Martin Scorsese entra na sala do hotel em Londres com um caminhar arrastado. Parece cansado. Pode ser a viagem dos EUA para a Inglaterra. Pode ser a série de entrevistas que tem dado para promover seu novo filme, “A Invenção de Hugo Cabret”, que estreia no Brasil em 17 de fevereiro.

Mas basta começar a falar, numa velocidade alucinante, para revelar o que muitos atores dizem que ele é: uma criança de 69 anos que tem muita curiosidade e uma paixão declarada pelo cinema.

Scorsese, autor de clássicos como “Taxi Driver” e “Touro Indomável”, tem um novo brinquedo: o 3D. “Hugo” é seu primeiro filme com essa técnica, e ele está encantado. “Sempre quis fazer um filme em 3D. É o futuro. O cinema teve seus avanços. Primeiro o som, em 1927, depois a cor, em 1935. Agora é a profundidade, ou a percepção da profundidade”, diz.

O diretor afirma que aqueles que desprezam a técnica têm a cabeça fechada e zomba do argumento clichê só deve ser utilizado se tiver a ver com a históri”. “O que querem dizer com isso? Seria o mesmo que defender que você só deve fazer um filme colorido, ou falado, se tiver a ver com o enredo. A realidade é colorida. A realidade é em 3D.”

“Hugo”, que acaba de ganhar os prêmios de melhor diretor e melhor filme de 2011 do National Board of Review, é baseado no romance homônimo de Brian Selznick, de 2007.

Mistura história real e ficção para contar a saga de um garoto órfão que mora na estação Montparnasse de no início dos anos 30. Não é um thriller, mas contar mais da história revelaria detalhes que o filme desvenda aos poucos.

Sem violência

Quem está acostumado com a filmografia mais famosa de Scorsese irá estranhar um pouco. Não há palavrões ou violência explícita. Mas está lá o virtuosismo da câmera desde a primeira sequência, um longo sobrevoo pela estação para apresentar os personagens.

“É um filme diferente para mim. Queria fazer para a minha filha mais nova, de 12 anos, e os amigos dela. Lemos o livro juntos”, afirma.

Engana-se, no entanto, quem imagina ser um programa infantil ou só para adolescentes. É um deleite para os amantes do cinema.

Há várias citações dos irmãos Lumière e de outros pioneiros franceses.

Scorsese homenageia o ator de filmes mudos Harold Lloyd ao recriar cena em que ele se pendura num relógio em “Safety Last!” (1923).

O diretor é uma verdadeira enciclopédia de cinema e gosta de ser professoral sobre o assunto.
Para o elenco de “Hugo”, com Ben Kingsley (“Gandhi”), Chloë Grace Moretz (“Deixe-me Entrar”) e Asa Butterfield (“O Menino do Pijama Listrado”), deu uma coleção de filmes mudos, para que eles entrassem no clima de sua produção.

“Foi nosso dever de casa”, diz Chloë, de 14 anos, que é só elogios para o diretor. “É um gênio. Do tipo que planta sementes na sua cabeça.”

Apesar do amor, Scorsese faz críticas ao momento atual de sua arte.

“O cinema americano hoje é para crianças. Animação ou filme de super-herói. Pessoas que voam e se odeiam. Não me importa quão baseados em mitologia eles são. Não são para mim.”

Após ver “Hugo”, dá para dizer: ainda bem que não.