Desinformados e sem opção de escolha, pacientes do interior pagam por tratamento do SUS que é gratuito, de acordo com a lei, e são trazidos para Campo Grande em veículos oficiais para consultas e procedimentos médicos.

Exames, consultas e cirurgias são cobradas de pacientes de vários municípios do interior do MS, quando eles procuram atendimento pelo Sistema Único de Saúde em suas cidades. A prática ilegal, proibida pela Constituição da República, começa quando eles dão entrada nos postos municipais e depois são encaminhados pelas secretarias municipais de saúde para concluir o tratamento em hospitais e laboratórios privados de Campo Grande.

Como os hospitais regionais do interior, o Hospital Universitário, o Rosa Pedrossian e a Santa Casa estão permanentemente lotados, com falta de médicos, equipamentos e alas desativadas, os pacientes pagam com tudo o que for decorrente do seu tratamento.

O procedimento é tão rotineiro que se torna difícil quantificar quantos pacientes do SUS são atendidos gratuitamente, em obediência à lei, e quantos arcam por aquilo que é dever do estado e dos municípios.

 

As verbas do SUS são repassadas pelo Ministério da Saúde para cada cidade e a gestão e fiscalização do sistema é competência dos governos estaduais, como define o artigo 15º da lei 8.080, de 19 de Setembro de 1990, a lei que regulamentou o SUS.

Pela mesma lei, o setor privado participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e convênios de prestação de serviço, quando as unidades públicas de assistência à saúde não garantem atendimento à população. Mesmo no hospital privado conveniado, paciente do SUS não paga.

A lei 8.080 proíbe a cobrança de qualquer valor de pacientes do SUS, em geral pessoas carentes de baixo poder aquisitivo. O portal do SUS na define que “através do Sistema Único de Saúde, todos os cidadãos têm direito a consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas ao SUS da esfera municipal, estadual e federal, sejam públicas ou privadas, contratadas pelo gestor público de saúde”.

Vans e ambulâncias trazem pacientes diariamente para Campo Grande

Desavisados ou sem outra possibilidade, centenas de pacientes cruzam as estradas do MS em van e ambulâncias, fazendo uma verdadeira romaria por clínicas e hospitais privados de Campo Grande.

A reportagem do Midiamax conversou com dezenas de pacientes e de todos ouviu relato, semelhante, no caso de pagamento de consultas e exames.

Segundo os pacientes, o encaminhamento é feito através de pedidos das secretarias municipais de saúde à Central de Regulação de Vagas da secretaria estadual da Saúde, o que indicaria a participação do governo do estado na ilegalidade.

Quando partem para Campo Grande de madrugada, os pacientes já têm a indicação da secretaria de saúde para onde vão e quanto pagarão pelo seu atendimento. Chegam no início da manhã na capital e retornam do da tarde.

A reportagem esteve no eixo das cidades que ficam entre dois hospitais estaduais, o do Coxim e o Rosa Pedrossian. Como ambos não atendem a demanda, os pacientes da região norte são deslocados para os hospitais Evangélico, São Julião, Sírio Libanês, Proncor e clínicas de exames especializados, todos privados de campo Grande. Na própria Santa Casa, sob intervenção desde 2005, portanto pública, há paciente do SUS que pagou por consulta.

Esse é o caso de A.J.X. de 47 anos, que há três anos possui uma doença não diagnosticada. Pedreiro, ele está sem exercer a profissão por causa da doença, e são os parentes que se cotizam para pagar suas consultas eletivas e exames. 

Consultado sobre a irregularidade, o presidente da Junta Administrativa, Jorge Martins, disse que “se existir é ilegal e tem que punir quem estiver cobrando consulta. No SUS ninguém paga nada. Se entrou no sistema pelos postos de saúde dos municípios e secretarias de saúde não se pode cobrar, é público”, garante ele.

Na porta do hospital Evangélico, pacientes de outras cidades relataram a mesma forma de encaminhamento, fato que sugere um procedimento padrão que estaria ligado à Central de Vagas. Nesse hospital privado, que se intitula instituição sem fins lucrativos, a consulta custa R$ 30,00 e os exames variam de preço de acordo com o tipo. A mãe de uma criança conta que uma operação de fimose para seu filho de dois anos está orçada em R$ 5.000,00 – que a família não tem como pagar.

Na ficha do hospital Evangélico no DATASUS consta que ele não é conveniado ao sistema, a não ser para os exames de ultrassom, terceirizados para a Ultramedical Centro de Diagnóstico em Medicina.

Em casos semelhantes em outros estados, médicos e funcionários públicos envolvidos em fraudes foram investigados, presos, julgados e condenados.   
    
Falta de atendimento no HR facilita desvios no SUS

Em abril de 2008, quando as consultorias paulistas Unifesp e a SPDM vieram para o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, dizia-se que o HR se tornaria um “hospital de referência em alta complexidade”. Para isso, uma equipe de 12 pessoas foi contratada para transferência de tecnologia em gestão e assistência hospitalar.

Mas hoje, depois de gastos R$ 5.5 milhões com esses contratos, a precariedade do hospital “empurra” pacientes para os hospitais privados, quer na forma de pagamento direto, ou com terceirizações promovidas com recursos do SUS, que acabam capitalizando os hospitais particulares.

Governador não atende pedido de entrevista

Assim que começou a denunciar o caos da saúde no estado, a reportagem solicitou entrevista ao governador André Puccinelli, por meio de sua assessoria.

O pedido se deve ao fato de que, perante a legislação do SUS, o governador é a autoridade máxima no tocante à gestão da saúde no estado, e o responsável por fiscalizar e zelar pela qualidade do atendimento nos hospitais públicos, como o Rosa Pedrossian, em crise constante.

A solicitação foi feita no dia 24 de abril passado, mas até o momento não foi respondida.