Velório do escritor José Saramago reúne multidão em Lisboa

O corpo do escritor português José Saramago, morto na véspera aos 87 anos, chegou por volta das 14h40 locais deste sábado (19) (10h40 de Brasília) à Câmara Municipal de Lisboa, onde será velado até domingo no salão nobre. O caixão estava coberto por uma bandeira de Portugal. As cerca de 200 pessoas que aguardavam o […]

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O corpo do escritor português José Saramago, morto na véspera aos 87 anos, chegou por volta das 14h40 locais deste sábado (19) (10h40 de Brasília) à Câmara Municipal de Lisboa, onde será velado até domingo no salão nobre.

O caixão estava coberto por uma bandeira de Portugal. As cerca de 200 pessoas que aguardavam o momento aplaudiram quando ele foi levado para o interior do edifício.

Ele lembrou em comunicado que Lisboa foi “uma causa que Saramago abraçou” quando presidiu a assembleia municipal em 1990 e assegurou que seu “legado é inestimável”.

Faixa na Câmara de Lisboa (Foto: Vitor Sorano/G1)O corpo de Saramago chegou ao aeroporto de Figo Maduro, nos arredores da capital,  em um avião da Força Aérea Portuguesa.

O funeral está previsto para ir até a meia-noite. No domingo, a cerimônia será retomada às 9h e segue até as 11h. O público poderá entrar, mas a família pode decidir quando fechar as portas.

Depois, o corpo será cremado. Parte das cinzas deve ficar em Azinhaga do Ribatejo, onde o escritor nasceu e o restante deve seguir para Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde ele vivia com a esposa, a jornalista e tradutora Pilar del Río.

A Câmara de Lisboa ainda não tem estimativa de quantos visitantes deverão passar pelo funeral. Um policial estima o número em “milhares”. A escritora Nélida Piñon, que está na Espanha, representará a Academia Brasileira de Letras na homenagem ao escritor.

Na sexta, o corpo de Saramago foi velado em uma biblioteca que leva o seu nome na cidade de Tías, em  Lanzarote. O prefeito de Tías, José Juan Cruz, decretou três dias de luto pelo escritor de “Ensaio sobre a cegueira”, que estava com 87 anos e sofria de leucemia e problemas respiratórios.

A notícia da morte de José Saramago repercutiu imediatamente em todo o mundo, inclusive entre representantes da Igreja Católica em Portugal, com quem o escritor mantinha uma relação conturbada por abordar de forma polêmica temas religiosos em obras como “O evangelho segundo Jesus Cristo”, de 1991, e “Caim”, seu romance mais recente, de 2009.

O diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Conferência Episcopal Portuguesa, Padre José Tolentino, e o porta-voz da conferência, Padre Manuel Morujão, disseram que o país perde um “expoente” e que a igreja perde um crítico com o qual soube dialogar constantemente. “Seja como for, o diálogo nunca foi cortado e sempre foi possível”, disse padre Manuel Morujão, sobre o escritor, que se declarava um ateu.

“[Saramago] combatia as religiões com fúria, dizia que elas nos embaçam nossa visão. Mesmo assim não consigo deixar de pensar que adoraria que neste momento ele estivesse tendo que dar o braço a torcer ao ser surpreendido por algum outro tipo de vida depois desta que teve por aqui”, declarou o cineasta brasileiro Fernando Meirelles, que adaptou “Ensaio sobre a cegueira” para o cinema em 2008.

A esposa de Saramago, Pilar del Rio, leu um trecho
de ‘O evangelho segundo Jesus Cristo’ no velório do
escritor (Foto: Augusto Finfer/Reuters)Leucemia e problemas respiratórios
Segundo sua mulher, Saramago passou mal após tomar o café da manhã e recebeu auxílio médico, mas não resistiu e morreu. Ele sofria de leucemia e, nos últimos anos, havia sido hospitalizado em várias oportunidades devido a problemas respiratórios.

“Hoje, sexta-feira, 18 de junho, José Saramago faleceu às 12h30 horas [horário local] na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila”, diz uma nota assinada pela Fundação José Saramago e publicada na página do escritor na internet.

Expoente da literatura mundial
Saramago era um dos maiores nomes da literatura contemporânea, vencedor do prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998 e de um prêmio Camões – a mais importante condecoração da língua portuguesa.

Entre seus livros mais conhecidos estão “Memorial do convento”, “O ano da morte de Ricardo Reis”, “O evangelho segundo Jesus Cristo”, “A jangada de pedra” e “A viagem do elefante”. O mais recente romance publicado pelo escritor foi “Caim”, de 2009. Antes de morrer, ele estava trabalhando em um livro sobre tráfico de armas, que chegou a batizar de “Alabardas, alabardas! Espingardas, espingardas”, mas deixou inacabado.

