Relatórios no Arquivo Nacional mostram que deputados estaduais de Mato Grosso do Sul agiram para impedir divulgação na imprensa de esquema de desvio de verbas federais em MS na década de 80

A participação do deputado estadual Ary Rigo (PSDB) em esquemas de corrupção não está restrita apenas à revelada pelo vídeo onde fala de “repasse” de dinheiro da Assembleia Legislativa para o governador André Puccinelli, Tribunal de Justiça e Ministério Público.

Documentos do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações) catalogados no Arquivo Nacional em Brasília comprovam que Ary Rigo no ano de 1988 “apoiou” esquema de corrupção para a construção de uma creche no município de Sidrolândia.

Rigo que agora é o pivô de uma das maiores crises políticas vividas pelo estado de Mato Grosso do Sul desde a sua criação em 1977, em 1988 usou de sua “influência” como deputado estadual para impedir a publicação de reportagem no antigo jornal Diário da Serra sobre o episódio de corrupção na construção da creche.

A HISTÓRIA

Conforme os documentos em 1998, a Prefeitura de Sidrolândia foi agraciada com recurso, a fundo perdido, concedido pela Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência da República, para a construção de uma creche no bairro São Bento.

Ao mesmo tempo, o então deputado federal Saulo Queiróz (PFL-MS) solicitou novos recursos, também a fundo perdido, estes do Fundec, administrado pelo Banco do Brasil, para aplicação na construção da mesma creche.

Uma denúncia foi feita na época por Brígido Ibanhes, funcionário do Banco do Brasil que, depois disso, conforme o documento do Arquivo Nacional passou a ser perseguido pelo gerente da agencia local do banco Augusto Bernardo Guedes da Fonseca Neto, posteriormente nomeado prefeito da cidade de Mundo Novo.

O documento no SNI diz que “no dia 16 de julho de 86 a Secretaria Especial de Ação Comunitária (SEAC), ligada diretamente à Presidência da República, enviou oficio SEAC-CF 292/86 à Agência do Banco do Brasil de Sidrolândia, determinando a abertura de uma conta especial para o repasse de recursos previstos no Convênio 847/86 e em nome da Prefeitura daquele município.

Isto sem especificar as quantias do financiamento a fundo perdido e que eram destinadas à construção de uma creche na Vila São Bento. Assim, diante de tais recursos, João Lemes de Souza, prefeito municipal pelo PFL iniciou a construção da mencionada obra que, atualmente está concluída, tendo os trabalhos terminado há cerca de cinco meses”.

Logo depois destes fatos devido à atuação do deputado Saulo Queiróz, “com a interveniência de Augusto Bernardo Guedes da Fonseca Neto, foi solicitada à Associação de Desenvolvimento Comunitário da Vila São Bento a apresentação de um Plano de Desenvolvimento Comunitário Integrado – PDCI”.

Neste “PDCI” foi especificada a construção de uma creche com 299,93 metros quadrados para atender trinta crianças, fornecimento de água tratada além de outras benfeitorias. Conforme os documentos ficou “estabelecido que o Fundo de Desenvolvimento Comunitário (FUNDEC), participaria com CZ$ (Cruzados) 2.768.376,00; o Governo do Estado com CZ$ 811.388,00; a Prefeitura de Sidrolândia contribuiria com a importância de CZ$ 203.000,00. Somente o PDCI foi assinado, não ocorrendo o mesmo com o contrato, o que possibilitaria a liberação dos recursos”.

Os documentos que estão em posse de Brígido Ibanhes dizem que “após isto ocorrido, a agência do Banco do Brasil propôs um novo projeto àquela associação agora com outras características que incluía a aquisição de equipamentos para maternidade e construção de creche no valor de CZ$ 3.545.946,00”. Este novo contrato não foi assinado já que a Associação comunitária contava com um novo presidente José Hauser que justificou sua atitude alegando “não pretender que a Associação se tornasse um meio de manobras escusas”.

Brígido Ibanhes, que era um dos líderes comunitários da Vila São Bento, por se opor à possível utilização indevida de verba do Fundec acentuou que chegou a receber proposta de suborno por parte do gerente da agência do Banco do Brasil Augusto Bernardo Guedes da Fonseca Neto. Segundo Brígido, o então prefeito chegou a propor que ele fosse candidato a vereador “já que o Fundec garantiria o lançamento de sua candidatura”.

Conforme os documentos do Arquivo Nacional, a creche da Vila São Bento foi construída com recursos da SEAC. Já os recursos vindos do Fundec, para a mesma finalidade só seria liberados se os membros da diretoria da associação de moradores concordassem em assinar o contrato. O documento salienta que “o Fundec foi instituído para beneficiar, exclusivamente, comunidades rurais carentes, com até 10 mil habitantes. O que não é o caso da Silva São Bento em Sidrolândia, já que a mesma está inserida dentro do perímetro urbano”.

Brigido Ibanhes conta no documento que está no Arquivo Nacional que no dia 28 de junho de 1988, já sofrendo ameaças veladas de sentido psicológico “sendo observado atentamente por desconhecidos perto de sua residência e ser perseguido por carro com chapa oficial da Prefeitura” resolveu denunciar os fatos à imprensa de Campo Grande. Brígido procurou o extinto jornal Diário da Serra onde houve pré-disposição para publicar a denuncia de corrupção na construção da creche.

Segundo dados que constam no documento, o então deputado federal Gandi Jamil “acompanhado de seguranças, esteve na redação do jornal onde interferiu para a não publicação dos fatos”.  Na página cinco do documento consta que “o deputado estadual Ary Rigo, do PFL-MS, na ocasião em que o deputado Gandi Jamil interferiu junto ao Diário da Serra para que as denúncias não fossem publicadas, telefonou ao jornal com mesmo objetivo”.

Na época, por conta da polêmica, o superintendente do Banco do Brasil, Syrlei Mendes Nogueira determinou a suspensão do processo entre o Fundec e a Associação de Desenvolvimento Comunitário da Vila São Bento e “um estudo mais detalhado” sobre o caso. Os fatos envolvendo a construção da creche foram publicados em 1988 apenas no jornal Centro Sul.

O documento do SNI conclui que, pelos fatos evidenciados, “fica caracterizada a tentativa de desviar recursos provenientes do Fundec” e encerra afirmando que “não estão claras as razões, que levaram os deputados Federal Gandi Jamil George e Estadual Ary Rigo, ambos do PFL, a interferirem pela não veiculação do episódio por parte do Diário da Serra”.

O SNI

O SNI (Serviço Nacional de Informações) foi criado pela lei 4341 em 13 de junho de 1964 pouco mais de dois meses depois do Golpe Militar com o objetivo de supervisionar e coordenar as atividades de informações e contrainformações no Brasil e no exterior.

Foram incorporados ao SNI na data de sua criação o SFICI (Serviço Federal de Informações e Contrainformações) criado em 1958 e a JCI (Junta Coordenadora de Informações) de 1959. O SNI foi extinto em 1990 e em seu lugar foi criada em 1999 no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência).