Crescem ações por crime banal, diz promotor

Crimes banais como o assassinato de um estudante após uma discussão dentro de um ônibus em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, ou a morte de um tecelão que esbarrou acidentalmente o espelho retrovisor de outro carro em Suzano, na Grande São Paulo, são cada vez mais comuns. Com 20 anos de profissão, o promotor […]

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Crimes banais como o assassinato de um estudante após uma discussão dentro de um ônibus em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, ou a morte de um tecelão que esbarrou acidentalmente o espelho retrovisor de outro carro em Suzano, na Grande São Paulo, são cada vez mais comuns. Com 20 anos de profissão, o promotor de Justiça José Reinaldo Carneiro afirma: cresce nos fóruns o número de processos por crimes violentos e sem motivo.

“Existe hoje uma tendência à banalização do crime, por conta da pressão psicológica que as pessoas têm. É o desemprego, é a vida nos grandes centros”, avalia. “Você encontra apenas a falta de bom senso, a falta de reflexão, que levam essas pessoas a cometerem crimes gravíssimos”, diz.

O psiquiatra Cláudio Eizirik diz que é comum a pessoa ter um histórico de comportamentos agressivos antes de chegar ao extremo de praticar um crime grave. “Ou a pessoa já tem um transtorno mental grave ou ela está numa situação de violenta emoção. É como um caldeirão que vai fervilhando e ao mínimo estimulo estoura”, explica.

Em casos assim, a lei é rigorosa. “É uma pena que, para um homicídio simples, a pena seja de seis a 20 anos e, quando passa para um homicídio qualificado por motivo fútil, a condenação seja de 12 a 30 anos”, comenta o advogado Tales Castelo Branco.

Bebeu muito

O homem que matou o tecelão Airton dos Santos na Grande São Paulo se entregou sexta-feira passada. Ele é Izael Menezes, de 50 anos. Não tinha passagem pela polícia e trabalhava havia 20 anos como mecânico do Metrô de São Paulo. Ele não tem porte de arma. E, segundo as investigações, bebeu muito no dia do assassinato.

“Ele não se recorda de como isso aconteceu. No final do interrogatório, ele disse que quer reparar o dano que fez. Ele quer de alguma forma auxiliar esses filhos”, diz o delegado Fátimo Aparecido Rodrigues. “Estamos precisando mesmo de bastante ajuda, porque não temos como viver de agora para frente”, diz a viúva de Airton.

Airton foi assassinado por causa de uma pequena batida de carro em Suzano, na Grande São Paulo. A mulher dele, Joana Fernandes, e os cinco filhos viram tudo. “Grudou um retrovisor no outro e aí foi ralando. Eu perguntei: moço, pelo amor de Deus, por que você fez isso com o meu marido?”

Imagens inéditas mostram Airton dos Santos festejando o Dia dos Pais com a família. Depois, por volta das 22h, ele, a mulher e os filhos voltavam para casa de carro. Em uma estrada de terra, um arranhão na lataria e o ataque. “Um Uno saiu do nada de uma curva, e meu marido jogou o carro para o meio da rua, para não cair na ribanceira. O cara fez a manobra ali mesmo e foi atrás de nós já atirando”, conta Joana.

Um dos tiros perfurou o vidro da Brasília e foi atingir Airton dos Santos Junior, de 14 anos, que estava deitado. Ferido, o garoto pediu para o pai parar. Em seguida, a família foi vítima de um crime ainda mais brutal. “Meu filho pediu para parar o carro porque estava ‘furado’ e ‘vazando’. Quando parou o carro, ele perguntou, com as mãos erguidas: ‘Moço, por que você atirou no meu filho?’”, lembra Joana Fernandes.

Na sequência, o assassino atirou no peito de Airton, que morreu na hora. “Meu filho falava assim: ‘Moço, não mata meu pai, hoje é Dia dos Pais’”, descreve Joana Fernandes. O filho de 14 anos, que foi baleado, se recupera no hospital.

Pediu desculpas

“Tem gente que se acha o maioral de tudo, que está por cima e, ao mesmo tempo, não percebe que é igual à gente”, comenta o pai de Michael Ribeiro Martins, de 16 anos, morto por um motivo banal. Ele quase esbarrou em uma mulher em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. “Isso é absurdamente banal, não tem explicação, não tem porquê”, desabafa Júlio Daniel Martinez dos Santos.

O Fantástico conversou com a principal testemunha do assassinato de Michael, de 16 anos. A namorada do adolescente afirma que esse crime também foi por motivo banal. Eram 18h, véspera do Dia dos Pais, quando Michael voltava do emprego de entregador de panfletos de uma loja.

“Michael correu para poder pegar o ônibus. Tinha uma mulher com neném no colo. Ele quase encostou nela, mas não encostou”, diz a namorada do adolescente.

Dentro do ônibus, houve uma discussão. O jovem pediu desculpas. “Tinha um cara atrás que tomou as dores da mulher. Ele disse que Michael era muito abusado. Michael negou e disse que já havia pedido desculpas para a mulher. Eu falei para minha colega pegar o celular e gravar a cara do homem”, lembra a namorada de Michel. Segundo a namorada de Michael, o homem fez uma ligação e cerca de dez minutos depois, o assassino entrou no ônibus.

O homem que fez a ligação apontou para Michael, que foi assassinado com quatro tiros. “Tem que terminar essa violência. Quando alguém pedir desculpa, a pessoa deve aceitar. Porque se a gente continuar assim, não vai sobrar ninguém”, diz Andréia Ribeiro Lima.

Os envolvidos no assassinato de Michael ainda não foram identificados. “Quando perdemos um filho, perdemos tudo. Só não podemos perder a coragem. É isso que peço todo dia e toda noite. Que Deus me dê força para voltar à vida como era. Mas acho que a minha alegria foi embora junto com ele”, diz a mãe do rapaz.

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