Moradores de Campo Grande se defendem como podem da dengue
Doença contaminou 58 pessoas por dia no ano passado em Mato Grosso do Sul; moradores das Moreninhas programaram até gincanas para combater o mosquito transmissor
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Doença contaminou 58 pessoas por dia no ano passado em Mato Grosso do Sul; moradores das Moreninhas programaram até gincanas para combater o mosquito transmissor
“Acho que estou começando a “dengar”.
Com o jeito improvisado de explicar que está apreensiva com a possibilidade de ter contraído dengue, e conjugando um verbo criado pelos moradores de um dos mais habitados bairro de Campo Grande, o Moreninhas III, para falar do grave problema que se agrava em Mato Grosso do Sul a cada ano, dona Maria Aparecida da Silva descreve sintomas que ela acha que podem ser da doença – “ umas pipocas pelo corpo”.
Se o verbo “dengar” é fruto do imaginário popular, a preocupação com os sintomas é bem mais verdadeira. Maria Aparecida sentiu o drama na pele do marido quando, no começo do ano passado, quase perdeu a companhia de Jose Maria da Silva, vitimado por dengue hemorrágica.
José Maria foi uma das 21.050 vítimas confirmadas da doença em 2010, no MS, e conseguiu escapar de um número mais tenebroso – o das vítimas fatais no Estado. Foram 47 mortes, 22 só em Campo Grande.
No ano passado houve uma super explosão de casos confirmados no MS, que passaram de 518 em 2009 para os 21.050 um ano depois. As notificações por suspeita de dengue foram muito superiores, 82.597 casos.
Por conta de números tão alarmantes, o MS entrou na lista dos estados com alto risco de epidemia de dengue, divulgada no último dia 11 pelo Ministério da Saúde.
Com esses números não é difícil encontrar vítimas da dengue pelas ruas. A epidemia vitimou duas filhas e em neto de apenas dois anos da dona Odila Cara Semi, também moradora do conjunto das Moreninhas. Segundo Odila, a doença foi contraída porque bairros como o dela, na periferia de Campo Grande, tem muitos terrenos vazios, cheio de lixo, e pouco trabalho de conscientização e prevenção das autoridades durante o ano inteiro.
“Quando chove, tudo que empoça água vai ficando cheio de mosquito e pernilongo, e é claro, o da dengue também. De tardezinha e de noite a gente mal pode sair na rua, tem umas nuvens voadoras sobre a gente”, garante a moradora.
Lixo e saneamento precário
Locais apropriados para a reprodução das larvas do Aedes Aegypit são facilmente encontrados na região, como no bairro Mario Covas, situado à direita da BR-163, na saída para Dourados. Em terrenos baldios pneus, garrafas, copos e outras sucatas que acumulam água são criadores férteis para os insetos, como esse, da rua Adete de Souza Iriguary.
As larvas estão ali, proliferando livremente, nessa época de chuvas. Ao se transformarem em Aedes, se esse for o caso, pode ser o começo de uma epidemia no lugar. Os mosquitos picam alguém contaminado, outras pessoas depois, e os índices da dengue explodem.
Mas o pior é quando a irresponsabilidade do poder público é a responsável pela disseminação da dengue e outras doenças infecto-contagiosas. É o caso dessa tubulação de esgoto do jardim Bálsamo, um nome irônico para um lugar que, a cada chuva, recebe de volta na rua aquilo que os moradores mandaram pelo esgoto domiciliar adentro.
“Insuportável” é a palavra mais repetida por Aroaldo de Jesus, que mora no local desde 2002. Aroaldo conta que basta uma chuvarada mais forte para que o esgoto invada quintais, inclusive o dele. Adolescentes reclamam dos insetos e do mal cheiro característico ao lugar, com medo da possibilidade real de contrair dengue.
“Insuportável, essa nuvem de mosquito que fica encima da gente quando anoitece”, reclama mais uma vez. A população se protege como pode. As quatro pessoas da família de Aroldo dormem debaixo do mosqueteiro, uma invenção do homem desde a idade da pedra para se proteger de insetos voadores. Mas não é só. Aprendendo a evitar o contágio, mulher dele, Maria Neide, sempre vira de cabeça pra baixo as latas de tinta que o marido usa na profissão de pintor.
“ Aprendi vendo as propagandas, mas papel aqui ensinando nunca entregaram não. E pulverização pro aqui, a última foi no começo do ano passado”. A população começa a fazer sua parte O tapeceiro Daybson da Silva é um caso extremo de zelo no combate à dengue em Campo Grande.
Além de cuidar da própria casa, anda pela sua rua, com a mulher, conversando sobre o assunto com os vizinhos. “Não adiante só eu cuidar. Eu estou fazendo o meu trabalho e sempre conversando com os vizinhos”, esclarece, afirmativo.
Já Odila Serri diz que plantas na casa dela estão no chão em vasos com areia. Sandra Rosa Ferreira, da Associação dos Moradores de Moreninhas III, conta que no final de dezembro de 2010 e meados de janeiro parte do bairro recebeu pulverização domiciliar.
“Eles vieram, pediram licença para passar o veneno, e foram embora, mas não deixaram instrução nenhuma. Agora o povo está mais consciente. No final de 2009 nós fizemos uma gincana para limpar o bairro, precisamos fazer mais”.
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