O Midiamax revela com exclusividade os bastidores do PS do maior hospital em atendimento do SUS no estado. Não há como atender a crescente procura por atendimento de urgência.

A Santa Casa, um hospital privado, mas sob intervenção do governo estadual e da prefeitura de Campo Grande desde 2005, está sob administração do poder público por mais de cinco anos e chegou ao limite. A situação extremamente crítica, vivenciada por milhares de cidadãos que não podem pagar por planos de assistência privados, está incontrolável.

Ontem, a reportagem passou parte da manhã dentro do pronto socorro de maior movimento no estado. O volume de atendimentos é tão alto que só até o dia 16, desse mês de março, haviam passado pela urgência 3.281 pacientes. O que dá uma média de mais de 6 mil pacientes/ mês, segundo dados da direção do hospital.

Pacientes com problemas mais comuns de saúde, ou politraumatizados em estado gravíssimo, trazidos por viaturas do SAMU, se avolumam em salas improvisadas pelos corredores do PS.

As salas atendem uma padronização do ministério da Saúde, que classifica as urgências em zonas divididas por cores que variam do pior estado clínico para o melhor – vermelho, amarelo e verde. Nessas salas, a crise de falta de vagas salta aos olhos.

Pacientes classificados como “sala vermelha”, às vezes inconscientes, que deveriam estar numa UTI completa devido à sua fragilidade clínica, lotam a Emergência. Nela, por exemplo, só há espaço para seis pacientes usarem o equipamento de intubação respiratória, no caso de problemas nos sistemas respiratório e cardiovascular ou em outros órgãos vitais. Mas ontem pela manhã, 14 pacientes graves ocupavam toda a sala.

Quando a situação se agrava pela falta de respiradores, os enfermeiros usam o “ambu”, um sistema manual que pode causar lesões eventuais nos pulmões.

“Não deveriam estar lá. Estão ali internados, provisoriamente, porque não tem leito disponível na UTI”, afirma o diretor técnico da Santa casa, Dr. Geraldo Marcos Faria.

Na verdade, os pacientes ficam retidos na Emergência porque a ala da UTI destinada ao SUS não tem leitos suficientes para a demanda, já que a Santa Casa centraliza atendimentos do estado inteiro, de convênios e também particulares.

PONTO CRÍTICO

Os pacientes da “sala vermelha” têm que esperar pelas vagas de quem sai da UTI, mas aí surge uma “trava” no sistema. Quem melhora na UTI precisa completar o tratamento na unidade chamada Centro de Terapia Intensiva, CTI, porque ainda depende de cuidados especiais. Mas 18 leitos de CTIs estão desativados, à espera de investimentos em reformas. Além disso, para que haja rotatividade de pacientes na própria CTI, a unidade requer salas do chamado “semi-crítico”, que acolhe o paciente quase recuperado. Mas a Santa Casa não dispõe de salas do “semi-crítico” e a fila não anda.

Assim, os pacientes ficam retidos na Emergência do PS até que surja uma vaga. E quando nem ao menos há possibilidade de internação na “sala vermelha”, acabam permanecendo nas próprias ambulâncias do SAMU, como o ocorrido ontem mesmo.

Uma declaração curta do diretor clínico da Santa Casa, Dr. Luiz Alberto Hiroki Kanamura, define a postura da diretoria do hospital. “Todos os nossos esforços para atender a demanda estão esgotados. Eu até abri a sala de cirurgia cardíaca para atender pacientes de clínica ortopédica”, garante.

Na sala do setor “amarelo” a situação é idêntica. Os pacientes ocupam todos os espaços porque não há leitos disponíveis para internação. E quando a própria sala fica pequena, as macas tomam os corredores. “Tem que internar, acolher, colocar macas nos corredores”, repete o Dr. Geraldo Faria.

Ainda restam os pacientes menos graves, em observação, retidos na “sala verde”, e mais uma vez a crise no atendimento é a mesma, no caso do SUS.

HOSPITAL PEDE TRANSFERÊNCIAS

Embora tenha 591 leitos disponíveis no momento, três vezes por dia a direção da Santa Casa envia relatório de pacientes na fila de espera para que sejam removidos para outros hospitais.

Ontem pela manha o Centro Estadual de regulação, órgão do governo do estado informou que precisava transferir 28 pacientes que aguardavam vagas nos corredores, 6 que esperavam por exames. E que na Sala de Emergência haviam mais outros 10 doentes graves. Ao lado da relação, um aviso: “Alguns pacientes necessitam cuidados de UTI, que não dispomos no momento, solicito providências de vagas”. No mesmo sentindo ouvimos um telefonema para o Secretário Municipal de Saúde Pública, Leandro Mazina Martins.

Os pedidos esbarram em dificuldades dos outros grandes hospitais do estado. O Hospital Universitário apresenta quadro semelhante ao da Santa Casa e o Hospital Regional, do próprio estado, que teoricamente deveria receber os investimentos públicos do SUS, tem serviços, alas, leitos desativados e equipamentos quebrados.

O Dr. Kanamura deu um exemplo da situação do HR:

– Há duas semanas, uma criança engoliu uma pilha e veio pra cá. A Santa Casa não tem endoscopia pediátrica, que é referência do Hospital Regional. A central de regulação deu a vaga no HR, mas logo depois cancelaram, porque o equipamento estava quebrado. A criança nem saiu daqui. Por sorte, a pilha era pequena e a criança pôs pra fora.”

VERBAS FEDERAIS

Para manter o atendimento o Hospital recebe, mensalmente do SUS, a quantia de R$ 5.700 milhões pelo uso de 591 leitos e a realização de 1.756 cirurgias em fevereiro, segundo a direção da Santa Casa.

Mesmo assim, no momento, não faz cirurgias eletivas, que são aquelas programadas para evitar o agravamento das doenças. Não há centro cirúrgico disponível e nem leitos. Se não conseguir tratamento, o paciente que precisa de uma operação volta ao SUS quando estiver com o quadro de saúde agravado, e entra no sistema pela porta da emergência, a vermelha.