Após caçada, internautas pedem que Juan Carlos deixe WWF

Organização diz estar perdendo ‘numerosos’ membros; críticos já falam em abdicação

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Organização diz estar perdendo ‘numerosos’ membros; críticos já falam em abdicação

Após cair, fraturar o quadril e precisar ser operado, o rei da Espanha se tornou alvo da ira de espanhóis e estrangeiros, ao se saber que ele sofreu o acidente ao participar de uma caça a elefantes em Botsuana. Um hobby caro, especialmente para o mandatário de um país em crise da dívida pública, e duvidoso para alguém que ocupa, na Espanha, o cargo de presidente de uma das mais representativas organizações de defesa do meio ambiente — o Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Apenas um site reuniu 60 mil assinaturas pedindo a cabeça de Juan Carlos I enquanto membro da organização.

“Estamos falando de um dos fundadores da WWF na Espanha. É um incidente que tem um dano potencial à nossa imagem, mesmo a caça de elefantes sendo legal e regulada em Botsuana. Nunca tivemos um caso assim antes”, diz Oscar Soria, porta-voz da WWF Internacional, ainda contabilizando o número de e-mails, telefonemas, comentários e mensagens privadas no Facebook, tuítes, “em inglês, espanhol, português”.

A WWF, que tem mais de 5 milhões de apoiadores em todo o mundo, reconhece que a caça esportiva é controversa mas não é inflexível, entendendo que a prática pode ser liberada caso haja provas claras de que é benéfica para o meio em questão. O problema é explicar como uma organização de defesa do meio ambiente mantém entre seus quadros alguém que posa para fotos com uma espingarda junto a um animal morto, como se esse fosse um troféu.

Numerosos sócios têm pedido desligamento da WWF, que divulgou nesta segunda-feira a carta enviada ao rei cobrando, respeitosamente, explicações. Além disso, “dezenas de milhares de pessoas”, diz o texto, “se manifestaram por meio de diferentes plataformas digitais para protestar e pedir que Sua Majestade, o Rei, não continue ostentando a presidência de honra da WWF Espanha.”

Mais cedo, uma recolha de assinaturas foi iniciada no site Actuable. A petição é pela renúncia de Juan Carlos I a seu cargo na organização ambiental, que ocupa desde que ela foi fundada na Espanha, em 1968. Até o início da noite desta quarta-feira, já contabilizava 60.710 das 70 mil firmas esperadas.

Diante das reações, a WWF solicitou uma reunião urgente com o monarca para discutir o assunto e lhe transmitir as manifestações que recebeu. E também para demiti-lo?

“Estamos esperando a reunião. Não é uma questão que possamos responder agora, já que não tivemos a chance de falar com o rei ainda” diz Soria.

‘Não lhe desejo pronto restabelecimento’, diz Brigitte Bardot

O rei havia desembarcado na segunda-feira em Bostuana. Na sexta-feira, sofreu uma fratura no quadril ao tropeçar na residência em que se hospedava. De volta à Espanha, foi internado no Hospital San José, em Madri, que informou que o paciente se se recupera de maneira positiva e já caminha e se levanta sozinho, usando muletas. Mas, se depender dos votos da renomada atriz francesa Brigitte Bardot, Juan Carlos I não terá saúde para voltar tão cedo às caçadas:

“Eu não lhe desejo um pronto restabelecimento se isso vai lhe levar a continuar com suas estadias assassinas na África ou em outros lugares”, disparou Brigitte em uma carta aberta. “É indecente, revoltante e indigno de uma pessoa do seu nível. Você não é melhor do que os caçadores ilegais que pilham e saqueiam a natureza, você é a vergonha da Espanha” diz o texto.

Nesta terça-feira, a Igualdad Animal realiza um protesto em frente ao Hospital San José contra as caçadas. A ONG tem escritórios em cinco países e 140 mil seguidores no Facebook e afirma ser contrária à caça mesmo legalizada — como é o caso em Botsuana, onde há um planejamento para que os animais não superem a capacidade das áreas de proteção e causem problemas para a população.

“Vamos fazer uma manifestação pacífica pedindo para que o rei se coloque na condição dos animais”, diz o porta-voz da organização, Javier Moreno.

Urso embriagado

O caso do elefante não é o primeiro que suscita críticas ao hobby do rei Juan Carlos I. Em 2006, o jornal russo “Kommersant” divulgou a informação de que o espanhol participou de uma caça a urso junto com o então presidente da Rússia, Vladimir Putin. Para facilitar, o animal teria sido embriagado ou drogado. A Casa Real desmentiu a reportagem.

“Sempre houve críticas (à posição do rei sobre as caçadas). Mas o movimento de defesa dos direitos dos animais é cada vez maior e cada vez mais pessoas estão conscientes de que é injusto caçar”, diz Moreno, sobre as razões para a reação expressiva desta vez.

Em seu comunicado, a WWF lembrou que atua em diversas frentes pela proteção e defesa do meio ambiente, inclusive em programas pelos elefantes da África e da Ásia.

