Desembargador Luiz Tadeu explica PNDH-3 e comenta conflito agrário em MS

Em entrevista concedida ao jornal O Progresso, o desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva, de Dourados, indicado para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul na vaga que compete à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e nomeado pelo governador André Puccinelli, comenta o PNDH-3. O chamado terceiro Programa Nacional dos Direitos Humanos reúne […]

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Em entrevista concedida ao jornal O Progresso, o desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva, de Dourados, indicado para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul na vaga que compete à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e nomeado pelo governador André Puccinelli, comenta o PNDH-3.

O chamado terceiro Programa Nacional dos Direitos Humanos reúne as diretrizes do poder público brasileiro para esta área, que atinge pontos sensíveis, como a disputa por terras, direitos dos indígenas e políticas públicas para a reforma agrária. Confira na reprodução integral:

Dentro das ações programadas do PNDH-3 há a proposta de criação de uma unidade especializada em conflitos indígenas na Polícia Federal. Como o senhor vê esta iniciativa? Ajudaria aqui em MS?

Luiz Tadeu – Creio que não ajudaria em nada. A Polícia Federal está preparada e estruturada para coibir abusos e para presidir inquéritos, sem necessidade de uma “unidade especializada”. O que precisa é ponderação por parte dos gestores da administração pública. O índio, o sem-terra e o produtor rural merecem respeito e atenção. Tanto o índio quanto o sem-terra devem ser ouvidos num ambiente não proliferado por debate político-ideológico-partidário. Da mesma forma deve ser ouvido o produtor rural, sem o ambiente da revanche ou vingança.

Registro, aliás, que a agricultura e a agropecuária foram responsáveis por 42% das exportações brasileiras no ano 2009, o maior percentual em trinta anos. É claro que o fazendeiro que comprou a terra e nela exerce seu labor, não quer dela ser despojado, sem uma compensação financeira ou substituição por outra área. Caso existisse ponderação por parte dos agentes públicos – e não partidarização e discussão político-ideológica – haveria um ótimo ambiente para resolução desses conflitos. Portanto, há que se dar um basta na discussão político-ideológica, para, com razoabilidade, decidir-se os conflitos, mesmo aqueles iminentes.

No PNDH-3 há uma recomendação ao Poder Judiciário para estabelecer “critério objetivo e unificado sobre terra produtiva”. Isso não é matéria para o Executivo? Alias, não foram recentemente reformulados novos critérios?

Luiz Tadeu – Sim, essa é uma matéria do executivo, que deve ser passada pelo crivo do legislativo. Isso, no entanto, não impede o judiciário de promover um juízo de valor acerca do conceito de terra produtiva, atento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Reduzir recursos e desjudicializar conflitos é uma atitude conveniente na atual conjuntura em que vivemos?

Luiz Tadeu: O ideal de uma sociedade moderna é justamente a desjudicialização dos conflitos. Cumprindo as partes a lei ordinária, notadamente a Constituição Federal, não haveria campo para o ajuizamento de demandas e mais demandas. No entanto, diante do descumprimento de preceito, não há outra alternativa se não o recurso ao órgão jurisdicional.

Sob a ótica do direito, o que o senhor acha da proposta de mediação das demandas de conflitos agrários antes da concessão de medidas liminares? Qual a opinião do senhor sobre a proposta de um projeto de lei que condicione a concessão de medida liminar de reintegração de posse à comprovação da função social da propriedade?

Luiz Tadeu: Essa proposta, além da aberração, ofende o direito de ação do ofendido. O ato ilícito de invasão de uma propriedade rural se equipara ao ato de invasão da casa residencial urbana. Nesse aspecto o direito não faz distinção entre invasão urbana ou rural. Aquele que tem uma propriedade invadida se socorre da tutela de urgência do judiciário. Se o ato perpetrado exige urgência de análise, não há nada que justifique a desnecessária audiência de conciliação. Decisão liminar de juiz para reintegração na posse, seja posse urbana ou rural, deve ser cumprida de imediato pelo estado, até com o uso de força, caso não haja o cumprimento regular do mandado. O direito de ação cautelar pressupõe urgência, de modo que o estado-juiz não está obrigado a designar audiência prévia, na pendência da invasão. A liminar de reintegração na posse está dentro do poder geral de cautela do juiz. Soa estranho uma “audiência de tentativa de conciliação” no curso de uma invasão de terra, seja urbana ou rural; isso seria premiar e fomentar a desobediência civil. Assim, primeiro deverá ocorrer o cumprimento do mandado de reintegração, inclusive com o uso da força, se necessária. Na discussão posterior da lide é que o juiz poderá designar a audiência para tentativa de conciliação.

Qual a relevância de se ouvir um órgão da reforma agrária na ocasião do cumprimento de reintegração de posse, como propõe o PNDH-3?

