Comissão pretende combater fechamento de baías no Pantanal

Uma comissão formada por diversos segmentos da sociedade civil pretende combater uma prática que vem sendo cometida há anos por fazendeiros do Pantanal, principalmente na região do Caronal. Trata-se do fechamento das baías do rio Taquari. O turismólogo Ariel Albrecht explica que essas baías enchem na época das chuvas, formando grandes lagoas, onde existem milhares […]

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Uma comissão formada por diversos segmentos da sociedade civil pretende combater uma prática que vem sendo cometida há anos por fazendeiros do Pantanal, principalmente na região do Caronal. Trata-se do fechamento das baías do rio Taquari.

O turismólogo Ariel Albrecht explica que essas baías enchem na época das chuvas, formando grandes lagoas, onde existem milhares de peixes. “Com a seca e, consequentemente, a baixa do rio, a água volta a percorrer seu curso normal, assim como os peixes”, exemplifica.

Porém, fazendeiros estão fechando essas baías e causando a morte de toneladas de peixes por asfixia, conforme denúncia de Albrecht. “O nível de oxigênio começa baixar de acordo com que a água vai secando”, relata.

Com essa prática os peixes não desovam, pois é em dezembro e janeiro que a maior parte dos cardumes deixa as baías para desovar. Mesmo que a baía não seque e os peixes não morram, eles acabam perdendo o tempo de desova, rompendo o ciclo reprodutivo.

Segundo o turismólogo, que trabalha na área, essa prática provoca um grande desequilíbrio ambiental, afetando não apenas a biodiversidade do Pantanal, mas também as comunidades ribeirinhas que dependem deste ciclo para sobreviverem.

“A indignação tem sido manifestada há anos pelos pescadores e população ribeirinha da região. Os pescadores usam as baías do Caronal para pescarem, normalmente iscas, e sabem da importância dela como maternidade para a fauna aquática do Pantanal”, enfatiza.

Relatos de diversos pescadores dão conta de que são oito fazendas que fecham sete baias. Essas práticas acontecem desde os anos 70 e a cada ano são renovadas, com isso, o pescado passa a ficar cada vez mais escasso. “Não são os pescadores que o escasseiam, mas o fechamento dessas baías, praticados pelos grandes latifundiários do Pantanal. Essas pessoas se utilizam do poderio político e econômico sobre políticos para ficarem impunes”, frisa Albrecht.

O turismólogo acusa ainda esses fazendeiros de gerarem documentos tendenciosos, como laudos, perante órgãos estaduais e federais, que deveriam proteger o meio ambiente, para legitimarem suas ações. “Somente o MPF (Ministério Público Federal) e a Polícia Federal podem impedi-los, porque nas instâncias municipal e estadual eles sempre ganham”, relata.

Essas práticas são feitas principalmente quando a pesca fecha, no início de novembro. Os fazendeiros fazem uso de dragas e a areia vai sendo despejada no interior de uma trincheira, na própria boca das baias. São sacos cheios de areia que vão sendo enfileirados formando muros com um pequeno corredor no meio. É neste corredor que é injetada a areia, até encher tudo e interromper a entrada total de água.

DADOS ALARMANTES – Especialistas no assunto estimam que 99,8% dos peixes que morrem no rio Taquari são por causa do fechamento de baías. Somente 0,02% morrem pelos anzóis e redes de pescadores. “Os fazendeiros culpam os pescadores pelo escasseamento do pescado, quando na verdade eles não pegam nem meio por cento do total de pescado que a bacia produz. O restante é morto asfixiado nas baías para dar lugar às pastagens de latifúndios de 50 a 60 mil hectares sem nem sequer aproveitarem a carne do peixe, que morre e apodrece”, conta.

O resultado é que os pescadores, amadores e profissionais, deixam de fisgar esses peixes. “Como se não bastasse, cerca de 3 mil pessoas, ligadas ao turismo de pesca, são prejudicadas para a proteção de meia dúzia de latifundiários ávidos por lucros no Pantanal”, desabafa.

MILÍCIA – Albrecht conta que em expedições que realizou nos anos de 2005, 2007 e 2008, constatou milícias armadas fazendo a revisão das bocas das baías várias vezes ao dia. Evitando que os pescadores, na ânsia de salvarem os peixes, abram as bocas fechadas e libertem os peixes que estão agonizando. Conforme o turismólogo, os fazendeiros alegam que o rio Taquari e suas baías são um desastre ambiental.

“Eles dizem que essas baías inundam suas terras, fazendo-os perder parte de suas pastagens que, apesar de pequenas, não se pode abrir mão e por isso os fecham. Os fazendeiros alegam ainda que estejam fazendo uma ação de “recuperação de área degradada”, quando na verdade estão cometendo um crime ambiental”, afirma.

Entretanto, o coordenador-técnico do Cointa, Nilo Peçanha Coelho Filho, afirma que muito antes dos anos 70 a região do Caronal sofria com os fenômenos naturais inerentes ao habitat pantaneiro.

Nilo explica que vários mapas e livros, assim como relatos antigos, mostravam a referida área como suscetível a grandes ciclos de cheias, secas e inúmeros bancos de areia, ora tornando a navegação um martírio, ora abreviando-a de forma espantosa.

Para o coordenador, isso mostra que a área ocupada hoje, tida pelos fazendeiros como um desastre ecológico, desde sempre possuía estas características que são nada mais do que simples fenômenos naturais do bioma Pantanal.

PMA – Há semanas, a Comissão vem se reunindo para debater a gravidade do caso e buscando ajuda nos órgãos de fiscalização para combater este crime. No dia 20 de março, representantes se reuníram com o comandante da PMA (Polícia Militar Ambiental), capitão Edmilson Oliveira da Silva.

Na oportunidade, os representantes cobraram ação efetiva no sentido de coibir o crime. O capitão informou que não vê tal ação como problema ambiental, pois ao fecharem as baías estão preservando a vegetação. Para Oliveira, a prática deve ser encarada como recuperação de áreas degradadas e, desta forma, os fazendeiros estariam fazendo um bem para o Pantanal.

Segundo a comissão, uma equipe da PMA, comandada pelo capitão, esteve no Caronal entre os dias 02 e 06 deste mês, onde confirmou a ação, inclusive com pescadores de testemunhas. No entanto, até o momento nenhuma atitude, no sentido de punir os responsáveis, foi tomada.

Os representantes também pediram uma cópia das fotos tiradas no local pela PMA, assim como vídeos e coordenadas de GPS, mas Oliveira não forneceu, afirmando que os dados foram produzidos com outra finalidade.

COMISSÃO – É composta por integrantes do Cointa (Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Taquari), da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil), da Colônia de Pescadores, monitores ambientais, acadêmicos, entre outros.

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