Em seus quase oito anos de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez mais de 200 viagens internacionais, prova da importância dada por ele à política externa, um dos campos em que mais investiu esforços durante seu governo.

A petista Dilma Rousseff receberá de suas mãos a tarefa de dar continuidade a uma diplomacia que ficou marcada, sobretudo, pela articulação com as demais nações do hemisfério Sul e pela busca por uma crescente integração com os vizinhos sul-americanos.

Trata-se de uma missão que, para o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, especialista em política externa brasileira, deve ter como objetivo maior preservar a conquista principal de Lula: a autonomia internacional do Brasil e a sua transformação em uma potência política global.

O professor espera que Dilma dê continuidade ao legado do antecessor e mentor político. Em novembro, os dois foram juntos à reunião de cúpula do G20, na Coreia do Sul. Foi a estreia da ex-ministra da Casa Civil em fóruns internacionais já como presidente eleita.

– O governo do presidente Lula tratou de ampliar a autonomia internacional do Brasil e projetá-lo como uma potência política global. Não há a menor dúvida de que Dilma dará continuidade a essas diretrizes da política externa.

Em um documento que apresentou no fim da campanha, intitulado “13 compromissos programáticos para debate na sociedade brasileira”, Dilma reservou um tópico à política externa.

Nele, a presidente eleita menciona alguns dos principais eixos da linha seguida pelo atual governo, como o compromisso com os processos de integração sul-americana e latino-americana, a cooperação Sul-Sul e a solidariedade com países pobres e em desenvolvimento.

O documento cita ainda o Bric – bloco formado Brasil, Rússia, Índia e China – e o Ibas, do qual fazem parte Índia, Brasil e África do Sul. “Nossas parcerias tradicionais serão preservadas e ampliadas”, diz o texto.

Também foram apresentados como compromissos de Dilma o respeito aos princípios de não intervenção, a defesa dos direitos humanos, a luta pela paz e pelo desarmamento e a democratização dos fóruns internacionais – bandeiras de Lula em seus anos de governo.

Outro indicativo de que Dilma poderá dar continuidade às linhas principais da política externa do atual governo é a escolha do diplomata Antônio de Aguiar para comandar o Ministério das Relações Exteriores, ainda não oficializada. Patriota é hoje secretário-geral do Itamaraty, segundo posto na hierarquia do órgão, e próximo do chanceler Celso Amorim. Os dois trabalharam juntos em Nova York e Genebra.

Campanha

Embora tenha sido uma das prioridades do atual presidente, a política externa esteve praticamente ausente na campanha eleitoral. Nem Dilma nem o tucano José Serra deram muita bola para o assunto, que nos poucos momentos em que surgiu, ainda foi motivo de polêmicas.

Serra, nas ocasiões em que opinou sobre ações do atual governo no campo diplomático, não poupou críticas. Em agosto, condenou a aproximação entre Brasil e Irã e lembrou o caso de Sakineh Ashtiani, iraniana condenada à morte, para afirmar que o governo Lula tratou como “camarada” um regime que tortura e mata mulheres.

O candidato também mirou a Bolívia, acusando o governo do presidente Evo Morales de “fazer corpo mole” ante o tráfico de cocaína, e o Mercosul, ao qual se referiu como “uma farsa”.

Dilma, por outro lado, adotou um tom mais contido. Em julho, ao fazer críticas à postura de Serra, mas sem citá-lo, afirmou que os líderes políticos precisam ser “prudentes” ao falar de governos de outros países. Na ocasião, a candidata do disse que “política externa se faz com a cabeça, e não com o fígado”.

No entanto, em entrevista que concedeu após ser eleita, foi questionada sobre o caso da iraniana condenada à morte e definiu a execução por apedrejamento como “uma coisa bárbara”.

No último fim de semana, o assunto voltou à pauta em uma entrevista que ela concedeu ao jornal americano Washington Post. Dilma criticou a opção do Brasil, que se absteve de votar sobre uma resolução da ONU (Organização das Nações Unidas) que condenava violações de direitos humanos ocorridas no Irã.

– Não sou a presidente do Brasil [hoje], mas me sentiria desconfortável, como uma mulher eleita presidente, em não dizer nada contra o apedrejamento.

O pesquisador Tullo Vigevani, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), diz que, embora haja especulações comuns ao momento eleitoral, na prática haverá poucas mudanças a partir do ano que vem.

– Apesar do tom da campanha eleitoral, não haverá alterações substantivas. Poderia haver alguma inflexão, mas a diretriz geral não irá mudar. Os interesses brasileiros no exterior não dependem apenas do presidente, mas envolvem a sociedade inteira, o parlamento e as forças econômicas.

Segundo ele, alterações de rumo seriam mais prováveis em algumas questões pontuais, como o relacionamento com o governo do iraniano Mahmoud Ahmadinejad.

– A questão do Irã não é exatamente estrutural do ponto de vista dos interesses brasileiros. Mas nas relações com os países vizinhos, por exemplo, não acredito que possa haver mudanças importantes.

Para Paulo Edgar Almeida Rezende, professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, Dilma terá de lidar com a responsabilidade de conduzir um país que se tornou um importante ator global, o que a impedirá de fazer “regressões” neste processo.

Peso do presidente

Questionado sobre o papel do presidente da República na inserção internacional do Brasil, Rezende minimiza o peso de Lula e de seu antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso, e diz que Dilma terá à sua disposição uma “tradição diplomática das mais qualificadas” no Itamaraty.

– O Brasil tem uma tradição diplomática das mais qualificadas. Não creio que as figuras do Fernando Henrique ou do Lula tenham sido isoladamente decisivas na projeção do Brasil. Contribuíram, mas foram gratificadas por uma assessoria diplomática que levou ambos a terem uma presença internacional que esteve longe de ser improvisada.