Doze anos atrás Eliânice Gonçalves Gama foi condenada por tráfico de drogas; ex-desembargador do TRF quis que ela dissesse por escrito que o juiz federal Odilon de Oliveira (foto) havia cobrado propina dela, mas a advogada recusou a proposta e alertou o magistrado

A advogada Eliânice Gonçalves Gama, 50, denunciada na semana passada à OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil), seccional de Mato Grosso do Sul, por pegar documentos de um sargento do Corpo de Bombeiros, preso por tráfico de cocaína, e não devolvê-lo, foi pivô de uma suposta manobra conduzida por um ex-desembargador do TRF (Tribunal Regional Federal) 3ª Região em 1998 com a intenção de caluniar o juiz federal em Campo Grande, Odilon de Oliveira.

O esquema foi abortado graças à advogada que, para amenizar uma condenação por tráfico de drogas, deveria, a mando de um magistrado do TRF, dizer em depoimento que o juiz havia pedido dinheiro a ela em troca de vantagens em processo judicial.

O caso foi parar no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e envolveu, além da advogada, o ex-desembargador Paulo Theotônio Costa, à época do episódio presidente da 1ª Turma do TRF-3ª Região, o juiz federal e o então presidente da OAB/MS, Carlos Marques.

Theotônio Costa, nascido em Cassilândia (MS), foi afastado por outro caso, corrupção, em 2003.

Note trecho inicial do inquérito inscrito no STJ sob o número 256 (1999-0026645-5) , que trata do esquema para desmoralizar o juiz Odilon de Oliveira, magistrado que mais aplicou pena contra traficantes em Mato Grosso do Sul:

“Por tais fatos, verifica-se que entre maio e dezembro de 1998, Paulo Theotônio Costa, com o propósito de caluniar o juiz Odilon de Oliveira, solicitou que Eliânci Gonçalves Gama, condenada pelo referido juiz Odilon, que fizesse uma representação alegando que este lhe solicitara uma importância em dinheiro para amenizar sua situação no processo criminal a que respondia perante aquele juízo. Como ela não concordou com o pedido, ele lhe impôs uma pesada pena. A proposta foi seguida da promessa de orientação jurídica, com a possibilidade de uma vitoriosa revisão criminal. Todavia Elianici Gonçalves Gama se apavorou e, na dúvida, interrompeu o iter criminis levando o fato a conhecimento do advogado Sérgio de Azevedo Franzoloso, do Pastor Dornihei Rosa Guttierrez e do juiz Odilon de Oliveira e da Polícia”.

No inquérito não é citado a razão de o desembargador querer incriminar o juiz de Campo Grande.

Manobra

A trama teve início logo após o juiz Odilon de Oliveira ter condenado a advogada por tráfico de droga. Ela fugiu para não ser presa e buscou ajuda do então presidente da OAB, Carlos Marques. Eliânice havia solicitado prisão domiciliar, mas o magistrado negou o recurso.

Marques indicou um integrante da OAB, o advogado Sérgio Franzoloso, para ajudar Eliânice.

Numa das ligações, segundo a advogada, Carlos Marques teria passado a ela o telefone celular do desembargador Theotônio Costa, magistrado que teria manifestado intenção de ajudá-la.

No inquérito, a advogada diz que conseguiu conversar com desembargador. “Após várias tentativas para falar com o Dr. Paulo Theotônio Costa, que se encontrava viajando, conseguiu localizá-lo, ocasião em que ele afirmou estar sensibilizado com a situação dela, vitima de armação do Dr. Odilon de Oliveira; mas esta situação poderia ser revertida, dependendo dela declarar, por escrito, que este juiz exigira dinheiro para absolvê-la”.

Segue a narração de Eliânice no inquérito provocado pela PGR (Procuradoria Geral da República): “.em troca, o Dr. Paulo Theotônio Costa lhe daria orientação processual, inclusive no recurso de revisão criminal. Pediu que o advogado dela entrasse em contato com ele, para acertar sobre o recurso (fls. 31/35). O juiz confirma os telefonemas da advogada e inverte os fatos, dizendo que ela pretendia fazer denúncias”.

Eliânice Gama não foi presa por meio de liminar concedida pelo TRF e Theotônio Costa, foi um dos magistrados que votou favorável ao recurso dela.

A advogada disse ter revelado a proposta a um amigo pastor, que a orientou a repassar as informações à Polícia Federal e ao próprio juiz. Ela fez isso. Odilon, segundo o inquérito, comunicou o caso à PF e passou a monitorar as ligações telefônicas dos envolvidos no caso.

A espionagem gerou uma crise entre o juiz e o presidente da OAB da época, Carlos Marques, que também teve as ligações grampeadas. Ele denunciou Odilon de Oliveira à justiça, mas o caso não produziu punição ao magistrado.

Embora com o depoimento da advogada e as degravações das ligações telefônicas que poderiam incriminar o desembargador, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) rejeitou a denúncia em dezembro de 2000.

Afastado

Três anos mais tarde, em 2003, o STJ afastou o desembargador Paulo Theotônio Costa do TRF. Não por essa denúncia. O magistrado teria fraudado uma decisão e recebido uma fortuna de um banco. Com o dinheiro, ele teria construído um conjunto habitacional em Campo Grande, que ficou conhecido como Recanto dos Pássaros.

A reportagem tentou conversar com o juiz e com advogada, mas não conseguiu. Uma funcionária do magistrado disse que ele estava viajando e o telefone de Eliânice, desligado.

Saiba mais sobre a condenação do desembargador e a denúncia contra a advogada, que exerce a função por força de liminar, em notícias relacionada, logo abaixo