Bastos diz que STF faz flexibilizações perigosas no mensalão

Após ver seu cliente condenado pelo crime de gestão fraudulenta, o advogado Márcio Thomaz Bastos afirmou nesta quinta-feira que o Supremo Tribunal Federal (STF) está cometendo flexibilizações perigosas em regras garantistas, corrente do direito que zela pelas garantias do réu. Para o ex-ministro da Justiça, a mudança de interpretação dos ministros em algumas questões – […]

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar

Após ver seu cliente condenado pelo crime de gestão fraudulenta, o advogado Márcio Thomaz Bastos afirmou nesta quinta-feira que o Supremo Tribunal Federal (STF) está cometendo flexibilizações perigosas em regras garantistas, corrente do direito que zela pelas garantias do réu. Para o ex-ministro da Justiça, a mudança de interpretação dos ministros em algumas questões – como na condenação por corrupção – pode ter uma “preocupante” influência em juízes de primeira instância e no Ministério Público.

“Eu acho que o Supremo está flexibilizando certas regras garantistas. Eu acho perigoso, está mudando a interpretação do ato de ofício (ato praticado por um servidor público dentro das atribuições da função). Eu acredito que isso seja alguma coisa que joga para trás a tradição garantista do Supremo. É uma coisa que varia. Pode acontecer neste caso e pode não acontecer nos casos seguintes, mas me preocupa a flexibilização que possa ter nos juízes de primeira instância, no Ministério Público, nas instâncias inferiores. Porque nós todos queremos um direito penal justo, um direito penal que puna o culpado e absolva o inocente”, disse Thomaz Bastos.

Antes de votar para condenar três réus ligados ao Banco Rural, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, fez uma espécie de prestação de contas do julgamento, negando que o tribunal tenha se desprendido de seu caráter garantista. Ministros do Supremo concordaram que não houve mudança de interpretação sobre o ato de ofício para a condenação por corrupção passiva, embora os advogados afirmem que deveria ser provada uma atitude do réu que ocupa função pública para que exista o crime. “O ato de ofício é o ato do ofício da função, e esse ato pode ocorrer da infração e da omissão. Pratica-se o delito tanto por ação como por omissão”, afirmou o ministro Ayres Britto.

O ministro Joaquim Barbosa discordou da necessidade de se prestar contas pelo julgamento e disse ter sido generoso com a defesa, apesar de só ter votado pela absolvição de um réu até agora. “Os atos, alguns deles, eu poderia qualificar de muito generosos na perspectiva do processo legal. Por diversas vezes houve situações que réus deixaram de praticar um ato e eu mandei repetir. Réus deixaram de indicar testemunhas, e eu mandei que renovassem os endereços para que os atos pudessem ser praticados renovadamente. Nas alegações finais, o MP teve um mês para apresentar as alegações finais, as partes, os réus tiveram quase 3 meses. Ministério Público observou o prazo sem contar o recesso. Os réus tiveram os prazos contados somente a partir de agosto. Portanto eu gostaria que vossa excelência tivesse esses fatos em conta na espécie de prestação de contas que vossa excelência está fazendo”, disse.

O mensalão do PT

Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.

Conteúdos relacionados