Cláudio Guerra convidou para escrever livro repórter que quis matar nos anos 80
O então repórter do Jornal do Brasil em Vitória (ES) Rogério Medeiros tinha acabado de pegar na escola o filho Apoena, 5 anos, quando percebeu que seu Fusca estava sendo seguido por um carro preto. Logo teve certeza porque sempre que acelerava e freava o carro suspeito fazia o mesmo e tentava ultrapassá-lo de maneira […]
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O então repórter do Jornal do Brasil em Vitória (ES) Rogério Medeiros tinha acabado de pegar na escola o filho Apoena, 5 anos, quando percebeu que seu Fusca estava sendo seguido por um carro preto. Logo teve certeza porque sempre que acelerava e freava o carro suspeito fazia o mesmo e tentava ultrapassá-lo de maneira agressiva. Mandou Apoena se deitar no chão, atrás; com o veículo preto na cola, aproximou-se de um cruzamento com o sinal amarelo, e avançou quando ficou vermelho. Ouviu o buzinaço, mas pai e filho escaparam por pouco de uma batida e da perseguição.
Rogério sabia bem por que estava sendo seguido. Havia algum tempo, vinha fazendo, para uma reportagem, o levantamento dos homicídios cometidos pelo delegado Cláudio Guerra, todo-poderoso policial no Estado, conhecido pela violência.
No dia seguinte, o jornalista ousou ir ao gabinete de Cláudio Guerra. “Delegado Guerra, tenho certeza de que o sr. me faria um favor, já que descobre tudo neste Estado: fui seguido ontem e tenho certeza de que só uma pessoa poderia ter determinado isso. Já deixei documentos em diferentes lugares e no Jornal do Brasil com o nome dessa pessoa, a única possível interessada em minha morte”, afirmou.
Parou de ser seguido. Dias antes, o filho Apoena já atendera a ligação em que um homem prometeu matar seu pai.
As reportagens do Jornal do Brasil foram publicadas pouco depois, expuseram a participação de Guerra em grupo de extermínio e provocaram a federalização da investigação dos crimes, atraindo a imprensa nacional foi ao Espírito Santo. De cerca de 40 “autos de resistência”, Rogério conseguiu demonstrar que ao menos 35 tinham sido execuções, sem reação da vítima.
O delegado acabou sendo excluído da Polícia Civil e depois condenado a 42 anos pela tentativa de homicídio do contraventor Jonathas Bulamarque e a 18 pelo assassinato da mulher, Rosa Maria Cleto e da cunhada, Glória Maria Cleto – atualmente cumpre prisão domiciliar. Desde então, o fundador do PT no Espírito Santo Rogério Medeiros foi vice-prefeito de Vitória e secretário da Casa Civil e de Fazenda, homem-forte do governador Vitor Buaiz
Em 2009, o jornalista recebeu um telefonema de uma advogada convidando-o para uma conversa com Guerra. Encontrou-o em um hospital e o delegado gordo era um senhor frágil e magro. “Levei um susto: estava um palito, com aquela roupa de presidiário.”
Rogério ficou ainda mais surpreso com a proposta que ouviu. “Quero entregar minha vida para você escrever um livro.” Contou, então, que atuara como “matador” para os grupos de repressão política durante a ditadura.
Os depoimentos de Guerra a Rogério e ao jornalista Marcelo Netto estão sendo publicados no livro “Memórias de uma guerra suja”. O ex-delegado afirma ter participado dos assassinatos e do desaparecimentos de presos políticos, de reunião para tramar a morte do delegado do Dops-SP Sérgio Paranhos Fleury, de tentativa de assassinato do jornalista Alexandre Baumgartem e do governador Leonel Brizola, além do atentado do Riocentro.
Rogério Medeiros disse que não se permitiu levar pelo jeito cativante e “sedutor” de Guerra. “Mantive o tempo todo a relação repórter/fonte. Mas avisei e disse claramente a ele: “Para mim, você é um criminoso. Meu objetivo é contar a vida de um criminoso”, afirmou, ao iG, aos 76 anos de idade.
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