O estilo de escrita de Saramago era caracterizado, entre outras experimentações de linguagem, pelos parágrafos muito longos e o uso incomum de pontuações. “Sua literatura era densa e sofisticada e, mesmo assim, era lida por um grande público. Essa é a maior proeza de sua vida”, analisa o professor Frederico Barbosa, que ensinava Saramago em cursinhos de São Paulo e é também diretor do espaço cultural paulistano Casa das Rosas.

“Ensaio sobre a cegueira”, que conta a história de uma epidemia branca que cega as pessoas, metáfora da cegueira social, foi levado às telas em um produção hollywoodiana filmada pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles (de “Cidade de Deus”) em 2008. O autor, normalmente avesso a adaptações de suas obras, aprovou o trabalho de Meirelles.

Saramago era considerado como o criador de um dos universos literários mais pessoais e sólidos do século XX e uniu a atividade de escritor com a de homem crítico da sociedade, denunciando injustiças e se pronunciando sobre conflitos políticos de sua época. Em 1997, escreveu a introdução para o livro de fotos “Terra”, em que o fotógrafo Sebastião Salgado retratava a rotina do movimento dos sem-terra no Brasil.

Em 2008, uma exposição sobre o trabalho de Saramago foi exibida no Brasil. “José Saramago: a consistência dos sonhos” trazia cerca de 500 documentos originais e outros tantos digitalizados, reunidos em um formato que, misturando o tradicional e a tecnologia moderna, levavam o visitante a uma agradável e rara viagem pela vida e pela obra do escritor português.

O português José de Sousa nasceu em 16 de novembro de 1922, na pequena aldeia portuguesa de Azinhaga, no Ribatejo, região central do país. Ficou mais conhecido, no entanto, pelo sobrenome de sua família paterna, Saramago, que o funcionário do Registro Civil acrescentou após seu nascimento.

Sua família mudou-se para Lisboa quando José tinha dois anos. Aluno brilhante, ele teve de abandonar o ensino secundário aos 12 anos, por causa da falta de recursos de seus pais.

Ateu, cético e pessimista, Saramago sempre teve atuação política marcante e levantava a voz contra as injustiças, a religião constituída e os grandes poderes econômicos, que ele via como grandes doenças de seu tempo.

“Estamos afundados na merda do mundo e não se pode ser otimista. O otimista, ou é estúpido, ou insensível ou milionário”, disse em dezembro de 2008, durante apresentação em Madri de “As pequenas memórias”, obra em que recorda sua infância entre os 5 e 14 anos.

Autodescrito como um “comunista libertário”, ele também provocou polêmica ao chamar a Bíblia de “manual de maus costumes”. Ao longo de seis décadas de carreira literária, publicou cerca de 30 obras, entre romances, poesia, ensaios, memórias e teatro.

Saramago publicou seu primeiro romance, “Terra do pecado”, em 1947. Em 1969, sob a ditadura salazarista, ele filiou-se ao Partido Comunista português. Depois de 47, ele ficou quase 20 anos sem publicar, argumentando que “não tinha nada a dizer”. Na época, teve empregos públicos e trabalhou como editor e jornalista.

Entre 1966 e 1975, publicou poesia: “Os poemas possíveis”, “Provavelmente alegria” e “O ano de 1993”. Em 1977, publicou o romance “Manual de pintura e caligrafia”. Depois, vieram os contos de “Objeto quase” (1978) e a peça “A noite” (1979).

Mas o reconhecimento mundial só chegou com “Memorial do convento”, de 1982, a que se seguiu “O ano da morte de Ricardo Reis”, dois anos depois. Os dois romances receberam o prêmio do PEN Clube Português.

Nobel e Camões ao desafeto da Igreja
Seu romance “O evangelho segundo Jesus Cristo”, de 1991, provocou polêmica com a Igreja Católica e foi proibido em Portugal em 1992.

O romance mostrava um Jesus humano, com dúvidas, fraquezas e conversando com um Deus cruel. Em um dos episódios, Jesus perdia sua virgindade com Maria Madalena.

Um ano depois disso, ele decidiu se mudar para a ilha de Lanzarote, no arquipélago espanhol das Canárias, onde ficou até morrer, sempre acompanhado pela sua segunda mulher, a jornalista e tradutora espanhola Pilar del Río.

Em 1995, ganhou o Prêmio Camões pelo conjunto da obra e publicou “Ensaio sobre a cegueira”.

Em 1998, ele recebeu o Nobel de Literatura. Na justificativa da premiação, a academia afirmou que o português criou uma obra em que, “mediante parábolas sustentadas com imaginação, compaixão e ironia, nos permite captar uma realidade fugitiva”.

Seu último romance foi “Caim”, de 2009, também bastante criticado pela Igreja Católica por conta de sua visão pouco ortodoxa do Velho Testamento.

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