Moradores de Maria Coelho, localidade distante cerca de 45 km da área urbana de Corumbá, sofrem com as consequências da diminuição do potencial de vazão do córrego Piraputanga, único manancial de água potável da região. Segundos os moradores, a atividade extrativista do minério, que utiliza a água para lavagem do produto, e a de beneficiamento, que usa grande quantidade do líquido para resfriamento do ferro gusa, é a grande responsável por essa diminuição.

Em contraste com os incalculáveis volumes usados pelas empresas, os moradores apesar de dependerem da água para todas as atividades que desenvolvem como: plantação, criação de animais, lavagem de roupas, casas a até mesmo para consumo direto, somam quantidade bem menor de uso.

O morador Augusto César Alves da Silva diz que o receio é ver o Piraputanga ter o mesmo destino do córrego que abastecia a região de Urucum, ou seja, secar. De acordo com a percepção do homem que mora há 23 anos no local, a vazão, hoje, já reduziu 40% da original.

 “Antigamente, numa época de seca, ela diminuía, mas com as chuvas restabelecia. Agora não, diminui na seca e quando chove, não volta ao que era, não está recuperando mais. Hoje, eu falo pra você, está acabando essa água. Se secar o córrego, acabou. Lá no Urucum tinha um córrego quase volume disso aqui e foi indo, foi indo… hoje, você vai lá não vê o córrego no Urucum, acabou! Hoje, o que tem na região de Corumbá é somente esse córrego, com um volume de água desse, não tem outro mais. Acabou isso aqui, acaba tudo”, sentencia o morador que afirma que não é somente a população da localidade que perde, caso o córrego venha secar.

“A população da cidade também perde porque acabarão os balneários, não terá onde passear nos domingos. Vai vir lá da sua casa, em Corumbá, pra encontrar aqui sequidão?”, questiona Augusto que explica a dificuldade da comunidade atualmente para conseguir fazer uso das águas do Piraputanga.

“As pessoas não podem mais puxar um bico de água, uma mangueira de água de quase uma polegada, que é quase nada. O promotor não libera e para a empresa Vetorial estão conseguindo liberar a água para trabalhar o forno, que é uma quantidade enorme, sendo que para o ser humano ali não consegue um biquinho de água. Tem que olhar para os moradores que cuidam, zelam, não empresas que só exploram”, diz.

Desanimador

A decisão sobre um mandado de segurança impetrado pela empresa siderúrgica Vetorial foi julgado na última quarta-feira, 15 de setembro, no Tribunal Justiça de Mato Grosso do Sul, depois de cinco adiamentos. E o resultado foi nada animador para os moradores de Maria Coelho.

A empresa conseguiu o direito de utilizar água do Piraputanga para a produção de ferro gusa. Com essa decisão, a empresa vai iniciar processo de licenciamento ambiental para ampliar a produção em 150%, de 12 mil para 30 mil toneladas do produto, situação que significa uma maior retirada da água do córrego para o resfriamento das placas de ferro. A empresa conseguiu assim suspender um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que previa o impedimento do uso da água do córrego firmado em 2008 entre a MMX, antiga proprietária da siderúrgica, e o Ministério Público Estadual, Prefeitura Municipal de Corumbá, e Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul.

Após a compra da MMX, a Vetorial verificou que em sua licença constava a condicionante que não autoriza a captação de água para fins industriais e o lançamento direto ou indireto de qualquer material poluente no córrego Piraputanga ou qualquer outro córrego da região, mesmo assim defende que para o funcionamento pleno da empresa a condicionante precisa ser revista.

As Promotorias de Corumbá e Campo Grande argumentavam que a siderúrgica tem conhecimento, no mínimo, desde setembro de 2009, do teor dos Termos de Compromisso de Conduta (TCC), firmados em 2006, e dos Termos de Ajustamento de Conduta, homologados judicialmente em 2008, que previam a não utilização do córrego Piraputanga para o processo industrial.

Com a decisão do último dia 15 de setembro, em relação ao mandado de segurança, o Ministério Público não deverá recorrer. Segundo a Assessoria de Imprensa do MPE-MS, a instituição deverá se manifestar apenas quando houver um julgamento definitivo do caso, no Tribunal do Justiça, o que não há data para ocorrer.  

Enquanto isso

Enquanto isso, moradores da região conhecida como Igrejinha, ainda em Maria Coelho, amargam a falta de água. Um dos braços do córrego Piraputanga que abastecia a região secou há cerca de 3 anos como explicou ao Diário a moradora Edeutrudes Correa de Oliveira. Ela ainda lembra de como era a vida quando tinha água em abundância.

“Como corria normalmente, cada um tinha sua mangueira pra casa, puxava do córrego. Ocupava pra tudo, pra beber, molhar a planta, quem tinha plantação, horta, lavar roupa.”

Hoje, ela e mais dezoito famílias dependem da água trazida por caminhão-pipa contratado por uma das empresas que atuam na região. Conforme a dona de casa, há vezes que falta água e é preciso ligar para a empresa trazer mais. Uma rotina bem diferente do passado.

“Estamos sem poder plantar, a planta morre. Tem gente que cata roupa e vai lavar pra outro lado. Quando preciso lavar muita roupa, tenho que fazer isso. Não é mais uma vida tranquila como antes. A gente tinha horta aqui em casa e não podemos, manter a criação também”, contou.

E quando questionada sobre a possibilidade de a seca ter ocorrido em função do período de estiagem, ela destaca. “Dizem que é a chuva, mas sempre teve seca, quando diminuía um pouco, mas nunca secava. E isso já vai quase 3 anos”, desabafa. Se tivéssemos que usar uma frase do poeta sul-mato-grossense Manoel de Barros para ilustrar o que acontece com a região de Maria Coelho, com certeza, descartaríamos uma de suas mais célebres: “Penso que os homens deste lugar, são a continuação destas águas”. Na região de Maria Coelho, os homens estão se privando dela.