Pecuaristas e peões fazem trabalho do governo na região do Nabileque. A reportagem acompanhou o trabalho insano de pecuaristas e peões para salvar o gado em trecho alagado e sem do Fundersul

de tensão e inconformismo. Tensão porque, depois de medirem diariamente a subida do nível d’água do rio Nabileque e seus “braços”, pecuaristas e peões das comitivas, acampados ao lado do “bolicho” (venda) que fica no final da MS-195, resolveram fazer aquilo que seria dever do governo do estado realizar, através do Fundersul.

Inconformismo porque não foi uma só vez que reivindicaram ao Governo do Estado que fizesse obras para evitar o desastre anunciado, em vão, sem serem atendidos.

Por causa da omissão, na região conhecida como “ilha”, entre os rios Nabileque e Paraguai, eles mesmo começaram a reformar pontes cheias de buracos munidos de pregos, ripas, tábuas, disposição, coragem e muita solidariedade. É que as pontes se transformaram numa verdadeira armadilha mortal para o gado que, a todo custo, precisava deixar o lugar.

E não havia mais como retirar o gado em segurança porque o aterro de quatro quilômetros construído entre as pontes agora estava abaixo do nível das águas, que subia continuamente.

A urgência se devia porque a cheia do Pantanal desceu para o rio Paraguai, e transbordou para a “ilha”, que servia de pastagem dias atrás.  Daí a revolta pelo fato de pagarem cerca de R$ 4,00 por cabeça para o Fundersul e ficarem sem obras e ajuda, no meio do nada.

Na região, segundo os pecuaristas, existem cerca de 35 a 50 mil cabeças e o inconformismo vinha do fato de pagarem o imposto e não conseguirem que o governo estadual recuperasse o aterro ou ajudasse na travessia do gado.

Antes que a situação se agravasse ainda mais, boiadas e comitivas tinham que atravessar o aterro de qualquer jeito, inclusive as partes “toradas” (estouradas), como dizem os peões. Nadando, literalmente, na correnteza, cercados por barcos com outros peões vestidos com coletes salva-vidas, como se fossem bombeiros. As embarcações serviam para impedir que o gado vazasse pela correnteza ou para salvar peões que caíssem dos cavalos, embaixo da boiada, como ocorreu dias atrás.

Não era só. Na primeira leva de gado que saiu antes da peãozada reformar as pontes, bois, bezerros, novilhos e vacas com os cascos molhados escorregaram, quebraram ossos e, sem poder andar, foram sacrificados. Esse foi o mesmo destino dos animais que partiram um osso ao enfiarem a pata em alguma fresta das sem manutenção.

A única solução drástica foi sangrar os animais feridos e jogá-los no rio Nabileque porque não havia tempo nem para descarnar, segundo os pecuaristas. Animais perdidos e mortos estavam espalhados no trecho de quatro quilômetros do velho aterro, construído em 1988.

Para o pecuarista Breno Pereira explica que “a situação está complicada porque a gente está perdendo muito gado nessa ponte, desde quando o aterro “torô”. O governo deveria dar uma ajuda maior, aumentar o aterro na altura das pontes e resolver o problema de todo mundo, mas agora a gente está fazendo que pode, pra ver se tirar esse gado”.

A maior revolta dele é com a falta de retorno do dinheiro pago para o Fundersul. “O mundo de gado que tem aí, o mundo de Fundersul que eles arrecadam aí, e não arrumam a estrada direito, faz quantos anos que está assim o aterro. Vem a máquina e volta pra trás, não faz nada”, sentencia.

O pecuarista Nei Camargo Varela completa, dizendo que há um grande desgaste de todos. “O governo é inoperante, não dá atenção para a ilha do Nabileque, um lugar isolado, e o que mais agrava é que o governo sabe da situação, nós chamamos várias, muitas vezes, e ele não se mobiliza para ajudar. E tem pecuarista que está ilhado lá pra dentro”. É um desgaste financeiro, físico e emocional”.

Para o velho e calejado peão Aparecido Santos “a dificuldade é a água e o risco de morrer afogado”.  O condutor de boiada João Luiz contou que o risco de vida é grande. “Outro dia um pião quase morreu quando o burro com que ele vinha trabalhando no costado do gado tombou e o pião ficou debaixo do gado, só saiu dando um jeito de agarrar no rabo de uma vaca. A gente vem trabalhando, tem que fazer, e não vamos largar ninguém na mão, é tudo companheiro aqui”.

