A legislação do Brasil para a compra de terras nacionais por estrangeiros, que desde o ano passado ficou mais rígida e limitada à aquisição de áreas de no máximo cinco mil hectares, “esfriou” a disposição dos americanos em investir no agronegócio brasileiro.

Para o norte-americano Michael Gretter, natural de Iowa e que desde 2005 planta soja e milho no Brasil, a postura mais rígida do governo reduziu um pouco o apetite dos produtores americanos em buscar propriedades e fixar residência no Brasil.

“Eu acho que o interesse persiste mais entre os jovens. A fala do governo sobre regular os investimentos desacelerou um pouco, é uma lei complicada. Entre 2003 e 2005, era muito mais fácil encontrar americanos hospedados aqui em Luis Eduardo Magalhães (BA) procurando terras”.

Desde o ano passado, um parecer da Consultoria-Geral da União (CGU) aprovado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e divulgado em agosto limitou a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros a no máximo cinco mil hectares. A soma das áreas rurais controladas por estrangeiros também não poderá ultrapassar 25% da superfície do município.

Na opinião de Gretter, a melhora global nos preços dos grãos desde o ano passado – que tornou o cultivo de soja mais lucrativo em todo o mundo, inclusive nos EUA – também pode ter contribuído para diminuir a motivação em deixar o próprio país para obter mais lucro com a atividade agrícola. “Quando eu vim, a rentabilidade estava mais baixa”, diz.

O ministro da Agricultura, Wagner Rossi, diz que o governo prepara a flexibilização de tais restrições, já que o objetivo é apenas barrar movimento especulativo com a terra brasileira, como a compra de lotes por fundos de investimento ou investidores que não têm foco na produção.

“A terra é um bem muito valioso no Brasil, e tem perspectiva de valorização muito grande. Não queremos transformar a terra brasileira em mais uma commodity para o mercado financeiro”, afirmou o ministro.

Conforme afirmou Rossi, o governo deve divulgar em breve uma nota técnica que especifique essas regras para deixar mais clara essa diferenciação entre especuladores e investidores, e assim evitar que sejam afetados produtores que queiram se estabelecer no Brasil para produzir internamente e estimular a economia.

“Precisamos estimular que eles venham, comprem a terra, façam seus investimentos e nos ajudem a produzir, a gerar emprego, a exportar. Queremos esclarecer o parecer da AGU que proibiu a compra de terras por estrangeiros; flexibilizando-o, permitindo a compra para investimentos produtivos”, disse Rossi, que não precisou data para a divulgação do comunicado.

Reportagem publicada no dia 6 de março pelo jornal britânico “Financial Times” diz que o Brasil planeja restringir especuladores de terra no Brasil e que permitirá apenas a presença de investidores “genuínos” para atender ao interesse brasileiro de atrair investimento privado para o setor agrícola.

A publicação cita ainda que o Brasil é um dos poucos países do mundo com capacidade para aumentar a produção de alimentos em um mundo onde a demanda por comida só aumenta, mas que precisará de “enorme investimento doméstico e estrangeiro” para atingir seu potencial.

Aluguel de terras

Gretter, 55, planta 1,6 mil hectares de soja, milho e algodão em terras que ele aluga em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, de um produtor brasileiro que viu no negócio a oportunidade de trocar os riscos climáticos e financeiros da atividade rural pela tranquilidade de receber uma renda fixa uma vez por ano, quando acontece a colheita.

A transação é calculada e paga em sacas de soja, a um preço médio de 8 sacas por hectare. Com base no preço da saca de soja de preço médio de R$ 42/saca de 60 quilos na região em fevereiro, medidos pela AIBA (Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia), o valor recebido por ano pelo dono das terras que o americano aluga seria de cerca de R$ 540 mil.