“A WWF reitera seu compromisso com a preservação de elefantes, o que tem feito há 50 anos, lutando contra a caça ilegal, o tráfico ilegal de marfim e a destruição de habitats, não apenas em países como Botsuana onde a população de elefantes agora alcançou o número de 130 mil e onde a caça é regulada, como em outras nações da África e da Ásia onde as populações estão ameaçadas”, afirmou a organização em um comunicado.

Opositores e jornalistas pedem abdicação

Segundo a Casa Real, a viagem a Bostuana, ao custo de 45 mil euros não saiu dos cofres do Estado, dos quais o monarca recebe, a cada ano, 140 mil euros de salário e outros 152 mil para gastos. Entende-se, então, que foi convidado. Se foi este o caso, por quem? Por quê? As perguntas crescem. E arranham a imagem da monarquia espanhola, desta vez, definitivamente ferida: a palavra “abdicação” começa a ser ouvida no país, já abalado pelo suposto envolvimento do genro do rei Juan Carlos em um escândalo de desvio de dinheiro público.

Jornalistas e políticos já sugerem que o rei abandone o trono, algo que Juan Carlos sempre deixou fora de cogitação. Para ele, a morte é o único motivo para acabar com um reinado. O primeiro a falar em renúncia foi Tomás Gómez, secretário-geral do Partido Socialista de Madri: 
“Chegou a hora em que o chefe de Estado cogite escolher as obrigações da responsabilidade pública ou a abdicação, que lhe permitirá desfrutar de uma vida diferente”.

Pouco a pouco, outros socialistas se manifestaram. Jaume Collboni, porta-voz do Partido Socialista da Catalunha, exigiu uma desculpa pública do monarca, além de maior transparência e sensibilidade. Mas, disse que não era oportuno falar de abdicação ou abrir um debate sobre modelo de Estado. Alfredo Pérez Rubalcaba, secretário-geral do PSOE, afirmou compreender a postura crítica dos espanhóis diante da viagem do rei a Botsuana, mas disse que reservaria sua opinião para dá-la diretamente ao monarca, uma pessoa compreensiva e que sabe escutar e distinguir quando faz algo bem ou mal, segundo Rubalcaba, e com quem ele pode pode falar com clareza e sem medo.

“O PSOE nunca comenta a agenda particular do chefe de Estado, nem quando gostamos nem quando não gostamos. Por responsabilidade institucional, tampouco vamos comentá-la agora”, ponderou a vice-secretária geral do partido, Elena Valenciano.

Governo e Casa Real têm versões distintas

No País Basco, a Esquerda Unida foi além do pedido de abdicação. O senador do Partido Nacional Basco (PNV) Iñaki Anasagasti acusou o PSOE e o Partido Popular (PP) de encobrirem as atividades do rei. Na Catalunha, a Esquerda Republicana apresentou 30 perguntas na Câmara dos Deputados — incluindo dúvidas sobre se o presidente do governo, Mariano Rajoy, sabia do tour africano. A pergunta ecoou em outros partidos. A porta-voz do UPyD, Rosa Díez, exigiu desculpas:
“O que o rei fez não é ético, nem moral, nem responsável, nem respeitoso. Ir para a caça enquanto o país sangra por causa da crise política, econômica e social, é um fato que, sem dúvidas, trará consequências políticas.”

A Casa Real afirma que o presidente do governo foi informado sobre a viagem do rei a Botsuana, e também comunicou à Embaixada da Espanha na Namíbia (já que o país não tem representação diplomática em Botsuana) encarregada da segurança do monarca. Já o Executivo afirma, segundo o jornal “El Mundo”, que só soube da ausência do monarca na última segunda-feira, quando Juan Carlos cancelou a reunião semanal com Rajoy. Na saída do hospital onde o rei está internado, ele não tocou no assunto — limitou-se a informar que Juan Carlos estava animado para voltar o quanto antes às suas funções.

O furacão que promete deixar marcas nestes quase 37 anos de reinado de Juan Carlos I chega em meio a outra polêmica: a de que o neto mais velho do rei, Felipe Juan Froilán, de apenas 13 anos, costuma praticar tiros com uma escopeta de calibre 36 e acabou se ferindo há poucos dias.

“Essas coisas sempre acontecem com as crianças”, minimizou a rainha Sofia ao visitar o jovem que, operado, teve alta ontem.

A infanta Elena concordou:

“Os filhos sempre nos dão sustos.”

É possível que o pai de Felipe, Jaime de Marichalar, que se divorciou da infanta em 2007, tenha que prestar declarações na Guarda Civil, onde foi aberta uma investigação para esclarecer as causas e a responsabilidade do acidente. Quando se feriu, o garoto estava acompanhado do pai, que poderia ser multado entre 300 euros e 6 mil euros por permitir que Felipe manipulasse uma escopeta. O regulamento de armas de fogo da Espanha estabelece que a idade mínima para usar este tipo de arma é de 14 anos, desde que haja a devida licença.

Para agravar ainda mais a situação, a Espanha apresentou ontem o texto do anteprojeto da Lei de Transparência e Bom Governo, sob severas críticas na Espanha por, entre outros motivos, deixar de fora a Casa Real.

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