CIDADE DO VATICANO, 16 maio (AFP) – Ao afirmar nesta quinta-feira que o papa João Paulo II “está refletindo” sobre a possibilidade de renunciar, o cardeal hondurenho Oscar Andrés Rodriguez Maradiaga não fez nada mais que dizer em alto e bom som aquilo que os outros prelados murmuram.

O arcebispo de Tegucigalpa deu uma grande demonstração de franqueza à imprensa, como se ele tivesse realmente discutido com o papa sua renúncia, se o Sumo Pontífice não se sentir em condições de governar a Igreja.

Dois outros cardeais já tinham dito isso, mas não de forma direta. Num livro de entrevistas publicado há mais ou menos dois anos, o cardeal Godfried Danneels, arcebispo de Bruxelas, avaliou que o papa poderia muito bem decidir se aposentar um dia.

Em entrevista concedida à rádio Deutschlandfunk, o presidente da Conferência Epicospal alemã, o cardeal Karl Lehmann, afirmou algum tempo depois que ele acredita que o papa tem coragem e força de dizer, caso sinta que não é mais capaz de dirigir a Igreja: “eu não tenho mais as condições necessárias”.

“Naturalmente que isso não é facil de pensar. Ninguém está habituado à idéia de um papa demissionário”, acrescentou.

João Paulo II deixou claro até o momento que não tem intenção de considerar a possibilidade de renúncia e que vai governar a Igreja “por quanto tempo Deus quiser”.

“Eu não saberia a quem apresentar minha demissão”, respondeu ele, brincando com os jornalistas que lhe fizeram a pergunta. O direito canônico não prevê demissão, mas fala sobre “renúncia”, desejo de abdicar, a ser anunciado publicamente.

No meio eclesiástico polonês, sempre se acreditou que o papa deveria se retirar por vontade própria, partindo para o recolhimento num monastério na Polônia. Eles citam o convento do santuário Zebrzydowska Kalwaria, onde ele ia freqüentemente acompanhando seu pai e onde irá para as comemorações de quarto centenário deste local de peregrinação a 35 km ao Sudoeste da Cracóvia.

O papa Paulo VI tinha uma carta de demissão pronta para ser divulgada caso fosse verificada a sua impossibilidade de continuar a governar a Igreja de forma adequada, revelou recentmente seu secretário, o arcebispo Pasquale Macchi.

Paul VI morreu em 1978 com 81 anos e esteve envolvido duas vezes com a questão da demissão: em 1967, antes de operar a próstata, e em 1976, quando seu médico desaconselhou sua ida ao Congresso Eucarístico da Filadélfia (EUA), por falta de condições físicas.

“Se um papa não pode mais viajar, ele é deficiente. Para o bem da Igreja então, ele deve renunciar”, comentou.

Paulo VI pediu então a três especialistas em direito para estudar as conseqüências de uma eventual demissão e falou ao abade de Montecassino (Sul da Itália) que lhe reservasse, em todo caso, um lugar em sua abadia.

Os especialistas lhe disseram que nada o impediria de renunciar desde que seu sucessor seja capaz de tomar decisões seguindo sua linha de direção.

Na história da igreja, os casos de renúncia de papas são raros. Um dos mais famosos foi o de Benedito IX, eleito em 1033, renunciante em 1045. Reeleito em 1047, demitiu-se novamente em 1048.

Celestino V renunciou em 1294, quatro meses depois de sua eleição, irritado com as intrigas da cúria romana. O último papa a renunciar foi Gregório XII em 1441, dois anos antes de morrer