Japão cria serviços para evitar aumento de suicídios após tragédia
Desiludido, um pai de família no Japão se matou depois de procurar desesperadamente pelo corpo do filho, levado pelo tsunami. Na província de Fukushima, um agricultor se enforcou ao saber que sua plantação de repolhos teria de ser completamente destruída por causa da contaminação nuclear. Em outro caso, um senhor de 102 anos cometeu suicídio […]
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Desiludido, um pai de família no Japão se matou depois de procurar desesperadamente pelo corpo do filho, levado pelo tsunami. Na província de Fukushima, um agricultor se enforcou ao saber que sua plantação de repolhos teria de ser completamente destruída por causa da contaminação nuclear. Em outro caso, um senhor de 102 anos cometeu suicídio em um vilarejo perto da usina nuclear porque não aceitava a ideia de abandonar sua casa.
Apesar de ainda não ter uma estatística oficial, governo e organizações sem fins lucrativos temem um aumento significativo do número de suicídios no país, exatos dois meses após o terremoto de magnitude 9 seguido de tsunami do dia 11 de março, que devastou a região nordeste japonesa.
Em 1995, após o terremoto de Hanshin, que devastou a cidade de Kobe, foram registrados cerca de 140 suicídios entre sobreviventes da cidade, segundo a organização Life Link.
Para prevenir a repetição de uma onda de suicídios, o governo e várias organizações sem fins lucrativos começaram atividades e serviços voltados para as vítimas do terremoto e do tsunami.
O Ministério da Saúde e ONGs enviaram para as regiões mais devastadas conselheiros e terapeutas. Também foram criadas linhas telefônicas de emergência para ouvir o desabafo de desalojados.
Cultura e suicídio
A cada 15 minutos, alguém no Japão se mata, o que torna o suicídio a principal causa da morte de homens entre 20 e 44 anos e mulheres entre 15 e 34 anos.
São cerca de 90 casos por dia e mais de 30 mil por ano, segundo levantamento do governo. A média anual é duas vezes maior do que nos Estados Unidos por exemplo.
Entre os países desenvolvidos , o Japão tem os maiores índices de suicídio. Mas o país fica atrás de Lituânia, Coreia do Sul, Cazaquistão e Belarus na lista mais recente da Organização Mundial da Saúde de países com maior número de suicídios por 100 mil habitantes.
O grupo Ikiru tem psicólogos e psiquiatras nas províncias de Miyagi, Fukushima e Iwate para ajudar as vítimas a cuidar de sua saúde mental.
A ONG teme que o número de suicídios aumente e, por isto, prefere não dar entrevistas à mídia local sobre o assunto.
Um representante do grupo justificou à BBC Brasil que uma pessoa com depressão pode pensar em se matar ao ler uma matéria sobre o assunto.
Para a maioria da população japonesa, tirar a própria vida não tem conotação de pecado ou de problema mental como no Ocidente.
Por séculos, o suicídio é visto no país também como um gesto de grande nobreza.
Tragédia e desespero
Por isso é que os especialistas temem que, após o tsunami, a falta de esperança daqueles que perderam não só os bens materiais, mas também familiares e amigos, leve muitos a se matarem.
“Se lembrarmos a experiência do terremoto de Kobe, as pessoas começaram a cometer suicídio depois que deixaram os abrigos e foram para casas temporárias”, lembra Fumitaka Noda, presidente da Sociedade Japonesa de Psiquiatria Transcultural e professor da Universidade Taisho, em Tóquio.
Ele explicou à BBC Brasil que, apesar de garantir privacidade e mais espaço, as casas temporárias isolam as pessoas. “Elas ficam sozinhas, com seus problemas.”
Noda diz ainda que pessoas endividadas muitas vezes escolhem trocar a vida pelo dinheiro do seguro para cobrir os débitos.
Soldados, bombeiros, policiais, voluntários, agricultores, pescadores e os trabalhadores que tentam recuperar a usina nuclear de Fukushima também podem desenvolver depressão e estão no grupo de risco.
Para Noda, a sociedade tem de colaborar e incentivar a criação de espaços comunitários para evitar o isolamento. “A mensagem que tem de ser passada é de que eles (as vítimas) não estão sozinhos”, reforça.
Trabalho de base
A Sociedade Japonesa de Psiquiatria Transcultural tem feito um trabalho coordenado com centros de saúde, hospitais, clínicas e associações internacionais para atender pessoas com problemas, principalmente os estrangeiros.
A organização sem fins lucrativos Life Link também criou um atendimento telefônico para as vítimas e tem distribuído panfletos com orientação às pessoas com problemas de estresse e depressão.
Já a organização Tsukuba Agri Challenge começou um programa para ajudar agricultores de Ibaraki e Fukushima, duas províncias onde a maioria das lavouras foi altamente contaminada por material radioativo.
Onze produtos foram considerados pelo governo inapropriados para venda. Isto fez com que todos os agricultores das duas províncias sofressem consequências, mesmo aqueles cujos produtos não foram contaminados.
Agora, com a iniciativa dos voluntários, hortaliças produzidos na região são vendidos pela internet através da página da Tsukuba Agri Challenge. Desde o dia 25 de abril, mais de 4 mil pedidos de todo o arquipélago já foram feitos.
A ideia surgiu depois do suicídio de um senhor que cultivava repolhos. Para evitar outros casos, a NPO começou o projeto, que não tem prazo para acabar.
“Os agricultores estão preocupados com o futuro incerto. Não sabemos o que será de nós, mas rezo para que não haja mais vítimas como meu pai”, disse a filha do agricultor morto a repórteres.
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