Luiz Tadeu: Cabe aqui uma advertência. Não quero discutir os aspectos ideológicos do Programa Nacional de Direitos Humanos. Acho até necessário um programa para implementar a garantia dos direitos individuais e coletivos, inclusive para implementar o direito das vítimas, nem sempre lembrado nos programas de direitos humanos. O grande estadista é aquele que enfrenta esses temas sem fundo ideológico-partidário. Foi assim com a abolição da escravatura, nos embates do grande Joaquim Nabuco; foi assim na conquista do espaço da mulher que, no passado, não tinha sequer o direito de votar e ser votada. Portanto, há de se avançar nos temas relacionados aos direitos humanos sem atropelar a Constituição Federal, mormente o direito do jurisdicionado de ter uma resposta rápida, diante de uma situação de urgência. Abomino a estéril discussão entre aqueles que defendem Fidel, Chávez, Trotsky ou Mão Tse-tung, colocando-os como de “esquerda” e aqueles que defendem o regime militar como de “direita”. Bandido é bandido; infrator é infrator: há bandidos rotulados de “esquerda”, como há bandidos rotulados de “direita”.

Uma sociedade que não preserva o direito de propriedade e que não respeita a decisão emanada do poder judiciário está fadada à ditadura, o que não combina com a estabilidade democrática vigente no nosso país. Se a terra é improdutiva, primeiro que se obtenha a desapropriação, para posterior imissão na posse. O ordenamento jurídico veda a assertiva de que primeira deva ocorrer a invasão, para uma posterior e incerta desapropriação. Nossa democracia é muito jovem. Mas toda a sociedade está se acostumando e se apegando a essa jovem democracia. Ninguém, em sã consciência, torce para um regime de exceção, seja de direita, seja de esquerda, como rótulos. Há pouquíssimos interessa a censura à imprensa, o controle da mídia, a proibição de exibição de símbolos religiosos etc. Volto ao tema, em relação ao estado-juiz. Se alguém sofre uma agressão, seja em seus bens, seja em sua moral, deve se socorrer do judiciário. Provando a necessidade da obtenção de uma tutela de urgência, é dever do juiz de concedê-la, sem necessidade de ouvir órgão administrativo. O que tem valor, diante da urgência, é a prova produzida pela vítima. Se essa prova é satisfatória; se está a vítima diante de perigo de dano potencial, aparentando ter plausibilidade em seu pleito, o juiz obviamente concederá a tutela de reintegração na posse, sem qualquer necessidade de audiência prévia. A democracia, aliás, recomenda que o estado cumpra, de imediato, as ordens de desocupação emanadas de juiz, sem delongas, sem ouvir qualquer órgão administrativo.

A Constituição Federal permite expropriação para fins de reforma agrária, como o PNDH-3 propõe?

Luiz Tadeu: Todos nós sonhamos com uma reforma agrária justa, mas sem usurpar o proprietário. Aquele que confiou no título de domínio outorgado pelo estado ou pela União, títulos expedidos inclusive no início e em meados do século passado, não pode ser despojado de sua posse sem justa indenização, assegurado ao possuidor ou proprietário o devido processo legal. Esta é uma visão que poderia diminuir, em muito, o conflito fundiário. Assim, se a Constituição permite a desapropriação para fins de reforma agrária, assegura, por outro lado, a justa indenização ao desapossado.

Mato Grosso do Sul é um dos Estados da Federação que mais tem conflitos agrários, o Tribunal de Justiça já considera a possibilidade de criar uma Vara especifica para dirimir tais conflitos?

Luiz Tadeu: Não. Mato Grosso do Sul, hoje, não está no rol dos estados que têm maior índice de conflitos agrários. Houve grande índice no passado, como registra o Relatório Preliminar sobre conflitos fundiários rurais no Brasil de 1998 a 2008, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Aquele relatório faz uma análise de que “Mato Grosso do Sul, por exemplo, em 1999 possuía a quarta situação mais complicada no que diz respeito aos conflitos fundiários, e em 2008 ocupava apenas a 17ª posição, e esta queda pode nos dar indícios importantes sobre os conflitos fundiários nacionais”. Desta forma, é o próprio CNJ que atesta não estar Mato Grosso do Sul no ranking de estados marcados por conflito agrário.

Houve recentemente tensão envolvendo índios e proprietários rurais na Grande Dourados e em Miranda. No entanto esses conflitos estão sob controle na Justiça Federal, com possibilidade de que a paz em breve volte a reinar. Por outro lado, não há necessidade de varas especializadas para dirimir o conflito agrário. Nossos juízes estão preparadíssimos para a resolução dos conflitos. O que falta, repito, é a ponderação e o equilíbrio necessários entre os gestores da administração pública, como, por exemplo, a FUNAI, o INCRA, as ONGs etc., para uma discussão de altíssimo nível desse grave problema. Retirando-se do palco de discussão a questão de índole ideológica ou partidária, creio que se tornará bem mais fácil uma solução pacífica da questão fundiária em nosso estado.

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