Juristas defendem flexibilizar regra que obriga título eleitoral e identidade

Juristas que atuam na área eleitoral defendem que haja flexibilidade na obrigatoriedade de levar dois documentos para votar — o título de eleitor e outro documento oficial com foto (carteira de identidade ou identidade funcional, certificado de reservista, carteira de trabalho ou carteira nacional de habilitação).  Para eles, deve haver “bom senso” dos mesários ao […]

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Juristas que atuam na área eleitoral defendem que haja flexibilidade na obrigatoriedade de levar dois documentos para votar — o título de eleitor e outro documento oficial com foto (carteira de identidade ou identidade funcional, certificado de reservista, carteira de trabalho ou carteira nacional de habilitação).  Para eles, deve haver “bom senso” dos mesários ao analisar cada caso. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diz, no entanto, que para votar é obrigatória a apresentação dos dois documentos.

A exigência dos dois documentos vale a partir desta eleição e está prevista na lei 12.034/2009, conhecida como a minirreforma eleitoral. Antes, era possível votar ou somente com o título ou somente com o documento de identificação.

O prazo para solicitar a segunda via do título termina no próximo dia 30. Os documentos oficiais aceitos pela Justiça Eleitoral, tanto para retirar a segunda via do título como para votar, são: documento de identidade, identidade funcional, carteira profissional, carteira de motorista, certificado de reservista ou passaporte. A Justiça Eleitoral destaca que certidões de nascimento ou de casamento não são aceitas.

O juiz eleitoral Márlon Reis, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe), defende o “bom senso” antes de barrar um eleitor que não leve documento com foto. Em relação ao título de eleitor, ele entende não ser necessário. “Em alguns casos, onde houver outro meio de identificar com segurança o eleitor, poderá haver flexibilização. Em uma cidade pequena, onde pessoas se conhecem, o juiz pode autorizar o voto de uma pessoa que não levar o documento. Em relação ao título, eu entendo que sempre foi possível votar sem, quando a pessoa sabe qual sua seção.”

Reis afirma ainda que a exigência de documento com foto foi “medida excelente” por evitar fraudes. “Era muito comum a utilização de pessoas que se passavam umas pelas outras. Essa é uma realidade que conheço”.

O magistrado diz que a medida pode gerar alguma abstenção, mas o aspecto positivo da lei compensa. “Alguma abstenção que aconteça não justifica a postura leniente que a Justiça tinha em se identificar os eleitores. É um preço que vale a pena pagar para ter certeza da identidade dos eleitores.”

O promotor eleitoral Edson Rezende, que coordena o Centro de Apoio Eleitoral do Ministério Público de Minas Gerais, diz que a própria lei permite que o eleitor vote sem o título de eleitor, caso saiba sua seção. “O título sempre foi obrigatório, porém, sendo admitido votar sem quando o nome do eleitor está no caderno (lista de eleitores da seção). O Código Eleitoral continua dizendo isso e não há nenhum dispositivo que tenha revogado a possibilidade de votar sem”, explica.

O artigo do Código Eleitoral mencionado pelo promotor é o 146, inciso VI, que diz: “o eleitor será admitido a votar, ainda que deixe de exibir no ato da votação o seu título, desde que seja inscrito na seção e conste da respectiva pasta a sua fôlha individual de votação” – a lei é de 1965.

A assessoria de imprensa do TSE disse, no entanto, “que a exigência da Lei 12.034/09 prevalece sobre o Código Eleitoral”. Para o promotor Edson Rezende, no entanto, essa é uma questão interpretativa.

Rezende também acredita que, em relação ao documento de identificação, também é possível dispensar em casos específicos. “A coisa não é taxativa se você assegurar que aquela pessoa é aquela pessoa. Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva for votar em São Bernardo e não mostrar o RG, ninguém vai dizer: ‘você tem que mostrar o RG para eu saber se você é você mesmo’. No interior, as pessoas votam a vida inteira num local, se conhecem. Nesse caso, não se vai impedir que a pessoa vote se não tem documento com foto naquele momento.”

Para ele, caso todos os mesários resolvam ser “radicais”, pode haver alta nas abstenções. “Precisa ser no caso a caso. Pode acontecer de a pessoa não conseguir votar se alguns mesários levarem ao pé da letra. Vai ser de acordo com a interpretação do mesário. Ele é a autoridade ali naquela hora.”

Ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Fernando Neves afirma que a medida “diminui a possibilidade de fraude”, mas que o “bom senso” deve ser levado em conta. “Tudo é bom senso. Há seções em que as pessoas estão escaladas há muito tempo, o mesário é antigo, conhece todo mundo. Onde eu voto, voto há tanto tempo que todo mundo me conhece. Isso em cidade do interior é realidade.”

Fernando Neves indica que, como o TSE “determinou observância rigorosa” em relação ao porte dos dois documentos, “isso pode impedir pessoas de votarem”.

Aplicação nos estados
O juiz eleitoral do Recife (PE) Nilson Nery disse que a necessidade de apresentação do documento com foto pode gerar mais abstenções também porque, no interior, muitos não têm documentos com foto. “Nos rincões, nos grotões, vai causar, acho eu, uma dificuldade natural porque as pessoas convivem muitos anos com documento sem foto. Mas é necessário exigir documento com foto.”

Para ele, “vai criar obstáculo para aqueles que não tiveram apoio cidadão” para tirar a documentação.

Por meio da assessoria de imprensa, o TRE de Roraima informou que vai orientar para que seja cumprida à risca a lei que exige os dois documentos. Afirmou que não acredita em aumento das abstenções, que geralmente ficam em torno de 15%.

Já no TRE da Bahia, de acordo com a assessoria, há desembargadores contrários à exigência dos dois documentos. O tribunal não informou, no entanto, se haverá recomendação expressa aos cartórios eleitorais para que exijam os dois documentos.

Título com foto
O modelo atual de título de eleitor sem foto existe desde 1986, de acordo com o TSE.

Desde antes da promulgação do Código Eleitoral, em 1965, a lei brasileira já exigia foto nos títulos de eleitor. Em 1985, foi aprovada lei que mudou a regra para tornar eletrônica a emissão do documento, dispensando a foto. O entendimento era que isso tornaria mais fácil a emissão do título.

Em 1986, resolução da Justiça Eleitoral deu ao título o formato mantido até os dias de hoje, sem foto.

Para evitar fraudes, como um eleitor votando em nome do outro, o Congresso aprovou no ano passado, na minirreforma eleitoral, exigência de apresentar documento com foto para votar.

A previsão do governo é que em 2012 o novo RG, que terá documentos integrados, já contenha o número do título eleitoral. Assim, será dispensado novamente o uso dos dois documentos.

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