Cem bilhões de reais. É com esse custo, no mínimo, que o Brasil terá que arcar para receber a Copa do Mundo de 2014. Cerca de dez vezes o valor da primeira previsão feita pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, em 2007, quando o pais ganhou o direito de sediar o Mundial. O gasto atualizado foi revelado pelo deputado federal Romário (PSB), eleito no Rio de Janeiro no ano passado.

Em entrevista exclusiva ao R7, o ex-atacante da seleção brasileira, agora político, é direto ao falar sobre assuntos polêmicos. Faz duras críticas à organização da Copa do Mundo e a Ricardo Teixeira, que acumula os cargos de presidente da CBF e do COL (Comitê Organizador Local). Romário diz que a marca do Mundial de 2014 vai ser o “jeitinho brasileiro”.

Vice-presidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, ele não nega o rótulo de fiscalizador da Copa no Brasil. Pelo contrário. Promete expor cada vez mais o que vê nas viagens que faz com a Comissão pelas cidades-sede. Desde fevereiro, já esteve em Manaus, Recife, Curitiba, Belo Horizonte e Fortaleza.

Veja abaixo a entrevista completa com Romário:

R7 – Por que você entrou para a política?

Romário – Entrei na política por causa da minha filha [Ivy, portadora de síndrome de Down], por causa das pessoas com deficiência. E com o objetivo também de fazer alguma coisa pelas crianças e os jovens de comunidade, principalmente carentes.

R7 – O que te fez começar a fiscalizar a Copa? Você mudou seus planos?

Romário – Não mudei nada, não. O meu plano continua igual, só que agora eu faço parte de uma comissão de Esporte e Turismo e essa comissão tem o dever de fiscalizar a Copa. Esses meus outros objetivos estão correndo paralelo, caminhando junto.

R7 – Você já visitou cinco das 12 cidades-sede da Copa. Pelo que você tem observado, como está o Brasil na preparação para a Copa do Mundo?

Romário – Muito atrasado. Se coisas diferentes não acontecerem, a gente vai fazer a Copa, é claro, mas vai ser apenas mais uma Copa. Não vai passar disso.

R7 – Então não vai ser uma “grande Copa”, como chegaram a falar?

Romário – Eu também falei, porque o Brasil tinha mesmo condições de fazer a maior Copa de todos os tempos.

R7 – Das cidades que você visitou até agora, qual é a que mais te impressionou?

Romário – Cara, todas as cidades têm problemas. Mas pegue Curitiba, por exemplo. A Arena da Baixada é um estádio que falta pouco para finalizar, com certeza não vai ter problema. O Castelão, em Fortaleza, a princípio, também não. Pelo que me disseram em Manaus, o aeroporto deles já comportaria o movimento de uma Copa do Mundo, segundo o que foi colocado para a gente pelo superintendente da Infraero. Mas em mobilidade urbana as cinco cidades estão muito atrasadas.

R7 – Muito se fala do atraso nos estádios, mas, pelo que você viu, poucas obras foram feitas também nas cidades?

Romário – Não tem nada feito. A gente espera que, com essa flexibilização das licitações que foi aprovada agora, as coisas aconteçam. Mas as pessoas não podem interpretar flexibilização como facilitação. Senão vai virar, desculpe a expressão, uma zona completa. o TCU [Tribunal de Contas da União] tem que acompanhar, assim como o TCE [Tribunal de Contas do Estado]. Esses órgãos são importantíssimos nessas flexibilizações para que não haja nenhum tipo de falcatrua, de roubo, de mutreta, essas coisas que a gente conhece e que podem acontecer. O objetivo com as flexibilizações, principalmente por parte dos deputados, é que, daqui a dois anos, os Estados, com seus governos, não venham com esse papo de “Agora, como está próximo da Copa, virou obra emergencial”. Aí você imagina como vai ser o gasto com o dinheiro público.

R7 – Apesar de o Brasil ter sido escolhido sede da Copa em 2007, pouca coisa foi feita. Você acha que tudo caminha para que as obras entrem em caráter emergencial?

