O preço estimulante da soja está levando agricultores de vários Estados brasileiros a uma prática considerada arriscada. Eles estão abrindo mão da rotação de culturas, técnica recomendada para reduzir a proliferação de doenças e melhorar o solo, e voltam a semear o grão logo após a colheita da própria soja. A prática da segunda safra, ou safrinha com soja, já foi adotada com mais intensidade por produtores de Mato Grosso, mas também ocorre nos Estados de São Paulo e Paraná.

São utilizadas no cultivo variedades precoces para que a colheita seja feita antes de começar o vazio sanitário anual, período em que o grão não pode ser cultivado para facilitar o controle da ferrugem asiática.

No Estado de Mato Grosso, o vazio sanitário de 90 dias começa em 15 de junho. Até lá, a soja da segunda safra plantada pelo produtor Leandro Gazola, na Realeza, município de Sorriso, no médio norte, já terá sido colhida. Ele fez a semeadura de 500 hectares no dia 14 de fevereiro, no mesmo local em que colheu a soja de verão. “Foi máquina atrás de máquina.”

Plantio direto

No sistema de plantio direto, a plantadeira segue o rastro da colhedora para deixar no solo a semente da segunda lavoura. Normalmente, o grão plantado na safrinha é o milho, uma gramínea que tem papel importante para quebrar o ciclo de pragas e doenças de planta e de solo da lavoura anterior, no caso, a soja, da família das leguminosas.

Nos dois anos anteriores, Gazola já testou o plantio da safrinha de soja, mas em área menor. Desta vez, plantou uma variedade superprecoce e espera colher até o dia 15 de maio. “Já recebemos críticas por plantar fora de época, mas a verdade é que tem dado bom resultado”, diz o produtor.

Ele sabe que terá de fazer mais pulverizações na lavoura para controlar lagartas e a ferrugem, mas ainda assim espera ter um bom ganho. “No ano passado, fizemos quatro aplicações na safrinha, quando na safra normal são duas ou três. Se o preço continuar bom, esse custo adicional é absorvido.”

Opção pelo preço

Gazola não esconde que optou pela soja, em vez do milho, por causa do preço. No ano passado vendeu o milho, que tem custo de produção mais alto que o da soja, por R$ 7 a saca. Este ano, com o milho a R$ 13, ele ainda considera a oleaginosa uma cultura mais vantajosa. Em 2010, colheu 33 sacas por hectare na safrinha e vendeu por R$ 35/saca. Este ano, na região, o preço está em R$ 37. “Somado o ganho da safra de verão com o da safrinha, o resultado é excelente.”

Na região de Rondonópolis, no sul do Estado, alguns produtores também plantaram soja sobre soja. A Sementes Santa Carolina fez um plantio experimental numa área de apenas 20 hectares. “Nesta região, quando acaba a chuva, passam-se meses sem cair uma gota. Estamos experimentando para ver até onde a lavoura vai quando a chuva parar”, diz o diretor-comercial Luiz Sérgio Oliveira. Ele conta que foi usada uma variedade própria para o verão, com recomendação de plantio até 30 de outubro. “Plantamos no fim de janeiro para ver no que dá. Se vingar, passará a ser uma opção.” No Paraná, houve plantios no sudoeste.

São Paulo

Em São Paulo, a formação da nova lavoura ocorre sobre áreas cultivadas com feijão, planta da família das leguminosas, a mesma da soja. O produtor Edson Yoshimura, de Itapeva, plantou a safrinha pelo terceiro ano consecutivo. A soja, semeada nos últimos dias de dezembro, em 412 hectares, está com bom desenvolvimento. Ele espera colher, em abril, média de 49 sacas por hectare, a mesma do ano passado.

Na safra normal da soja, a produtividade média é de 62 sacas por hectare. O produtor não tem visto aumentarem os problemas sanitários. “Faço uma aplicação a mais contra a ferrugem.” Ele diz que no ano passado teve incidência de mosca-branca, mas este ano o inseto não apareceu. Não foi apenas por causa do preço que Yoshimura optou pela soja na safrinha, em vez do milho. “A soja resiste mais à seca e, como não irrigamos, o risco é menor.”

Custos

Ele levou em conta também o custo de produção. O do milho, considerando gastos diretos e indiretos, como o uso da terra e das máquinas, chega a R$ 3.096 por hectare. Já o custo da soja, nas mesmas condições, fica em R$ 1.904. O produtor espera que os órgãos de pesquisa desenvolvam variedades de sementes adaptadas para esse período do ano.

