Brasiguaios temem retaliação de Dilma ao Paraguai depois do impeachment

Na comprida mesa ocupada por imigrantes brasileiros numa churrascaria da capital paraguaia, Assunção, só um assunto gerava reações mais apaixonadas que o debate sobre quem venceria a final da Copa Libertadores: a perspectiva de que o Brasil adote sanções contra o Paraguai devido ao impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo, na sexta-feira. Na tentativa de […]

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Na comprida mesa ocupada por imigrantes brasileiros numa churrascaria da capital paraguaia, Assunção, só um assunto gerava reações mais apaixonadas que o debate sobre quem venceria a final da Copa Libertadores: a perspectiva de que o Brasil adote sanções contra o Paraguai devido ao impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo, na sexta-feira.

Na tentativa de evitar a destituição de Lugo, a presidente Dilma Rousseff afirmara horas antes que havia “previsão de sanções” aos países que não cumprissem “os princípios que caracterizam uma democracia”. Disse ainda que a transgressão das regras democráticas poderia resultar na “não participação nos órgãos multilaterais”, ou seja, na expulsão do Paraguai do Mercosul e da Unasul.

“Antes de falar bobagem, ela deveria pensar em quantos brasileiros moram aqui”, diz o pecuarista paranaense Rui Rosa, que vive no Paraguai desde 1982. Segundo ele, a fala da presidente reforçou entre os paraguaios a visão de que o Brasil age de forma imperialista com o vizinho, ditando-lhe o que é certo e o que é errado. “Cada comentário desses piora ainda mais nossa imagem”, afirma. “Quando cheguei aqui, os brasileiros eram bem vistos. Hoje, o paraguaio gosta mais dos argentinos do que de nós”.

Apesar dos esforços de Dilma e de outros líderes sul-americanos, Lugo foi derrubado ao fim de um julgamento iniciado pelos parlamentares na quinta-feira. No sábado, o Itamaraty divulgou nota em que condenou “o rito sumário de destituição do mandatário do Paraguai (…), em que não foi adequadamente assegurado o amplo direito de defesa”. Segundo o órgão, “medidas a serem aplicadas em decorrência da ruptura da ordem democrática no Paraguai estão sendo avaliadas com os parceiros do Mercosul e da Unasul, à luz de compromissos no âmbito regional com a democracia”.

Para Rosa, porém, o impeachment de Lugo foi benéfico para o Paraguai e para os “brasiguaios”, como os imigrantes brasileiros são conhecidos por lá. Estima-se que no Paraguai haja 400 mil brasileiros (entre nascidos no Brasil, seus filhos e netos), que começaram a migrar para o país vizinho nos anos 1960 e 1970 para trabalhar como agricultores. Donos de grandes propriedades num país em que 2% da população controla 80% das áreas férteis, o grupo é contestado por trabalhadores sem-terra, que se dizem preteridos em seu próprio país.

Segundo Rosa, Lugo aguçou a animosidade entre os grupos ao estimular invasões. Além disso, ele afirma que o ex-presidente “criou um sentimento de que os brasileiros são ladrões de energia”, referindo-se à renegociação do acordo de Itaipu conduzida por ele. As tratativas resultaram na triplicação do montante pago anualmente pelo Brasil ao Paraguai pela energia gerada na usina binacional.

Isolamento e má gestão

Há 17 anos no Paraguai, o empresário paranaense Lindor Kubitz também condena possíveis sanções ao país. “Tirar o Paraguai do Mercosul é uma bobagem. A Dilma só ouviu o Lugo, agora tem que ouvir o outro lado”. Segundo ele, o ex-presidente estava isolado e fazia uma péssima gestão. “O governo parou, o Congresso o boicotava e nem o Exército estava ao seu lado”, diz. Também sentada à mesa, sua esposa, Kelly, ecoa uma das queixas do pecuarista Rosa: “Ele (Lugo) sustentava os carperos (sem-terra)”.

Há uma semana, 18 pessoas – entre policiais e sem-terra – morreram durante a reintegração de posse de uma fazenda próxima à fronteira com o Brasil. O conflito foi uma das razões citadas pelos congressistas para destituir Lugo. Apesar da violência no campo, o casal diz que o Paraguai está mais estável hoje do que quando chegaram. Eles lembram a convulsão social que antecedeu outro impeachment, o do presidente Raúl Cubas, em 1999. “Naquela época, ficamos uma semana trancados em casa”, diz Kelly.

Credibilidade em risco

Mas nem todos os brasiguaios na churrascaria aprovaram a queda de Lugo. O dono do restaurante, o também paranaense Valdinarte Cardoso, diz que a rapidez com que ela se deu “afetou a credibilidade do Paraguai”. “Um país que tira um presidente em 48 horas pode tirar uma multinacional em 24”, afirma “dom” Cardoso, como é chamado por seus empregados. “O mandato dele terminaria no ano que vem, poderiam ter esperado”.

No Paraguai há 26 anos, Cardoso tem, além do restaurante, seis empresas no país, com 360 funcionários. Ele afirma que Lugo “fez um grande favor ao Paraguai ao não atrapalhar o crescimento da economia”. Nos últimos três anos, o PIB paraguaio teve algumas das maiores taxas de crescimento entre países da América Latina. Segundo ele, o impeachment interrompeu um círculo virtuoso no país.

Cardoso diz, porém, que os avanços nos últimos anos justificam que o Paraguai seja visto com outros olhos pelos brasileiros. “É fácil falar mal do Paraguai, mas enquanto no Brasil leva oito anos para o governo tirar invasores de uma fazenda, aqui leva 35 dias”. A conversa é interrompida para que ele dê uma bronca num churrasqueiro paraguaio. “Todo dia tenho que falar a mesma coisa: quando vocês vão aprender a tirar a carne no ponto certo?”.

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