Romário – Essa flexibilização das licitações, na minha cabeça, como deputado e brasileiro, é exatamente para que isso não aconteça. Mas não sou eu quem vai decidir isso lá na frente.

R7 – A Fifa deve decidir em julho o local de abertura da Copa. Você apostaria em alguma cidade para receber a abertura? Como São Paulo está nessa briga?

Romário – Eu não vejo São Paulo como uma possibilidade porque não tem nada ainda em São Paulo. A não ser que as obras comecem amanhã e trabalhem em três turnos. Hoje, não vejo São Paulo como candidato à abertura da Copa. Eu colocaria o Maracanã, mas ainda não vi a obra. Apesar de que lá o gasto vai ser absurdo também. Já está em R$ 1,2 bilhão um orçamento que começou em R$ 400 milhões. Mas apostaria no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte.

R7 – Como você explica para o povo, depois de quatro anos desde que o Brasil foi escolhido sede da Copa, que quase nada foi feito?

Romário – É simples. Falta de capacidade e de organização. É bem simples. Falta de capacidade, de organização, de seriedade e de profissionais que realmente se comprometam a cumprir aquilo que dizem. E não é só no governo. São os profissionais mesmo. Vou te dar um exemplo. O nosso presidente da CBF, em 2009, falou que só de estádios nós gastaríamos R$ 2,5 bilhões. Hoje, esse gasto já está em R$ 5,8 bilhões, e a previsão do Ministério dos Esportes é de que vai chegar a R$ 7 bilhões no final de julho. Detalhe: o Brasil ia gastar R$ 2,5 bilhões e não ia usar dinheiro público. Você é jornalista e deve ter ouvido isso várias vezes, assim como eu ouvi. Já estamos quase em R$ 7 bilhões e tudo com dinheiro público.

R7 – A previsão da CBF em 2007 era de que a Copa custaria cerca de R$ 10 bilhões para o Brasil…

Romário – Eu vou te falar uma coisa com certeza. A Copa do Mundo vai chegar a R$ 100 bilhões. O valor de todas as obras para a Copa do Mundo vai chegar a R$ 100 bilhões. Pode escrever o que eu estou te falando hoje. Aí eu pergunto: um país que vai gastar R$ 100 bilhões em um evento como a Copa não poderia gastar ao menos 20% desse dinheiro, o que seria viável, e colocar nos nossos hospitais públicos, nas nossas escolas, em instituições como Apae e Associação Pestalozzi, que precisam? Não precisava nem ser 20%. Com 10% desses R$ 100 bilhões você resolve, talvez, 80% dos problemas dessas áreas em cada Estado. Tem ainda outra coisa. Quando se fala em obras de mobilidade urbana, não vejo ninguém falar em acessibilidade. Acessibilidade no Brasil é só para quem é cadeirante, fala-se só de rampas e de elevador. Só que tem cego, tem surdo, tem mudo, obeso, tem vários outros tipos de deficiências que rampas e elevadores não vão ajudar. A Fifa pede, no caderno de encargos, que seja feita acessibilidade nos estádios. Mas a Fifa não fala disso nos aeroportos e nem nas obras nas cidades. Enfim, nós vamos gastar R$ 100 bilhões e não vamos ajudar muitos que precisam.

R7 – Como você fez essa projeção de R$ 100 bilhões de gastos com a Copa?

Romário – Estou projetando porque uma pessoa dentro do Senado já fez essa projeção. Daqui a pouco eu vou provar isso para vocês. E só fica nesse valor se a gente não entrar no processo de obras emergenciais, porque aí vai passar muito mais desse valor. A minha grande batalha é para que, com o tanto de dinheiro que vai ser gasto no Brasil, nas 12 cidades-sede, a gente consiga melhorar tudo para o povo. Qual o legado que isso tudo vai deixar? Estádios bonitos? Aeroportos bonitos? E o transporte, a saúde, a educação, as crianças que usam drogas? Ninguém fala nada sobre isso. Parece que o Brasil agora virou só Copa do Mundo e Olimpíada.

R7 – Você está dizendo que os eventos esportivos no Brasil estão vinculados apenas às obras, é isso?