A expansão da soja safrinha no Estado preocupa o diretor-administrativo da Associação dos

Preocupação

Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja-MT), Carlos Fávaro. No ano passado, segundo ele, o cultivo atingiu entre 80 mil e 100 mil hectares. Como a colheita da safra atual atrasou, ainda não há dados confiáveis sobre o plantio este ano, já que o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) ainda não faz levantamentos da safrinha. “Não é uma boa prática. Embora nosso produtor seja bem tecnificado, a monocultura é perigosa, pois não quebra o ciclo das doenças”, diz o diretor.

O potencial para a proliferação da ferrugem é grande. “O fungo vai todo para essas lavouras.” O risco se estende à produtividade, diz Fávaro. “No ano passado, teve agricultor que colheu 40 a 45 sacas por hectare, mas também sei de produtores que colheram 10 sacas.”

Além de ter que evitar o vazio sanitário, o produtor usa sementes superprecoces para escapar de uma possível estiagem. “É um risco que o produtor corre por causa do preço, mas é desnecessário, pois ele pode optar pelo algodão, que também tem preço bom.”

Apesar de não recomendar, a Aprosoja não tem como impedir o plantio. “Nós orientamos e alertamos para os riscos.”

Para o agrônomo Vandir Daniel da Silva, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado em Itapeva, a sequência de oleaginosas na mesma área agrava os problemas de sanidade. “São lavouras da mesma espécie, embora o feijão não seja suscetível à ferrugem, e pode haver incidência maior de doenças. O agricultor terá desembolsar mais para fazer o controle.” O custo de fungicida quase dobra. “Temos alertado os produtores, mas o que tem pesado na decisão é o bom preço do grão.”

A pesquisadora Claudia Godoy, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Soja), vê riscos na lavoura fora de época e principalmente na sobreposição de plantios do mesmo grão. “Vai ter uma incidência maior de doenças, sobretudo da ferrugem, que se alastra mais no inverno.” Ainda que os agricultores respeitem o vazio sanitário, a intensificação do plantio da mesma variedade não é recomendada. “O produtor terá de fazer mais aplicações, aumentando a dependência do defensivo, já elevada. Não tem como fugir de três aplicações no mínimo.”

REAÇÕES

Vandir Daniel da Silva, agrônomo Cati/Itapeva

“A sequência de leguminosas, como soja e feijão, agrava os problemas de sanidade. Mesmo que o feijão não seja suscetível à ferrugem, pode haver incidência maior de doenças comuns a ambas e o produtor desembolsará mais. O custo de fungicida quase dobra. Temos alertado os agricultores, mas o que pesa na decisão é o bom preço da soja.”

Claudia Godoy, pesquisadora da Embrapa

“É arriscado plantar soja safrinha. Haverá incidência maior de doenças, sobretudo da ferrugem, que se alastra mais no inverno.”

Carlos Fávaro, diretor da Aprosoja-MT

“Plantar soja sobre soja não é bom. Embora nosso produtor seja tecnificado, a monocultura é perigosa, pois não quebra o ciclo das doenças.”

Para Entender

Vazio sanitário contra a ferrugem

O vazio sanitário – ou seja, um período do ano, pouco tempo após a safra de verão, em que é proibido, por lei, plantar soja – é uma estratégia de manejo para reduzir a presença do fungo Phakopsora pachyrhizi, causador da ferrugem da soja.

Com um ataque menos intenso no período vegetativo da soja, o número de aplicações de fungicidas também pode ser menor. Em Estados como São Paulo e Paraná, esse período começa dia 1.º de julho, mas Mato Grosso, o maior produtor de soja do País, antecipou a vigência em 15 dias.

O risco é o de que uma safrinha de soja estabeleça um elo favorável ao fungo em relação ao próximo plantio. Para a pesquisadora Claudia Godoy, da Embrapa/Soja, a quebra na rotação pode acarretar também aumento nas doenças de solo. “Os nematóides podem aumentar. Do ponto de vista da sanidade, a sobreposição da soja não é recomendada, pois não se quebra o ciclo das doenças. Em restos de culturas, alguns agentes permanecem ativos por até um ano e a defesa das lavouras pode se deteriorar.”