O técnico agrícola Borges Paliano, que trabalha para os pecuaristas e conhece bem a região, garante que já procurou o alto escalão do governo, mas não teve retorno. “Já procurei o responsável pelas obras, até uma secretária de governo, ficaram de ver e nem de deram retorno, não fizeram nada, mas a gente vai fazer porque tem que tirar o gado”.

A reforma que o governo não fez

Durante dois dias os peões pregaram tábuas e ripas uma depois da outra e em paralelo, formando um quadrado nas pontes, para evitar que os animais escorreguem. Depois disso ainda fixaram círculos feitos com pneus velhos sobre o “quadrado” para dar ao gado um ponto de apoio. E se não fosse a providência da contratação de barcos a motor, o gado vazaria para o rio morrendo afogado por fadiga.

A reportagem do Mediadas acompanhou a reforma voluntária das pontes e a saída do primeiro rebanho depois de concluído o trabalho. Foram 600 cabeças de um lote considerado pequeno, tocado por peões a cavalo e mais três barcos com dois homens cada.

A comitiva atravessou os quatro quilômetros com um trabalho extremamente nervoso, berrando muito com o gado que ameaçava desistir de sair das águas. O que antes era mato, agora servia de passagem para os barcos. O caminho foi aberto na marra, na ânsia de evitar perdas, mas não teve jeito.

O momento de maior tensão foi a retirada de um bezerro da fresta de uma ponte. Alguns peões e o pecuarista dono do gado pararam para salvar o bezerro, enquanto os outros continuaram em frente. Depois de alguns minutos, com a canela rasgada, o bezerro foi retirado da ponte mas, apavorado, saltou dentro do rio e nadou para longe.

Foi dramaticamente salvo pelos peões que estavam no barco em que a reportagem documentava em vídeo o trabalho da comitiva.

Quando o barco retomou a direção da comitiva, rasgando velozmente a vegetação, encontrou uma vaca em situação mais grave. O animal havia escorregado na ponte, quebrado a cadeira e teve que ser sacrificado.        

Empreiteiros se beneficiaram com o Fundersul

Quando foi proposto pelo governo Zeca do PT e convertido na Lei nº 1962/99, de 1999, pela Assembléia Legislativa, o Fundo de Desenvolvimento do Sistema Rodoviário do Estado de Mato Grosso do Sul era um tributo cobrado aos produtores rurais para a manutenção das estradas. Seu valor é calculado pelo transporte de animais e o de produção agrícola.

Até o ano de 2006, os recursos do Fundersul foram aplicados em equipamentos para a manutenção de estradas vicinais pela . No governo Puccinelli, além do aumento de alíquotas, o Estado doou as máquinas as empresas privadas.

O equipamento moderno havia custado aos cofres públicos cerca de R$ 150 milhões, mas a doação feita pela Agesul, dirigida à época por Edson Girotto, pactuou que as planilhas das empreiteiras tivessem custos mais baixos na medição das obras.

Ocorre que muitas obras federais realizadas pelo governo do MS, como o Midiamax já demonstrou, são comumente flagradas pelo TCU com superfaturamento. De qualquer forma, não há transparência do governo para que se saiba quais foram as empreiteiras beneficiadas e quais são as medições com desconto.

Em termos de orçamento, em 2010, arrecadação do Fundersul era estimada em R$ 182 milhões. Para 2011, a previsão é R$ 176 milhões. Cerca de 25% (R$ 44 milhões) devem ser destinados aos municípios, segundo o governo estadual.

Mas o fato é que associações de classe de produtores rurais e pecuaristas reclamam da falta de obras bancadas pelo Fundersul e muitos proprietários consertam as estradas vicinais com seus recursos e equipamentos, a exemplo do que acontece no Nabileque.

Produtores são chamados para cederem máquinas em Dourados

Um exemplo drástico da situação do Fundersul foi a reunião de produtores rurais com secretário de obras de Dourados, Jorge De Lucio, ocorrida em Dourados e região em março. Eles foram chamados com veemência a cede maquinário para os trabalhos de recuperação das estradas vicinais. Segundo o secretário, o município tem o maquinário necessário para fazer as obras

Por seu lado, surpresos e indignados, os produtores disseram que não dispõem do equipamento pesado para fazer as reformas das vicinais, e colocaram em dúvida a real aplicação do Fundersul.

Em Dourados, segunda maior cidade do MS, são 968 quilômetros de estradas vicinais, por onde escoa a produção agropecuária.