Episódio raro em qualquer governo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiu nesta terça-feira (14) que funcionários da Receita Federal manipularam informações fiscais sigilosas. Diante do fato, tanto ele quanto o secretário do órgão, Otacílio Cartaxo, comunicaram oito medidas para reforçar a segurança do sistema de acesso aos dados.

Especialistas ouvidos receberam bem as mudanças. Alguns apontaram, contudo, que a reação a esses problemas graves foi feita de forma afobada.

O principal problema, de acordo com as fontes ouvidas pela reportagem, está na oitava medida anunciada nesta tarde. Nela, o ministério da Fazenda diz que buscará aumentar as penalidades dos infratores. Atualmente, se o funcionário acessar algum dado sigiloso sem motivo justificável, ele sofre uma advertência e, depois, responde judicialmente pelo ato. Com a possível mudança, a pessoa pode até ser demitida.

A questão principal é que o governo afirmou que fará essa mudança por meio de medida provisória. Porém, a Constituição não permite que uma alteração como essa seja adotada usando esse caminho, por se tratar de uma matéria penal.

O advogado criminalista Luís Guilherme Vieira lembra que a última vez que viu uma mudança desse tipo foi quando o ex-presidente José Sarney redigiu uma medida provisória para criminalizar quem aumentasse preços nos supermercados.

– Eu espero que essa “batatada” não se repita. É uma balela querer ter uma MP para efeitos de criminalização. Não tem de aumentar pena de nada, tem é de aumentar o controle geral dos dados que atingem não apenas o sigilo fiscal, mas a dignidade do cidadão.

A segunda crítica verificada diz respeito ao anúncio de que, a partir de agora, a Receita deixará apenas nas mãos do contribuinte a decisão de tornar públicas ou não as suas informações sigilosas. Como algumas das denúncias recentes envolveram procurações falsas, o órgão decidiu que, caso seja do interesse do cidadão, ele poderá negar o acesso aos seus dados por meio de procuradores.

O ex-secretário da Receita Everardo Maciel diz acreditar que essa deveria ser a regra, e não a exceção. Para ele, o problema está no grau de confiabilidade de uma procuração.

– O certo seria o contribuinte informar que não aceita procurações. Falsifica-se moeda, ora. Se esse negócio [procuração] realmente funcionasse, se fosse realmente confiável, não teríamos casos de falsificação estourando por aí.

Segundo Maciel, a solução passa por um sistema de alertas confiável somado a uma criteriosa distribuição de senhas de acesso aos dados cadastrais dos contribuintes do Fisco. Ambas as medidas foram anunciadas pelo Ministério da Fazenda. Mas o ex-secretário diz acreditar que há mais a ser feito.

– Estão tentando aperfeiçoar o obsoleto. Tem de se pensar em tecnologias novas para isso, como os “tokens” de banco [dispositivo eletrônico que alguns bancos fornecem a seus correntistas que geram senhas aleatórias, aumentando a segurança de acesso aos dados de suas contas]. Além disso, o que o Brasil realmente precisa é de uma legislação que puna o abuso de autoridade de forma radical, porque a atual é ridícula.