Uma das maiores redes de lavagem de dinheiro do país, com ramificações no Caribe, nos Estados Unidos e na Europa, foi desarticulada ontem, em operação conjunta da Receita, do Ministério Público e da Polícia Federal.

Cerca de US$ 400 mil em dinheiro vivo, além de armas, munição, computadores e documentos para abertura de empresas nas Ilhas Virgens Britânicas – um dos maiores paraísos fiscais do planeta –, foram apreendidos em quatro casas de câmbio em Blumenau e Joinville, Santa Catarina. Todas pertencem aos mesmos sócios. Até ontem à noite, cinco pessoas tinham sido presas e uma estava foragida.

O esquema foi descoberto graças ao cruzamento entre os dados da CPMF e os números informados ao Banco Central. O montante declarado pelas empresas era equivalente a um décimo do que era efetivamente movimentado. “As casas de câmbio envolvidas movimentavam, por dia, de US$ 1 milhão a US$ 2 milhões, realizando remessas ilegais de dinheiro para o exterior”, disse um dos coordenadores da operação.

As casas de câmbio vasculhadas pela força-tarefa fazem parte de uma holding controlada por Osni Buss e sua mulher, Sharon McCarthy, ambos presos ontem e acusados de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, crime contra a ordem tributária e porte ilegal de armas. O casal é apontado como principal responsável pelo esquema, que envolvia a abertura de empresas de fachada em paraísos fiscais, as chamadas offshore.

As operações vinham sendo investigadas há mais de três meses e se concentravam na Casa Roweder, de Joinville, e na Quest Câmbio e Turismo, de Blumenau, que ofereciam aos clientes a possibilidade de abrir companhias offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, colônia inglesa situada no Caribe, com área pouco maior do que a do bairro de Copacabana, no Rio. Com isso, os clientes – na maioria empresas da Região Sul – podiam lavar dinheiro de caixa dois, realizando remessas para estas empresas de fachada. No paraíso fiscal, os recursos têm isenção de impostos e os sócios mantêm suas identidades em sigilo, com garantias legais.

O dinheiro, no entanto, não fica no exterior: retorna ao país, na forma de investimento estrangeiro direto, agora com origem comprovada. A movimentação anual ainda está sendo calculada pela Receita Federal, mas, de acordo com dados preliminares, pode chegar a US$ 300 milhões por ano. Este montante equivale a um terço do total de investimentos diretos de empresas das Ilhas Virgens Britânicas no Brasil no ano passado.

Técnicos da Receita suspeitam que diversas outras empresas utilizem o mesmo sistema de lavagem de dinheiro, já que a colônia inglesa foi, em 2001, o oitavo maior investidor estrangeiro no Brasil, com US$ 911,91 milhões. Para se ter uma idéia, o mini-arquipélago caribenho pôs mais recursos no país do que o Japão, que investiu aqui US$ 826,6 milhões no mesmo período.

Na operação de ontem, que mobilizou mais de 70 policiais federais e auditores da Receita, foram apreendidas dezenas de documentos originais de abertura das offshore, além de arquivos de computador. Esta descoberta foi comemorada pelos técnicos da Receita, devido às dificuldades para comprovar a titularidade das empresas. O governo vai agora pedir à Justiça das Ilhas Virgens Britânicas mais informações sobre o patrimônio e a movimentação financeira das companhias, visando repatriar o dinheiro remetido ilegalmente. A Receita e o MP aguardam ainda autorização judicial para abrir os cofres encontrados nas casas de câmbio, que podem conter outras evidências.

A CPMF teve papel decisivo nas investigações. A possibilidade de cruzamento do imposto recolhido com a movimentação declarada surgiu no ano passado, com a promulgação de lei complementar. Bilhões de reais não declarados estão na mira do Leão em todo o país.