Romário – Isso mesmo. Com certeza nós vamos receber nos eventos pessoas com deficiências. Por que a gente não capacita os nossos deficientes para que eles cuidem dos deficientes que vierem ao Brasil como turistas? É uma ideia. Por que a gente não tira as crianças e os jovens do crack e capacita essas crianças para que elas façam alguma coisa, direta ou indiretamente, para a Copa do Mundo e para a Olimpíada? O dinheiro tem que ser gasto no lugar certo. Nós somos brasileiros e sabemos que infelizmente o brasileiro tem essa mania de “dar um jeitinho”. Na Copa de 2014, essa frase vai ser a mais verdadeira. Vão dar “um jeitinho” para que ela aconteça. E o povo vai pagar por isso.

R7 – De que maneira você vê a Fifa nesse processo?

Romário – Eu vou te falar em relação à Fifa. Ela tem um caderno de encargos que foi assinado junto com o Lula, com a CBF, com o COL (Comitê Organizador Local) e com os 18 Estados que eram concorrentes à sede em 2007. Daí a gente chega nos Estados hoje e as pessoas dizem: “Era para ser feito de um jeito, mas o COL determinou que fosse feito de outro”. Você pega o caderno de encargos e vê que a Fifa não exige, ela sugere. O COL é que exige. Estou dizendo o que as pessoas dos Estados que eu visitei me disseram. Até eu estava achando que a Fifa estava querendo se meter onde não devia, mas vi que a Fifa faz só o papel dela.

R7 – Os representantes dos Estados disseram que ela apenas sugere, então?

Romário – Sim, e na maioria das vezes as sugestões são positivas, mas outras são desnecessárias. Um exemplo simples é o da Arena da Baixada, em Curitiba, um dos estádios mais modernos do Brasil. As cadeiras que eles têm lá são moderníssimas, tem no mundo todo. A Fifa sugere que tem que ser cadeira retrátil. Aí vai lá o COL e manda por a cadeira retrátil, que representa mais R$ 9,5 milhões de gasto. As outras cadeiras, que colocaram há dois, três anos, ainda são novas e eles vão ter que dar para alguém.

R7 – É um gasto enorme para uma obra que não precisaria ser feita…

Romário – Não, porque eu fui lá e vi que a arquibancada que eles vão fazer já é perfeita. Como é que um brasileiro vai assistir aos jogos em cadeira reatrátil? Imagina um Flamengo x Vasco, no Maracanã, com cadeira retrátil. Sai um gol. Não vai quebrar tudo, machucar todo mundo? O legado é para frente, a Copa do Mundo é só um mês. Aqueles que fazem parte desse processo estão esquecendo desses detalhes. E eu vou começar a falar.

R7 – Depois de uma carreira tão vitoriosa no futebol, de que maneira você se vê como político?

Romário – Eu não sou um político convencional. Entrei na política para fazer o que eu falei que ia fazer. Uma das obrigações de um deputado é legislar, coisa que a gente não faz. Desde que eu cheguei aqui só tem MP [Medida Provisória] pra cá, MP pra lá, só se vota e não faz uma lei. Temos também que fiscalizar, acompanhar, e, principalmente, dar transparência para o povo sobre as coisas que acontecem. Por exemplo, o portal de Transparência da Copa. Foi aberto, está lá, só que não é atualizado desde dezembro. Tudo o que estou falando você pode ver que está certo. Sei que essas coisas que eu falo para você não são positivas para o governo, com certeza. Mas não posso fazer nada. Estou falando o que é a realidade, é o que o povo do Brasil está pensando. Eu vivo na rua. Sou de comunidade, jogo pelada em comunidade, ando na rua. Fora isso, nós da Comissão estamos vendo essas coisas. Eu falo do que eu vejo.

R7 – Você disse que todo o atraso do Brasil para 2014 é consequência de falta de capacidade e de organização. Mas essa incompetência começa onde?

Romário – Vamos lá, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Nós vamos ter Olimpíada em 2016, certo? Para esse evento foi criado um órgão como o COL, que é a APO [Autoridade Pública Olímpica], que será presidida pelo Henrique Meirelles. Foi aberto também um órgão desse para a Copa do Mundo, que é o COL. Por que não se colocou uma pessoa capaz e técnica para ser presidente ou para ficar à frente? O doutor Ricardo Teixeira, até mesmo para a saúde dele, não é bom. Acumula tudo, não pode fazer isso. Eu não tenho nada contra ele, particularmente ele nunca me fez nada. Acho até um cara “boa-praça”.

