Além de protestar contra as grandes obras federais que causam impacto em comunidades indígenas, outro problema que será apontado pelas lideranças indígenas reunidas no Acampamento Terra Livre, a partir de amanhã (2) em Brasília, será o chamado processo de criminalização de lideranças que, segundo os índios, é crescente e generalizado no país. Eles reclamam que os líderes da luta indígena sofrem constantemente acusações de crimes de forma individualizada. Lideranças ligadas ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reclamaram que essa ação acaba emperrando o movimento de luta pelos direitos.

Na opinião da subprocuradora-geral da República Raquel Dogde, coordenadora da 2ª Câmara do Ministério Público Federal, órgão responsável por matéria criminal e controle externo da atividade policial, a reclamação dos índios tem fundamento. “Muitas vezes, a investigação não esclarece qual é a causa que levou àquele conflito. Muitas vezes acontece um homicídio e o é tratado como se fosse uma questão dissociada da disputa pelo território indígena. Muitas vezes, simulam-se alguns crimes atribuídos a lideranças indígenas”, relatou a subprocuradora.

“Como esses crimes acontecem em territórios distantes dos olhares das autoridades acaba ocorrendo uma fabricação de provas que incriminam as lideranças indígenas. São as lideranças que conduzem esse movimento indígena de retomada da terra, de reconhecimento do território indígena. Por isso, elas são alvos preferenciais dos que têm seus interesses contrariados”, observou a procuradora.

O Acampamento Terra Livre começa amanhã (2) no gramado em frente ao Congresso Nacional. Cerca de 500 lideranças indígenas de todo o país pretendem ficar acampadas até quinta-feira (5) e cobrar do governo a não contrução de obras que afetem as comunidades, entre outras reivindicações.

A criminalização das lideranças, para Raquel Dogde, é um processo iniciado na década de 80, mas muito presente nos dias atuais. Segundo ela, o objetivo é emperrar a luta pela terra indígena, garantida pela Constituição de 1988. “Temos observado, ao longo dessas décadas, que esses conflitos acabam gerando um processo de criminalização das lideranças. Aqueles que têm interesses contrários aos dos índios indicam aqueles que lideram as resistências. Isso faz com que esses índios acabem sendo investigados e punidos por crimes que, muitas vezes, não cometeram”, destacou a procuradora.

Raquel Dogde defende que qualquer crime praticado por índios ou por lideranças indígenas deve ser tratado pela Polícia Federal e processado pela Justiça Federal para reduzir a influência do poder político local nas investigações. “Na maioria dos casos, as autoridades policiais são situadas em grandes cidades, nas capitais dos estados e não há uma delegacia especializada nesse tipo de investigação”, acrescentou.

“Que as investigações sejam feitas no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público Federal e esses crimes sejam processados no âmbito da Justiça Federal. Entendemos que a questão indígena no país é uma questão federal. Não é à toa que as terras indígenas são terras da União ocupadas pelos índios. Não é à toa que a agência pública que cuida dos interesses dos índios é uma agência federal, que é a Funai [Fundação Nacional do Índio]”.

Para a procuradora, crimes cometidos por índios e crimes cometidos contra índios devem ser tratados em nível federal. “Acreditamos que a força federal está mais distantes dos conflitos que são travados no município e, por isso, ela tem mais isenção para empreender essas investigações na busca da verdade, na busca de saber a verdadeira motivação do crime, se tem alguma relação com a disputa pela terra e para evitar a incriminação de pessoas inocentes”, afirmou.