Único pesquisador de fora da Grã-Bretanha a ser selecionado para receber uma bolsa de R$ 7 milhões da agência The Wellcome Trust, o brasileiro Pedro Hallal tem um projeto ambicioso. Ainda que o financiamento garanta trabalho ao longo de sete anos – desde que apresente resultados -, ele planeja ir além e monitorar as crianças que nascerem no ano de 2015 em Pelotas, cidade do interior do Rio Grande do Sul com mais de 320 mil habitantes, pelo resto da vida – dele e delas.
Docente da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e pesquisador na área de educação física, Hallal vai desenvolver com o financiamento um estudo de coorte, tipo de pesquisa em que indivíduos são classificados para avaliação de incidência de doenças. Entre os objetivos deste tipo de pesquisa estão conhecer o estado de saúde das populações, identificar as causas das principais doenças presentes nesses grupos e desenvolver estratégias preventivas que beneficiem o maior número de pessoas.
Para tanto, o docente pretende identificar todas as mães com parto previsto para 2015 no município gaúcho para acompanhá-las durante a gestação. Os primeiros dados estarão disponíveis a partir do final de 2014, quando o monitoramento das mães for concluído.
Depois, Hallal vai monitorar os hospitais da cidade para registrar os nascimentos a partir de 2015 e iniciar o acompanhamento de todas as crianças. Estima-se em quatro mil o número de partos.
Segundo o professor, estudos assim já foram feitos com sucesso na cidade em 1982, 1993 e 2004.
 Os acompanhamentos são contínuos e os observados visitam o centro de pesquisas para uma série de exames em que são verificadas a pressão arterial, a composição corporal, as medidas da prática de atividade física, entre outros aspectos, além de responderem a questionários sobre a condição de saúde e econômica das famílias. Caso algum dos observados saia de Pelotas, a equipe mantém contato por telefone. Dos nascidos em 1982, há quase 30 anos, os pesquisadores ainda consegue seguir quase 75% dos participantes.
O ponto de vista do pesquisado
O engenheiro mecânico Moisés Fernandes Borges, 29 anos, participa da pesquisa de coorte de 1982, que abrange 5.914 pessoas. Ele, que admira esse tipo de pesquisa, acredita que pode ajudar simplesmente atendendo aos ‘chamados’ dos pesquisadores. “Pois quanto maior for o número dos pesquisados ainda ativos melhor será a amostragem, garantindo maior confiabilidade a pesquisa”, conta.
Borges lembra que já passou por cerca de 10 avaliações – mas quando era criança também era acompanhado – e explica que o monitoramento ocorre quase sempre por contado telefônico ou com visita à residência, com entrevistas e exames.
O pesquisado é consciente que sua participação na pesquisa é uma maneira de ajudar as próximas gerações, de contribuir com melhorias mais adiante. “Acho que o único retorno é ajudar o coletivo futuro, visto que as conclusões, boas ou más, dificilmente serão aplicadas aos pesquisados”, reflete.
A bolsa
A bolsa da agência britânica, nessa modalidade de longo prazo e sem as “amarras” típicas de um projeto tradicional, foi alvo de 900 candidatos. Além do gaúcho, outros 26 pesquisadores foram contemplados com a verba. Hallal aguarda grandes exigências dos patrocinadores, mas está confiante. “Com certeza a Wellcome Trust espera resultados de alto impacto científico e que sirvam para a criação de políticas públicas de promoção da atividade física, uma prioridade internacional da saúde nos dias de hoje”, ressalta.
Apoiado em dados de pesquisas similares já realizadas, ele já projeta a continuidade do projeto após o período de sete anos. Seja com novo apoio britânico ou não. “Ainda não sabemos ao certo se será possível o pedido de renovação. Mas, até lá, esperamos que a política de financiamento à pesquisa do governo brasileiro mude e haja comprometimento com pesquisas de longa duração e alto impacto científico”, diz.
Os custos da pesquisa
De acordo com o pesquisador brasileiro, estudos de coortes de nascimentos constituem um dos melhores delineamentos de pesquisa em saúde. O monitoramento contínuo dos participantes possibilita a análise das causas e conseqüências dos eventos relacionados à saúde. Mas esse tipo de pesquisa tem um custo. E ele é alto.
Segundo o professor, cada acompanhamento integral durante estes sete anos custará em torno de R$ 500 mil. “Além disso, existe uma equipe fixa que faz com que a coorte funcione. Na prática, acompanhar uma coorte por cerca de 10 anos custa em torno de R$ 20 milhões”, conta Hallal. O financiamento recebido também permitirá a Hallal investir em ideias que surjam no decorrer do caminho.
Outro projeto que envolve o recebimento da bolsa é a produção de uma série de artigos científicos sobre atividade física a serem publicados no periódico The Lancet em 2012, na semana da abertura dos Jogos Olímpicos. Pesquisador da área, Hallal acredita que o estudo, que contará com a participação de 30 pesquisadores de 19 países, auxiliará na promoção da prática esportiva, posicionando de vez os exercícios físicos como uma prioridade global de saúde pública a partir da apresentação das consequências deles para a população.
Hallal pretende ainda apresentar os níveis de atividade física da população mundial e identificar as razões que fazem com que algumas pessoas pratiquem atividade física e outras não.
Financiamento no Brasil
No Brasil, bolsas que financiam pesquisas científicas possuem duração menor e costumam ser pagas diretamente ao pesquisador, como ocorre com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Uma prioridade do governo deveria ser investir em esquemas como esse, que valorizem a pesquisa de longo prazo e os pesquisadores com atuação destacada em uma área de conhecimento. Além disso, a burocracia para utilização de recursos no Brasil e as dificuldades de importação atrapalham o País de forma importante”, aponta Hallal.
Para ele, outros pesquisadores brasileiros teriam chances de receber financiamentos deste tipo, mas muitos trabalham baseados na quantidade e não na qualidade da produção. “Pesquisadores jovens aprendem desde cedo que três artigos em revistas mais ou menos equivalem a um artigo em revista de ponta no cenário internacional, o que é muito mais difícil. Rapidamente eles notam que é mais fácil então publicar três artigos medianos do que um artigo de ponta. E isso só tem piorado nos últimos anos”, lamenta.