“Alugar a terra é uma opção que tem funcionado bem, nos poupou um pouco das questões legais, é mais simples”, diz Gretter, que agora visita os EUA apenas duas vezes por ano e diz que as leis e regulamentações brasileiras, junto com a barreira idiomática, é uma das principais dificuldades do negócio.

A administração da produção, tanto aqui quanto dos 3 mil acres que ele ainda mantém em Iowa, é feita em parceria com irmãos e amigos que preferiram continuar residindo nos EUA.

“A parte do plantio é muito parecida, já tem muito da tecnologia de lá disponível aqui”, diz ele, que nesta safra plantou algodão pela primeira vez, atraído pelos bons preços do mercado.

Dados do Sindicato Rural de Luís Eduardo Magalhães apontam que há cerca de 30 produtores vindos dos EUA cultivando a terra na região; destes, metade opta por alugar a terra em vez de comprá-la. Há ainda estrangeiros de outros países.

“Temos holandeses, alemães que também plantam por aqui” , diz Vanir Kölln, presidente do sindicato, que estima a presença de 50 estrangeiros nas cercanias de Luís eduardo Magalhães e diz que o número tem se mantido estável nos últimos anos. “Muitos também fracassaram e foram embora”, explica.

Falta de informação

Kory Melby, de Minesota, já mora há oito anos em Goiânia, onde tem esposa e filha brasileiras. Veio atraído pela terra barata e a alta produtividade, e hoje trabalha como consultor para americanos que, como ele, chegam com muita curiosidade e pouca informação consistente sobre o Brasil.

“Eu recebo muitos fundos de investimento, homens de Wall Street (referindo-se ao mercado financeiro norte-americano), que não sabem nada de agricultura. Mas daí agora porque agricultura está ‘quente’, eles precisam alguém para reunir todos esses dados brasileiros e colocar em uma forma conveniente em inglês”, diz Kory, que acredita que o produtor mediano dos Estados Unidos, em geral, não está preparado para ser bem-sucedido no Brasil.

“Muitos vêm e acham que já vão fazer sucesso aqui. Mas daí encontram choque cultural, choque da língua, choque de tudo. E aí a tendência é de fracasso.”, diz Melby,que alega ter sofrido até adquirir tanta experiência para aconselhar seus conterrâneos.

“Aprendi que para vencer no Brasil você não pode ter atitude superior, tem que trabalhar junto com os brasileiros. Tem que aprender a língua e se engajar socialmente: ir em igreja, evento da cidade, aniversário de criança. Muito aniversário de criança”, ensina o consultor em português compreensível apesar do sotaque.

‘Sweet home’ na Bahia

A presença estrangeira no oeste baiano é tão forte que motivou a criação, há sete anos, de um hotel idealizado para ser um ambiente de negócios onde investidores norte-americanos se sintam “em casa”, em pleno oeste da Bahia.

O Saint Louis, batizado em referência à homônima produtora de grãos nos EUA, tem o arco da cidade como símbolo e recebe cerca de 60 pessoas por dia.

“Temos um ritmo atípico para a região porque funcionamos mais como os hotéis de Brasília; cheios durante a semana e com menos ocupação nos finais de semana”, conta o gerente Diego Mariano, cuja família veio do sul para produzir em Luis Eduardo Magalhães e hoje é uma das proprietárias do Saint Louis.

O mais difícil, avalia, é qualificar mão-de-obra para atender clientes internacionais: a grande maioria dos funcionários do Saint Louis não fala inglês.

A reportagem esteve em Luís Eduardo Magalhães como parte de um roteiro de dez dias e mais de 5 mil km de viagem pelas lavouras de várias regiões do Brasil. De carona nas caminhonetes da Expedição Safra, projeto do jornal Gazeta do Povo que mapeia a produção agrícola no país, a repórter visitou as cidades de Cascavel, Toledo, Catanduvas e Londrina, no Paraná; Goiânia (Go), Luís Eduardo Magalhães (BA); a comunidade de Nova Santa Rosa, em Uruçuí (PI) e Brasília (DF).