seguinte, ao ir a seu oftalmologista particular, e voltar à clínica particular do próprio neurologista que o atendeu, R.R. descobriu que precisava passar por uma bateria de novos exames, também particulares.

E assim descobriu como funciona o lado de fora do SUS.

Reportagem encontra casal no estacionamento da Santa Casa

A reportagem encontrou a família nesta quarta-feira à tarde, dentro do carro do casal, no estacionamento da Santa Casa. Contado no relógio, foram pouco mais de 48 horas depois do grave acidente.

Acompanhados da filha pequena, o casal foi buscar exames para encaminhar para a empresa privada que faria uma ressonância, apesar da Santa Casa manter contrato com a AFIP, para a realização de exames por imagem pelo SUS, desde 2010.

Com uma tomografia em mãos, o casal seguiu para a clínica particular neurocirurgião que o havia atendido na Santa Casa, mas a diferença agora estava no preço, R$ 150,00.Dali, a previsão era rumar para clínica de ressonância e mais outra para fazer o eletroencefalograma que a Santa Casa não fez, apesar de dispor do serviço, segundo o SUS.

R.R. ainda enxergava embaçado.

Neurologista encaminhou paciente para a sua clínica

O giro pelas clínicas privadas que se abastecem de pacientes que não encontram tratamento pelo SUS nos hospitais públicos do MS começou com uma anotação, à mão, no verso da receita que R.R recebeu ao sair da Santa Casa, dia 16.

Segundo o ministério da Saúde, o procedimento fere a lei do SUS, mas a sua assessoria prometeu maiores esclarecimentos sobre o caso ainda hoje. A mesma posição adotou a assessoria da Santa Casa, que garante que hoje responde às perguntas do Midiamax.

Enquanto isso, R.R. não entende como foi possível ter sido tratado inteiramente pelo SUS em 1998 e, 14 anos depois, ter que recorrer às clínicas privadas para completar seu tratamento público.

“Em 98 eu fiz tudo pelo SUS, quando eu perdi a vista fiz a reconstrução, aí fui encaminhado e fiz transplantes de córnea, deu rejeição, fiz tudo pelo SUS, aqui mesmo na Santa Casa”, explica ele.

E acrescenta: “Eu acho que poderia ter sido feito tudo aí, tem casos em que as pessoas fazem tudo por aqui, mas se for esperar leva muito tempo, agora estou de particular para ver se resolvo logo isso, porque eu quero voltar a enxergar”.

Depois da resposta da Santa Casa a essa reportagem, e a do ministério, a reportagem vai procurar o neurocirurgião para ouvir o que ele tem a dizer, se quiser se manifestar.