R7 – O Ricardo Teixeira pode provar que é inocente de todas as acusações que foram feitas contra ele?

Romário – Torço para que todas as acusações contra ele não sejam verdade. Eu assinei a favor da CPI porque houve denúncias. Se ele provar que é inocente das sete denúncias que o Anthony Garotinho fez contra ele para pedir a CPI, e provar que é inocente de tudo isso que a gente tem visto na televisão, eu não só vou tirar minha assinatura da CPI como vou pedir no plenário para que os deputados tirem. Agora, se uma dessas for verdade, eu não vou tirar e vou pedir para que os que tiraram coloquem de novo. Temos que organizar o futebol, amigo. Não é só com o Ricardo Teixeira, o futebol todo tem que ser organizado. O Brasil está vivendo um momento de crescimento. Nos próximos três anos, por causa de algumas pessoas, o país não vai crescer tudo o que pode. Eu sou a favor do crescimento em todas as áreas, não só na esportiva.

R7 – Como você vê o fato de o presidente da CBF ter ignorado o seu convite para esclarecer na

Câmara algumas acusações?
Romário – A gente acredita que ele vá responder. Há até uma corrente aqui que acredita que ele vai aceitar. Vamos ver.

R7 – Se ele for, vai ser incomodado pelos deputados? Ou eles não vão ter coragem de fazer isso?

Romário – Olha, você sabe que tudo aqui tem que ter quórum, senão não tem reunião. Eu não conheço ainda o regimento inteiro da casa em relação a isso, mas se puder ter um cara da minha comissão para perguntar, vou estar presente. É claro que se só eu estiver e ninguém mais aparecer, infelizmente o Brasil perde a possibilidade de ver o que tem para dizer a única pessoa que pode esclarecer várias dúvidas.

R7 – Você aceita o rótulo de ser o fiscalizador da Copa do Mundo no Brasil?
Romário – Olha só, isso é uma coisa muito pessoal sua. Tudo o que eu te falei, só disse porque estou agindo. Você sabe como é político, que fala pra c…, conta um monte de história e não faz. Eu faço para depois te falar. Vai de você achar isso ou não, fique à vontade.

R7 – Quais são os próximos passos na fiscalização da Copa?

Romário – Nós vamos fazer Brasília dia 5 de julho e paramos no recesso parlamentar. Depois, recomeçamos com as seis cidades que faltam, deixando, talvez, Rio de Janeiro por último. Ou São Paulo, se existir. A nossa pretensão é passar por todas as cidades-sede até o final de outubro.

R7 – Está satisfeito com tudo o que está conquistando na política?

Romário – Muito, porque paralelo a isso tudo eu estou lutando pelas pessoas com deficiência, conhecendo várias entidades, fazendo parcerias com ministérios para ajudar algumas entidades que precisam. Estou correndo atrás de modificar algumas leis antigas para beneficiar as pessoas que são deficientes e as famílias delas. Estou tentando ver o que podemos fazer para tirar as crianças das drogas, junto com minha assessoria, meu partido e algumas pesssoas no Senado. Eu sei que alguma coisa muito positiva vai acontecer daqui a pouco.

R7 – Você está abrindo mão de muitas coisas pela política?

Romário – As pessoas escolhem o que querem. Escolhi vir para a política porque tenho alguns objetivos claros. Eu sempre fui um ídolo, sempre tive um nome. Se eu cometer um deslize na politica, talvez suje o nome que tenho há 45 anos. Então estou bastante focado para sempre fazer as coisas certas, com a ajuda do papai do céu. Posso cometer algum erro, algum equívoco, mas nada que vá manchar a minha carreira política. O que eu tenho certeza é de que você nunca vai escrever aí que eu estou metido em sacanagem, corrupção, roubo, falcatrua. Minha índole não deixa e meu pai lá de cima está tomando conta de mim para isso.