Ciência explica por que, no voto, emoção pesa mais que razão
Como o eleitor escolhe seus candidatos? A resposta, já há tempos intuída por políticos e marqueteiros e que agora ganha apoio da neurociência, é que, na definição do voto, emoções são significativamente mais importantes que a razão. Experimentos conduzidos nos EUA pelo psicólogo Drew Westen mostram que, com base apenas em questionários de cinco minutos […]
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Como o eleitor escolhe seus candidatos? A resposta, já há tempos intuída por políticos e marqueteiros e que agora ganha apoio da neurociência, é que, na definição do voto, emoções são significativamente mais importantes que a razão.
Experimentos conduzidos nos EUA pelo psicólogo Drew Westen mostram que, com base apenas em questionários de cinco minutos sobre os sentimentos das pessoas em relação a certos temas, é possível prever com 80% de acuidade a resposta que elas darão a perguntas bastante precisas, como “o presidente mentiu ou disse a verdade?”, “a Constituição autoriza ou não a adoção da medida proposta pelo governo?”.
Enriquecer esse modelo com conteúdos mais propriamente racionais, considerando também informações sobre a situação em que o presidente teria mentido, por exemplo, tem impacto negligenciável nas previsões, que ganham apenas entre 0,5 e 3 pontos percentuais de precisão. Em outras palavras, a realidade é só um detalhe para o eleitor, que raramente muda sua opinião em virtude de fatos que lhe sejam apresentados.
As implicações dessas descobertas, que vão ganhando atenção crescente dos departamentos de psicologia e ciência política nos Estados Unidos, não são triviais. Se o voto não é o resultado de uma escolha racional e ponderada do cidadão -e poderia, em princípio, ser substituído por um teste de personalidade-, a ideia da democracia representativa continua a fazer sentido?
Livros
Questões como essa estão bem sistematizadas em dois livros lançados nos EUA. Em “The Political Brain” (o cérebro político), de 2007, Westen, hoje na Universidade Emory, dedica 500 páginas a recapitular experimentos que esmiúçam o comportamento do eleitorado e a mostrar as estratégias que costuma dar certo em campanhas.
No outro, “The Political Mind” (a mente política), o linguista e cientista cognitivo George Lakoff usa 300 páginas para explicar por que os cérebros de conservadores e progressistas funcionam de forma diferente (e inconciliável).
Mirando alto, Lakoff, hoje na Universidade da Califórnia em Berkeley, aproveita o livro para advogar pela fundação de um “novo iluminismo”, no qual a razão deixaria de ser idealizada como uma máquina de calcular objetiva e desapaixonada e passaria a ser considerada como o que de fato é: um processo bem menos razoável, no qual 98% das “decisões” ocorrem inconscientemente e sob influência de emoções que nem sequer desconfiamos possuir.
“Frames”
O cérebro político pensa em termos de “frames” (enquadramentos) e metáforas. Podemos chamar um grupo armado que lute por uma causa determinada de “terroristas” ou de “combatentes da liberdade”. E isso faz toda a diferença.
“Frames” são mais que etiquetas ideológicas que pregamos a objetos. A capacidade dos neurônios de se conectar em redes que podem ser ativadas por contiguidade semântica faz com que as palavras escolhidas tenham o dom de comunicar sentimentos. Sem nos dar conta, sempre que lemos a palavra “terror”, sensações de angústia e medo são acionadas. De modo análogo, a palavra “liberdade” dispara estímulos positivos.
Experimentos de Westen mostraram que a ativação dessas redes, embora inconsciente, influencia fortemente as nossas decisões.
Assim, os embates políticos não se resolvem tanto no plano das propostas, mas principalmente das narrativas que partidos e postulantes escolhem para contar suas histórias e transmitir seus valores. Devem constituir uma história fácil de contar e que fale ao cérebro emocional do eleitor.
Especialmente para Lakoff, metáforas são muito mais que um recurso linguístico para explicar ideias. Elas são a matéria-prima do pensamento e têm existência física no cérebro. Pares de ideias frequentemente disparadas juntas acabam se consolidando numa rede neuronal que se torna mais forte à medida em que vai sendo mais utilizada.
Sempre que uma conexão é ativada, ela inibe o acionamento de redes alternativas que possam existir. O viés do militante em favor de seu partido não é necessariamente mau-caratismo (veja quadro). Ele de fato percebe o mundo de forma menos objetiva.
Moderação
A questão que fica é: a democracia ainda para em pé? Num quadro em que as decisões dos eleitores são principalmente fruto de uma combinação de propaganda subliminar com estímulos consolidados ao longo dos primeiros anos de vida, faz sentido determinar o destino da nação através do voto?
A resposta é afirmativa. Antes de mais nada, nem todo mundo é um militante radical e nem todas as questões debatidas são politicamente explosivas. Um número significativo de pessoas não é tão veemente em suas convicções políticas e adota visões de mundo ora conservadoras, ora progressistas dependendo do assunto. É em geral esse contingente que acaba definindo o resultado de eleições. Não deixa de ser uma virtude da democracia que os destinos de um país sejam definidos pelos mais moderados.
Outro ponto é que, embora seja difícil contornar conexões neuronais já consolidadas, não é impossível. Discursos que ofereçam “frames” alternativos e explicitem os processos mentais em operação podem levar o eleitor a mudar de ideia, constituindo uma forma legítima de persuasão política.
Apesar de as democracias modernas terem sido concebidas por filósofos iluministas que as moldaram segundo uma concepção de razão que hoje sabemos falsa, o fato é que há mais de 200 anos elas vêm se mostrando um sistema bastante funcional, capaz na maioria das vezes de autocorrigir-se.
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